segunda-feira, 24 de outubro de 2005

O dia em que os olhos não se fecharam mais - Graffiti

Quem mora no subúrbio do Rio (e de qualquer outra grande cidade) sabe que todo trajeto percorrido de ônibus é uma viagem. Sabe também que é um momento de regressão para os que acordam muito cedo: a mão que balançava o berço na infância, agora, é a que controla o volante e troca a marcha, conduzindo como a primeira o ritmo dos sonhos que passam por trás dos nossos olhos.

Tanto faz se o destino é o centro da cidade ou outro centro comercial, o trajeto é invariavelmente longo. E, para mim, o sono interrompido pelo despertador encontrava nessas viagens sua tão desejada continuação, caso me fosse concedida a sorte de fazê-las sentada. Mas um dia meus olhos se abriram muito antes do que o de costume e tive uma grande surpresa.


Diante deles passaram imagens que nunca havia percebido. Como? Eram tão coloridas. Tão vivas. E ainda contavam histórias. Brincavam com o que estava ali antes delas e fundiam, com os mais altos graus artísticos, um aço que tomava nova forma. Dando novos ares. Gerando novos significados e, principalmente, novas idéias. Arte de rua: GRAFFITI.


O que se vê hoje é a novíssima geração artística urbana. Um movimento que não precisa de galerias luxuosas e modernas para existir. Ela está na rua. Acessível para quem quiser abrir os olhos e ver. O fato de ser gratuita não significa que não seja sofisticada. É muito. Diz coisas que precisamos ouvir, ver e que sentimos, mas com a língua da arte.

O Graffiti brasileiro é legal e de qualidade. Essas duas características fazem do nosso Graffiti um dos poucos no mundo associados não apenas ao hip hop e ao skate, mas também a programas sociais. Ainda há quem o associe à pichação, mas a maioria já lança outros olhares sobre ele. Os ainda meninos-artistas já expõem em conceituados espaços da cidade e dão crias. Novos crews de grafiteiros nascem incentivados por oficinas, oferecidas em escolas públicas e associações comunitárias.


Da zona norte à zona sul, os muros da cidade maravilhosa estão cada vez mais coloridos e precisamos disso. É uma injeção de cor, criatividade e independência em nossas retinas. Arte feita por gente jovem que batalha para criar e é respeitada por isso. Alguns empresários já perceberam o potencial desse estilo e aos poucos o Graffiti começa a invadir a publicidade. As Casas Bahia, com o artista Titi, de São Paulo, e o Bob’s, com o Grupo Nação, do Rio, são bons exemplos disso.

Devo ao Nação Crew o meu despertar para o Graffiti. Sua arte, nos muros da Fundação Instituto Osvaldo Cruz e em frente ao antigo prédio do Jornal do Brasil, na avenida de mesmo nome, sacudiram para fora da minha mente a sonolência artística de pensar que arte é para elite financeira e feita por ela. A verdadeira arte não está no extrato bancário ou no poder aquisitivo, mas no que a sua mente pode absorver, transformar e produzir.

Hoje meu trajeto é outro. A viagem, como disse, ainda é longa, mas o hábito de ler os muros da cidade permaneceu. E sempre aprendo mais. Sempre há uma novidade. Você já notou? Perto de você deve haver um Graffiti esperando para ser desvendado, interpretado ou simplesmente admirado. Deixo vocês com os meus Graffitis favoritos, expostos atualmente e por tempo indeterminado na melhor galeria de arte do mundo: o Rio de Janeiro.

Ilustrações:
(Do alto para o fim da página)
•Nação Crew: George Bush, Av. Brasil
•Da Lata: Monstro
•Wilbor: Maleiro, R. do Riachuelo
•Nação Crew: R. Leopoldina Rego, Olaria
•Motta: Negolindo, Av. Maxwell com Pereira Nunes
•El Niño: Praia de Botafogo
•Nação Crew: Rocinha
•Acme: Jorge da Capadócia, Pavão Pavãozinho
•Motta: Bezerra, Praia de Botafogo

quarta-feira, 19 de outubro de 2005

O Senhor das Armas, Nicolas Cage e um soco no estômago


Do mesmo diretor de “O show de Truman” e de “O terminal” – Luc Besson –, “O senhor das armas” é um sério candidato a filme do ano. Não só por ter Nicolas Cage, Ethan Hawke e Jared Leto (de “Réquiem para um sonho”) em atuações irrepreensíveis. Nem apenas por tratar de um assunto que atinge a todos os países do mundo. Mas pelo momento em que chega ao circuito brasileiro. Às vésperas de um referendo que vai decidir se armas de fogo poderão, ou não, ser comercializadas no Brasil.

