domingo, 13 de dezembro de 2009

Descobertas

Como boa capricorniana, é chegada a hora de me recolher ao casulo e rever o que foi feito (ou desfeito) de 2009. Posso até me dar ao luxo de começar pela conclusão. Este foi um ano de descobertas. De todos os tipos, boas e más, porém todas úteis. Divido-as com quem seguir na leitura, afinal, como diz Gilberto Gil, “não é obrigado a escutar quem não quiser me ouvir”.

Vou começar com meu amigo Roberto que me abriu portas com seu exemplo. Não importa qual seja o obstáculo, cada um decide se a vida será leve ou pesada. Quando chegou minha hora de agir, foi dele que lembrei para poder levar os momentos mais cansativos e preocupantes no hospital com minha mãe.

Aliás, essa temporada no “spa do Boréu”, como chamávamos o hospital, foi rica de ensinamentos.

Conforme mencionei há algumas colunas, confirmei as suspeitas de que minha mãe é forte pra dedéu. Aguenta os trancos, reclamando, mas aguenta. Eu, molenga, sucumbiria com certeza.

Também descobri por lá que novas amizades florescem mesmo nas situações menos propícias e em ambientes realmente inóspitos, desde que as pessoas certas sejam postas juntas formando uma química imediata. Dona Maria de Jesus e sua irmã Ana são algumas das pessoas inesquecíveis que conheci lá. Uma espécie de compensação pelo aborrecimento por não estarmos em casa naquelas circunstâncias.

Infelizmente, o oposto também acontece. Quando começamos a perder a paciência, por uma dessas ironias do destino, Deus resolve nos mostrar que nada é tão ruim que não possa piorar e nos faz dividir o espaço de um quarto de hospital com pessoas sem noção de educação e solidariedade. Mas dessas eu nem sequer lembro o rosto.

E isso me faz lembrar de outras situações em que descobri não ser capaz de perdoar. Meu coração imaturo até consegue esquecer, mas, para aprender a perdoar, acho que ainda vou precisar de mais algumas encarnações.

E já que estamos falando de encarnações, foi o Evangelho de Kardec que, em um momento de irritação, me deu a dica. Aqueles que cruzam nossa vida como algozes, na verdade, estão nos indicando um caminho para a evolução.

De repente, olhando para trás, me dei conta de que mulheres infelizes ocupando cargos de gestão sempre me fizeram sair da acomodação e dar uma pirueta, levando a vida por mares nunca dantes navegados. Este ano não foi diferente.

E, uma vez dado o impulso para o salto, a resposta da vida foi imediata. Ao anunciar minha decisão de deixar a escola onde lecionei por onze anos, alunos de diferentes turmas e séries se organizaram para despedidas. Muito emocionante descobrir que o trabalho refletido, pensado e preparado com carinho foi reconhecido pelas pessoas que mais importam.

As palavras que ouvi dessas pessoas jovens, velhas, pessoas experimentadas e outras que estão começando a vida, pessoas iguais ou tão diferentes de mim, jamais serão esquecidas. “E sinto assim como meu peito se apertar...” Já sinto saudades e vontade de chorar só de lembrar. Que bom saber que consegui com meu trabalho plantar uma boa semente em terrenos tão férteis. Vejamos que surpresas mais a vida me trará.

Olhando ao redor e abrindo bem os ouvidos para as histórias alheias, descobri que, na maioria esmagadora das vezes, as mulheres têm razão quando resolvem ir embora e deixar seus casamentos. Muitas nem sabem bem por que estão partindo, parafraseando Nelson Rodrigues “não sei por que estou partindo, mas tu sabes porque estou te deixando”. Quem está de fora sabe que estão certas. E o tempo vai confirmar a sensatez da decisão. É só esperar.

Observando, também descobri que a voz do povo se engana quando diz que toda mãe é igual. Por outro lado, o pai é realmente o último a saber, porque todo pai é meio Homer Simpson. O que tenho ouvido de histórias bizarras sobre pais e suas manias estranhas, roupas horrorosas, conversas fiadas, gafes homéricas, decisões equivocadas, exageros gastronômicos, presentes esdrúxulos... Dariam um livro de vários volumes com edições esgotadas por milhares de filhos embaraçados mundo afora.

No ano de 2009, tive muitas oportunidades de descobrir quem são os amigos de fé, irmãos camaradas que estão juntos e misturados mesmo nos momentos de maior aperto. Aquelas situações desconfortáveis das quais a maioria sai de fininho. Quem quiser aplicar o, digamos, “teste do amigo para o que der e vier” não precisa fazer o mundo desabar sobre a própria cabeça.

