quinta-feira, 5 de abril de 2007

Walk on bye



"eu ando pelas ruas prestando atenção em cores
que eu não sei o nome..."
("Esquadros" - Adriana Calcanhoto)

gosto de andar. ando pelas ruas e, quase sempre, quase sou atropelada. porque não olho para os carros. os carros são os que menos me interessam na rua. olho para as pessoas. olho até para as pessoas dentro dos carros, mas não para os carros e eles dificilmente param para mim.

as pessoas por trás das janelas também são interessantes, me flagram observando-as e são pegas de surpresa, se sentem incomodadas por encontrar um olhar tão curioso quanto o delas. Também tenho direito de olhá-las. Quem foi que disse que os transeuntes não podem fuçar? Quem foi que disse que só os debruçados nos pára-peitos é que podem? Nós que passamos também temos nosso direito de vagar sem pressa. Cabeça alta a divagar.

um dia, num momento de meninice, levada por pensamentos surpersticiosos, ia andando por uma rua do subúrbio pensando "se encontrar uma rosa branca pelo caminho, é porque ele gosta de mim". Quando cheguei no final da rua, olhei para o jardim de uma casa repleto de rosas vermelhas e apenas uma esmaecida, quase morta, entre o pálido, o chá e o branco. Seria uma rosa branca ou seria uma rosa morta? Nem percebi o carro que se aproximava devagar sem buzinar. O motorista percebeu que minha cabeça estava em algum lugar distante, muito distante dali e não quis me assustar. Mas me assustei assim mesmo. Ele riu.

meus dias sempre começam bem quando caminho o longo trecho de sempre com fones de ouvido bombeando o som de algum lugar doido desse mundo no meu cérebro. o trabalho rende. o sorriso surge mais fácil no rosto. combino as passadas com a batida da música, deixando que o mp3 defina se vou chegar mais cedo ou mais tarde no trabalho. imagino uma câmera seguindo meus passos em super8 e uma voz narrando "lá vai ela para mais um dia de labuta". uma história que começa assim não promete nada de especial. E vou seguindo, jurando para mim mesma que "desta vez vou escrever uma história diferente". o dia vai escorrendo e tudo acontece exatamente do mesmo jeito. ainda bem.

quando saio do trabalho e decido andar um pouco mais para apreciar o dia, percebo faróis que se apagam e acendem no ritmo de olhos que piscam. sou a única alma na calçada. será que piscam para mim? ou será que caiu um cisco em seus olhos de vidro? percebo buzinas q tocam de leve. sou a única pedestre no bairro dos dois carros por garagem. será que as buzinas querem minha atenção? ou será que gritam de surpresa ou de escárnio por encontrarem um pedestre num bairro em que cada garagem tem, pelo menos, dois carros? não importa. porque não olho para os carros. os carros são os que menos me interessam na rua. nessas caminhadas, eles passam em alta velocidade. nunca param para mim. e, diferente do subúrbio, nem tenho a chance de olhar para as pessoas dentro deles.


A arte que ilustra esta coluna é de Alexandre Antunes. Thanx, teacher!