Independente da sua ou da minha opinião sobre o assunto, vamos falar do filme. Por meio de um jogo de câmeras, ele começa colocando o espectador no lugar da bala. Desde a sua fabricação até o seu destino final: a cabeça de uma criança africana. E isso é só o começo. Ele conta a trajetória de um migrante que chega aos Estados Unidos e, para fugir do fracassado sonho americano, despe a máscara de “loser”, vestindo a carapuça de um frio traficante de armas.

Não se trata de um filme escrachadamente panfletário, mas expõe de uma maneira tão banal as tramas que envolvem o comércio de armas entre países de primeiro, segundo e terceiro mundos, que se torna impossível não levantar questões morais e éticas em seu desenrolar. Jogos políticos, quedas de regimes e história contemporânea se misturam à história de vida do personagem de Nicolas Cage e sua família. Com uma boa dose de ironia, algumas pitadas de sexo e uma colherada de violência “gratuita”, o filme encontra o equilíbrio ideal para passar uma mensagem dura de uma maneira tão contundente que nem Michael Moore, com seus ataques a Bush, poderia sonhar.

O fato de ser “apenas um filme” não ameniza a sensação de impotência e dor ao ver pessoas inocentes morrerem em nome da riqueza e da vaidade de poucos, até por se tratar de obra baseada em dados reais. O fato de saber que as armas mostradas neste filme iam parar em países de terceiro mundo, em sua maioria, africanos e em guerra civil não nos exclui da rota de destruição que esse tipo de comércio criou. Nosso país não está em guerra declaradamente civil, mas a arma banhada a ouro usada por um traficante e descoberta há poucos dias pela polícia carioca era igualzinha à usada por um cliente do personagem interpretado por Cage. Aqui ou nos países africanos, chacinas de inocentes são cometidas em nome do lucro dos cinco países que mais vendem armas (legais ou não) no mundo e que “coincidentemente” fazem parte do Conselho de Segurança da ONU.

Querem saber quais são? Então, antes de votar, assistam ao filme e tirem suas próprias conclusões. É a minha dica principal para este final de semana.

sexta-feira, 7 de outubro de 2005

Brasil brasileiro?

Todo mundo tem um filho, um sobrinho, um afilhado, um enteado, enfim, uma criança em idade escolar por perto. Já tiveram a curiosidade de ir a uma festinha da escola do pimpolho? Se a escola for particular, pode dar adeuzinho às economias. Paga-se tudo: entrada, mesa, quitutes, banheiro, ar... TUDO. É um verdadeiro assalto voluntário, em prol de ver a criança se apresentar. Mas isso nem é o pior. Salvo o nó na garganta de ver o seu pequeno atuando, o pior mesmo é a qualidade da produção.

Explico: parece que as tias da escola andam vendo muita novela e esqueceram que estamos no Brasil e que por aqui, em junho, bricamos de dançar quadrilha (caipira) e festa country não é uma tradição nacional. Parece que também esqueceram que o Halloween é uma brincadeira gringa e as crianças daqui ganham doces no dia de Cosme e Damião (tradição que está acabando graças às religiões esquisitas que se propagam pelo mundo em nome da fé financeira).

Hei! Chega dessa palhaçada! Temos que comemorar o dia do Folclore, o dia do Índio, o NOSSO dia da Independência (mesmo que ela ainda só exista nos livros) e o dia da Bandeira. Se vocês pagam (barato ou caro, não interessa) pela educação de suas crianças, exijam que os temas que exaltam a nossa cultura sejam incluídos nos currículos escolares. O que vai ser da cultura brasileira, se as crianças não conhecerem o maracatu, o bumba meu boi, o jongo da Serrinha e tantas outras tradições nacionais?

Uma boa pedida pra molecada e os (ir)responsáveis por ela é a apresentação da genial Cia. Folclórica do Rio-UFRJ. No espetáculo em cartaz até domingo, no teatro Cacilda Becker, são apresentadas diversas lendas sobre o mar, por isso, o nome da peça: Pelos mares da vida. A Cia. conta com uma banda e um corpo de dançarinos-atores da Universidade Federal que adicionam muito som, percussão e cores às velhas histórias do nosso país. Eu assisti no ano passado e recomendo. É imperdível!
(Um pedido à Cia.: por favor, remontem Riojaneirices!!!! É muito maneiro!!!)

E passado o stress do Festival de Cinema do Rio, surge agora o stress do Rio Cena Contemporânea (http://www.riocenacontemporanea.com.br/). O corre-corre agora é para assistir às peças deste festival de teatro que traz cias. de várias partes inusitadas do mundo, Irã, Bélgica, França, Curitiba e, pasmem, até Rio de Janeiro. Paralelamente, começa hoje o Cabaré do Festival, que utilizará o maravilhoso espaço da estação Barão de Mauá, na Leopoldina para oficinas durante o dia e shows à noite. Destaque para a noite rock and roll hoje e para a apresentação da excelente banda de hip hop, de Nikiti, Quinto Andar, no dia 14.