Ofereço uma sugestão bem prática ao nobre leitor. Espalhe entre os candidatos a notícia de que você pintará a casa, sem ajuda profissional, com suas próprias mãos. Aqueles que aparecerem para ajudar são os que realmente se preocupam com você e estarão por perto não importa quando, nem onde, nem porquê. Pois, ô missão ingrata! Tem que ser muito irmão para encarar. Caso o resultado do teste seja insatisfatório, talvez você precise mudar sua relação com seus amigos. Ou, talvez, você precise mudar de amigos...

E, finalmente, olhando para dentro, as notícias não são nada boas. Descobri que tenho desenvolvido um estranho apreço pela misantropia. Parece que andei levando a sério demais aquela história de curtir minha própria companhia e acabo por me desfazer facilmente dos outros.

O fato é que a superficialidade e o egocentrismo das pessoas me cansam. Há milhares de coisas acontecendo no mundo a cada segundo e parece que a maioria das pessoas não consegue pensar e falar de nada além de si mesmas. Não ouvem quem está ao seu lado, não são capazes de se conectar com o restante do universo.

Para piorar a situação, à medida que envelheço me torno mais intolerante aos vacilos alheios e, para não gerar atrito, minha opção é dar as costas e ir embora. Sem diálogos, sem possibilidade de conciliação, me desfaço das pessoas como quem tira uma peça de roupa em um dia de calor sufocante. Não sei para onde estou indo agindo assim - se vou me tornar uma ilha deserta ou quase deserta -, e também não quero que ninguém me diga. No ano que vem, pode ser que eu volte aqui para contar minhas novas descobertas. Quem viver, verá.

Obrigada pela companhia e um feliz 2010 pra todo mundo, sendo irmão camarada ou não. Porque a felicidade precisa se espalhar!

Levando a vida ao sabor do vento
(Foto por Sara Simões em Rio das Ostras)

sábado, 14 de novembro de 2009

Pomba-gira no reality show

Outro dia, em Ipanema, conversa vai, conversa vem, comentei com um companheiro de mesa de lanchonete como é impressionante a quantidade de gente que se influencia pelo cardápio de personagens irreais disponíveis na mídia a fim de criar um padrão para a própria vida. E nem estou me referindo às novelas!

Aperta-se um botão, numa noite qualquer e lá estão elas: mulheres lindas de doer, pele boa, cabelo brilhoso, ar saudável, magras, bem casadas, filhos fofos, cachorros limpos... Quem em sã consciência não quer voltar assim na próxima encarnação? Mas quem pára pra pensar que talvez a vida delas pode não ser essa coca-cola toda?

Há quem ache a própria vida insossa e repetitiva. Há quem acorde em certos dias com um tremendo mau humor, com o cabelo revoltado, com um olho menor que o outro, sem vontade de falar com ninguém, com vontade de morrer. Imagine ter de manter a pose todo o tempo. Deve haver momentos assim até para as divas. Situações que escapem das lentes dos papparazzi.

Pois tenho que confessar a vocês, eu não queria uma vida assim. Cada um com sua cruz. As minhas têm sido tão fáceis de carregar que prefiro não arriscar em trocá-las por outras. Além do mais, há coisas que não podem mesmo ser mudadas – a questão estética, por exemplo. Com licença, queridos, mas “a fila dos bonitos é do lado de lá”. Eu já encontrei o meu lugar nesta fila aqui e sei bem as dores e as delícias de ser como sou.

E se a ordem do dia é escolher um personagem fico com a Aline. A heroína ferrada das noites de quinta-feira, na Globo. É a minha hora de mergulhar na fantasia sem pensar no amanhã. Ela é perfeita, simplesmente porque é toda erradinha, felizarda! Talvez a mais livre de todas as heroínas da teledramaturgia.

Seus namorados não são lindos, não são ricos, mas são formidáveis como ela. Ela cede a todos os impulsos sem freios e eu me delicio e torço do lado de cá da tela para ela fazer na ficção tudo o que eu não tenho coragem de fazer na vida real.

O mais legal é que sempre dá tudo errado e, por isso mesmo, tudo dá certo no final. Igualzinho à vida real. Mas quantas vezes nos pegamos pensando “Que bom que deu tudo errado!” e nos permitimos rir da vida e de nós mesmos como rimos das séries na tv? Fico tão feliz com cada episódio que me flagro rindo dos detalhes que minha memória cortesmente me traz de volta dias depois. Meus finais de semana se contaminam daquela energia.

Quando eu era pequena ouvia histórias dizendo que pombas-giras desciam em terreiros da cidade se dizendo a Viúva Porcina! (hahahahahaha) Pois bem, se um dia algum espírito decidir baixar em mim, que não seja como fez com o Steve Martin, apenas 50%.

