sábado, 29 de setembro de 2007

Traje de gala numa noite de luxo

Foram vários anos de espera. Minha banda favorita já havia se apresentado no Rio duas vezes, mas pedras no caminho me privaram de assisti-la. Desta vez, nada me impediria. Nada, exceto meu próprio sono. Espantosamente, a poucas horas do início do show, caí nos braços de Morfeu e acordei quando faltava apenas meia hora. Levantei sobressaltada e me enfiei debaixo do chuveiro ainda zonza.

Uma grande amiga residente em Nova Iorque me trouxe de lá uma camiseta que é quase uma bandeira. Uma bandeira do Rock and Roll. Uma camiseta do clube CBGB, um altar do rock onde se apresentaram as melhores e mais lendárias bandas do final dos anos 70 até poucos anos atrás, quando a casa fechou suas portas. Vesti a bandeira e fui pra rua o mais rápido que pude. Para ajudar na correria, os pés estavam confortavelmente calçados dentro do meu velho Adidas preto de estimação, modelo também adotado por vários nomes interessantes do rock nacional e internacional. Resumo da ópera, roupa de gala!

O clima frio esvaziou as ruas naquela sexta-feira. Apenas boêmios, funkeiros e pagodeiros ocupavam os bares do subúrbio carioca. A expectativa era encontrar a minha geração novamente no Circo Voador. A casa, que já fora tão importante para a cultura carioca quanto o CBGB era para a nova-iorquina, agora mudou de cara, de público e de postura. Seus muros, antes abertos para a rua, agora estão vedados aos olhares curiosos. Seus portões, que antes acolhiam jovens assalariados recém-saídos do trabalho ou do colégio, agora estão abertos apenas para privilegiados que podem se dar ao luxo de pagar uma média de R$ 40, 00 por noite. O Circo agora recebe festas globais. Um ex-reduto agora patrocinado por uma multinacional.

Já estava no ônibus, a vinte minutos de casa, quando abri a bolsa e me dei conta de que havia esquecido o ingresso e a carteira de identidade. Ainda sem acreditar na minha falta de atenção, desci do ônibus, esperei a condução para me levar de volta e comecei tudo de novo. Mais trinta minutos me separavam daquele momento tão aguardado e davam um sabor ainda mais especial ao que estava por vir. Mal pus os pés do lado de dentro dos portões e vários olhares foram atraídos pela camiseta gringa. Olhares de reconhecimento. Olhares de admiração. Só mesmo numa noite como aquela, minha camiseta surtiria tal efeito.

Apesar de todas as restrições à casa, a noite merecia uma concessão. E as expectativas não foram frustradas. O público era o mesmo de dez anos atrás, com a postura de dez anos atrás, intolerante a atrasos e embromações, exatamente como há dez anos. Estávamos lá para ver o hard rock visceral e politizado do Living Colour. Já era uma da manhã e nada... A impaciência foi explicitamente demonstrada por meio de vaias e palavras de desordem. Até que finalmente foi feita a nossa vontade... A banda subiu ao palco e mostrou a que veio, melhor do que o esperado.

O talento, a criatividade, a energia e a inteligência do Living Colour vão muito bem, obrigada. O público cantou a plenos pulmões cada verso de cada música. Os músicos reconheceram a idolatria e estenderam o show em três retornos ao palco. Era o fim da turnê pela América do Sul. O público deixou o Circo de alma lavada. E eu mais feliz do que qualquer outro fã da banda. Motivo? Logo na segunda música, o vocalista Corey Glover resolveu tirar o casaco. E sabem o que apareceu? Uma camisa do CBGB... E sabem o que ele estava calçando? Um certo Adidas preto, velho e surrado que me é muuuuito familiar... Enfim, traje de gala numa noite de luxo.

A arte q melhora esta coluna é de Wilson Domingues. Thanx, Wilbor!