Quanto ao festival de cinema, o stress foi totalmente desnecessário, pois mal acabou e já há um replay no Odeon de vários filmes que provavelmente não voltarão ao circuito, é o “Úlitma Chance” (conferir programação em http://www.estacaovirtual.com/index.htm). Isso sem falar nos filmes que já estão entrando em cartaz nos melhores cinemas. Exemplo: "Doutores da alegria". Quem viu gostou e se emocionou. Quem for ver, leve um lenço.

No circuitão, estréiam hoje algumas boas pedidas: a produção nacional "O coronel e o lobisomem" (do mesmo diretor de “A grande família”, da Rede Globo, Maurício Farias; e adaptação do texto de José Candido de Carvalho, assinada por Guel Arraes, Jorge Furtado e João Falcão), "Eros" (atenção, namorados!), "Os irmãos Grimm", "Wallace e Gromit" e "O terceiro olho", os dois últimos, respectivamente, uma animação e um suspense (c/ o mesmo ator de "Segundas intenções", Ryan Phillippe) ingleses.

Os próximos dias também estão bastante favoráveis à tribo zen: Ayurveda no Jardim Botânico, Festival de Mantras no Scala e aula gratuita de ioga no Parque Lage. Confiram a programação...

Sexta, 07/10
• Wilson das Neves – um dos maiores bateiristas do mundo toca na Sala Funarte Sidney Miller (R. da Imprensa, 16, Centro), às 18h30. R$ 10 (praticamente de graça!)
• Mateus Pinguim + Djs Soneca E Erik David – lançamento do cd "Só escuta o som", pela Trama. Estilo:Black, underground hip hop, ragga. Lj Plano B (Lapa - 3852-1431), às 19h. Grátis.
• Limusine Negra – a execelente banda gaúcha se apresenta no Rio Rock & Blues Club (R. Prof. Ferreira da Rosa, 180 – Barra), às 22h. R$ 10
• Monobloco – gravação do DVD, c/ participação de Pedro Quental, MCs Júnior e Leonardo, no Circo Voador. R$ 30
• Autoramas – toca depois de Erika Martins e Telecats, no Odisséia, às 22h. R$ 20.
• Avenida Dropsie – uma das atrações curitibanas do Rio Cena Contemporânea. Carlos Gomes, às 20h. R$ 10
• Pelos mares da vida – Cia. Folclórica do Rio apresenta lendas do mar no Teatro Cacilda Becker (Rua do Catete, 338), às 20h. R$ 10

Sábado, 08/10
• Ayurveda no Jardim Botânico – atendimentos e palestras. Das 9h às 15h. R$ 4
• Ioga – aula gratuita. Parque Lage, das 9h30 às 10h30. Leve toalha e lata de leite em pó!
• Monobloco – gravação do DVD, c/ participação de Lenine e Fernanda Abreu, no Circo Voador. R$ 30
• Avenida Dropsie – uma das atrações curitibanas do R.C.Contemporânea. Carlos Gomes, às 20h. R$ 10
• Dance on Glass –atração iraniana do Rio Cena Contemporânea. Sergio Porto, 21h. R$ 10
• Pelos mares da vida – Cia. Folclórica do Rio apresenta lendas do mar no Teatro Cacilda Becker (Rua do Catete, 338), às 20h. R$ 10

Domingo, 09/10
• Dance on Glass – atração iraniana do Rio Cena Contemporânea. Sergio Porto, 21h. R$ 10
• Pavilhão 9 – o hip hop roqueiro paulista de altíssimo nível se apresenta depois de Cabeçudos (nooossa!), no clube Florença (R. Alecrim, 593 - Vila da Penha), a partir das 14h. R$ 8
• Pelos mares da vida – Cia. Folclórica do Rio apresenta lendas do mar no Teatro Cacilda Becker (Rua do Catete, 338), às 19h. R$ 10

Terça, 11/10
• Dinheiro Grátis – uma das atrações cariocas do Rio Cena Contemporânea, em que Michel Melamed dá continuidade ao seu ótimo trabalho em “Regurgitofagia”, desta vez falando do Capitalismo. Sesc Copa, 21h. R$ 10

Quarta, 12/10
• Festival de Mantras – apresentação de músicos e grupos de dança trazidos pelo consulado da Índia. Scala, às 18h. R$ 20
• Water Dances – atração tcheca do Rio Cena Contemporânea. Sesc Copa, 20h. R$ 10