Se for alguma Aline solta por aí, pode tomar conta geral! Saia por aí dizendo poucas e boas pra quem merecer. Pode também fazer combinações inusitadas com as roupas do armário. Autorizo usar todas as minissaias e roupas curtinhas também. Faça umas gracinhas pras mulheres próximas se soltarem um pouco. Grite com os meninos, eles vão ficar surpresos comigo! Dê escândalo, dê ordens, fale alto na rua. Vá ao shopping, ao salão e gaaaaaste! Faça tudo o que eu não tenho coragem de fazer.

Ah, Aline, aproveite pra me fazer um favorzinho, use e abuse do seu estilo inteligente e sacana pra mostrar pro constrangedor companheiro de mesa de lanchonete que até o Stevie Wonder teria reparado nos olhares dele para a bonitona da mesa ao lado. Se valesse o trabalho, eu mesma teria falado. Mas já que você vai estar por aí, sei que vai usar uma fórmula bem original pra botar o bobinho no seu devido lugar! E volte sempre, querida! Você é muito bem-vinda! É de “reality shows” assim que precisamos!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Pequeno manual de instruções para moças solteiras e emancipadas














momentos em que mesmo as moças mais independentes e vacinadas sentem-se desconfortáveis ao olhar para os lados e não ver mais ninguém dentro das quatro paredes que delimitam seu acolhedor e aconchegante lar.

Nestas horas, nem os bons livros que aguardam pacientemente sua preciosa atenção na estante, nem as revistas antenadas que repousam esquecidas na mesinha de centro, nem as lições do cursinho de idiomas abandonadas no escuro do armário servem de abrigo para a tempestade que se anuncia na mente e no coração da dona da casa.

É, muitas vezes, nessas ocasiões que costumam aparecer os aproveitadores profissionais. Aqueles rapazes irresistíveis e desocupados que buscam uma fonte inesgotável de sexo seguro e gratuito, porém sem nenhum compromisso. Com bocas recheadas de palavras doces e, geralmente, mãos vazias, surgem sabe-se Deus de onde para encantar e aquecer os corações sufocados pelo excesso de ar que a independência traz.

O que fazer diante desse desafio? Como se defender das garras atraentes dessas galanteadoras doenças oportunistas? O que devem fazer as donas de casa do século XXI, renderem-se ou lutarem até o final? Resistirem ou sucumbirem ao doce idílio momentâneo, mas com tendências a raios e trovoadas no final do período?

Com a experiência que onze anos de emancipação e alguns tropeços e cabeçadas me proporcionam, permito-me oferecer-lhes algumas dicas para fugir das armadilhas nas quais corações ingênuos de mulheres espertas às vezes se dão ao luxo de cair. (E prometo tentar cumprir as regras que eu mesma ditarei a seguir.)

Antes de mais nada, tenha uma conversa séria consigo mesma e descubra o que você realmente quer. Se o seu interesse for um pouco de diversão sem ter que necessariamente dividir a cama à noite (isso inclui os inconvenientes noturnos, tais como roncos, pontapés etc.), incluir algumas peças masculinas na pilha de roupa para passar e lavar, ter que cozinhar para mais uma boca ou ter que aturar um estranho dentro de casa logo ao acordar, aproveite-se do aproveitador! Faça tudo o que lhe interessar e depois bote-o para fora.

Se se tratar de um homem com pelo menos um pouco de brio, essa será também uma maneira de fazê-lo sentir-se como você se sentiria se fosse pega de surpresa e desavisada: um objeto. Caso ele não perceba que foi usado, parabéns! Você definitivamente se livrou de uma bomba!

Porém, se você for daquelas moças cujo envolvimento sexual remete a um relacionamento mais sério, seja clara, principalmente com você mesma. Respeite sua opinião e faça-se respeitar. Nenhum homem, por mais irresistível, tem o direito de fazê-la sentir-se ordinária e disponível por ter seduzido você e depois desaparecer. Ou pior, continuar aparecendo para se satisfazer, mas mantendo sempre a conversinha clássica do “apenas bons amigos”.

Se isso acabou de acontecer com você, levante a cabeça. Não essa importância toda a alguém que não tem importância alguma. Lembre-se, até ele surgir em sua vida, você não sentia a menor falta dele, porque simplesmente nem o conhecia.

Mas nenhum dos casos acima será bem sucedido se você não seguir a mais importante das regras. Ame-se! Conscientize-se de que não há no mundo ninguém com tantos defeitos quanto você, mas, principalmente, nãoninguém que consiga reunir todas as suas qualidades.

Também não haverá em parte alguma melhor companhia para você do que você mesma. Ninguém a entende e nem faz as suas vontades como você. Se não consegue se sentir bem na sua própria companhia, jamais estará bem acompanhada ou será uma boa acompanhante.