Quinta, 13/10
• O dia fora do tempo – Grande Cia Brasileira de Mystérios e Novidades – uma das atrações cariocas do Rio Cena Contemporânea. Largo de São Francisco, às 17h. Grátis.
• Inventário - Aquilo que seria esquecido se a gente não contasse - Doutores da alegria – atração do Rio Cena Contemporânea. Sala Baden Powell, às 19h. R$ 10
• Angel of Death – atração belga do Rio Cena Contemporânea. Sergio Porto, 21h. R$ 10

Sexta, 14/10
• Quinto andar, na Estação Barão de Mauá, a partir das 22h. R$ 20
3 caras e 1 caixa – Exposição de instalações com fitas adesivas muito maneira, montada por Eduardo Felipe (foto ao lado) na Galeria Maria Martins (campus Tom Jobim, da Estácio de Sá). De 2ª a 6ª, das 10h às 22h. Aos sábados, das 10h às 18h. Até 28 de outubro. Grátis.

Sábado, 15/10
• Mercado Odeon: Feira com moda, livros, música, fotografia, petiscos. Na Cinelândia, em frente ao cinema. (http://www.estacaovirtual.com/mercadoodeon/index.html) Grátis.
• EDUCAÇÃO, OLHA!: ÚLTIMO DIA PARA VER exposição de desenhos no Sobrado A Gentil Carioca (R. Gonçalves Ledo 17, Centro). De terça a sexta, das 12h às 19h; sábado, das 12h às 17h. Grátis.

segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Negolindo, menino rei em todo lugar

Para os negolindos: Luquinhas, Millinha, Joãozinho e Pedrinho

Quando, seu moço, nasceu o rebento, não era o momento dele rebentar. Já foi nascendo com cara de fome e a mãe não tinha nem nome pra lhe dar. Como foram levando, não sei explicar, ela o foi levando e ele a lhe levar. E na sua meninice, ele um dia disse que chegava lá...



Esse moleque, Negolindo, não é mole, não. Perambula por aí. Brincando com o que pode e sendo feliz ao seu jeito. Porque criança pobre não precisa de brinquedo caro para ser feliz. Bate bola ossuda. Bate um prego aqui, prende umas ripas ali e está pronto o rolimã para descer as inúmeras ladeiras que ligam o asfalto à sua casa.

Vai pra escola, mas só o que prestam lá são a merenda e o papo desenrolado com o Cumpadi, o Brother e o Mané, seus melhores amigos. Não entende do que as Donas falam lá na frente. Ficam falando do que passou na tv ontem à noite. E ele lá vê tv? Não tem tempo, não. Aproveita que a mãe não vem pra casa pra ficar na rua até mais tarde. Até o sono bater. Mãe só no final de semana e se a Patroa deixar. A Patroa deve ser a vó que nunca viu, porque faz com a mãe o que a mãe faz com ele, não o deixa sair.

Ele tem teto, mas vê a cara de medo das Donas no volante quando os quatro se aproximam para atravessar a rua. Vêem os vidros subirem devagar. Se quisessem, podiam fazer uns ganhos por aí, mas para eles, os meninos do sinal com garrafa quebrada na mão são que nem os meninos do colégio de padre que batem nos outros. São crianças também, mas quando crescem brigam no baile e na boate. Uns com dinheiro, outros sem. Uns sem atenção, outros também.

Mas Negolindo tem seus dias de rei. Quando a mãe vai pra casa, ah, Neguinho sonha demais. Menino sonha com coisas que a gente cresce e não vê jamais. Menino pensando só no reino do amanhã, no que vai ser quando crescer. Vai querer ser pai. O que nunca teve. Não sabe quem vai ser a mãe. As meninas nem olham pros pequenos como ele. Elas não jogam futebol. Cheiram bem, mas são chatinhas. Só uma não é.

Deixa a bola de lado e vai esperá-la chegar. Sobe com ela e as novidades da semana pra contar. Sufoca. Aumenta. Mistura as histórias. Ela reza toda noite, entrega para Deus a sorte do menino. É tudo o que pode fazer.

Você conhece o Negolindo? Ele é daqui. Também é daí. É de todo lugar. E na sua meninice, acho que tá lindo, de papo pro ar. Acho que vai chegar lá.

Escreva pra ele. Mande uma carta dos reizinhos que você tem em casa. Faça amizade com os Negolindos que estão perto de você. As mensagens mais legais estarão no ar, nas próximas edições do Nervo Óptico. Em uma sessão especialmente criada para receber os seus recados. Até lá!

Citações:
• “Meu guri” - Chico Buarque
• “Todo Menino É Um Rei” - Nelson Rufino & Zé Luiz

Agradecimento:
Felipe Motta, o “pai” do Negolindo que melhorou essa coluna com sua ilustre ilustração. Thanx, boy!