Concentre-se no presente, dedique-se, o seu melhor em suas atividades. Não deixe sua mente vagar atrás de alguém que não esteja ao seu lado. Trate bem as pessoas à sua volta. Escute o que elas têm a lhe dizer. Às vezes, boas mensagens surgem de onde menos se espera.

Faça algo de que possa se orgulhar. Faça fotos incríveis, escreva, desenhe, toque uma canção, crie uma obra de arte. Espaços vazios são um convite à criação. Transforme um momento de tristeza em algo produtivo. Vire a mesa a seu favor. Você vai se surpreender com o que será capaz de realizar.

Tome conta de você. Cuide-se. Trate-se muito bem. Presenteie-se. Se não fizer isso por você mesma, dificilmente encontrará quem o faça. E, principalmente, se você se tratar bem, jamais aceitará ser mal tratada por ninguém.

Olhe com bastante atenção para o que no espelho. Note bem suas características, pesquise as cores e os cortes que ficam bem para você e compre uma roupa bem bonita. Use salto alto de vez em quando. Namore-se. Tenha orgulho da mulher que se tornou e dos feitos que realizou. Você certamente tem muito o que comemorar. E se não tiver, mãos à obra. Está esperando o quê?

Tenha sempre por perto um cd com suas músicas favoritas. E que elas sejam bem alegres e inspiradoras. Monte uma trilha sonora para a sua vida. Ande pela rua desfilando com o som bem alto no fone de ouvido, mas olhe sempre antes de atravessar. Transforme as ruas por onde passa em uma passarela, seja incrível e atraia os olhares de admiração e de curiosidade pela felicidade que irradiar de seus olhos. Não atribua a ninguém o alto astral que está dentro de você. Deixe-o sair!

Bote seu cd para tocar no banheiro. Aprenda as letras e cante bem alto. Azulejos produzem uma acústica incrível. Dance embaixo do chuveiro. Imagine-se em um videoclipe. A natureza não vai se importar de desperdiçar um pouco mais de água para fazer uma filha feliz. Mas não se descuide dos vizinhos, ninguém é obrigado a ouvir o que você quer, por melhor que seja a sua trilha sonora. Seja educada!

Por fim, respire. Respire profunda e calmamente várias vezes. Se conseguir, chore para desafogar. Mas não chore demais, ou o rosto marcado e a dor de cabeça serão inevitáveis. Se estiver triste, vai passar.

O mal se manifesta de formas diferentes e em diferentes setores em nossas vidas, seja o profissional, emocional, familiar ou o financeiro. Todos têm problemas. Mas eles acabam mais cedo ou mais tarde. Diz a sabedoria popular que nãomal que não termine nem bem que nunca se acabe. Se você estiver na base da roda gigante, tenha um pouco de paciência, logo logo ela subirá. Se estiver no topo, aproveite cada minuto, mas previna-se. O sobe e desce é inevitável. C’est la vie!

E, voltando aos oportunistas de plantão, não deixe que uma sequência deles a faça pensar que não pode ser amada. Conheço homens realmente bons (são poucos, é verdade, mas existem!). Vamos torcer que eles pintem em nossas vidas, mas tenhamos cuidado para não projetar em qualquer Mané a imagem do que gostaríamos que ele fosse.

E, se por um acaso do destino, um bom homem nunca pintar, jamais aceite qualquer um. Será sempre melhor ficar do que mal acompanhada. Muitas mulheres adoeceram e morreram por males advindos de amores mal resolvidos. O quanto antes essa causa mortis for eliminada, mais tempo teremos para aproveitar a vida com mais amor de quem e para quem realmente merece e muito menos sofrimento. Carpe diem! Be present!

Trilha sonora sugerida:
"Preaching the end of the world" - Chris Cornell
"Suburbano coração" - Chico Buarque

Foto por Sara Simões.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

ENCURRALADA



Hoje é dia 09 do 09 de 2009. Enquanto alguns voltam sua imaginação para fantasias místicas, assisto a um programa sobre os 45 anos do golpe de 64. (E por falar em coincidências numéricas, a soma dos algarismos de 45 é...) Fala-se que o dia de hoje seria uma data propícia para revoluções e grandes mudanças.

Lembrei imediatamente da manifestação dos meus colegas de trabalho ontem, em frente à Assembleia Legislativa, que culminou no confronto entre colegas de dureza, funcionários públicos estaduais: professores e policiais.

É praticamente certo que a alguns metros da manifestação algum pivete (que deveria, poderia e precisaria estar dentro de uma sala de aula) estivesse fazendo “algum ganho” livremente, pois quem deveria estar se (pre)ocupando com a segurança estava, na verdade, batendo nos grandes malfeitores da sociedade atual, os professores, essa raça de vagabundos.

No entanto, a manifestação ocorreu um dia antes do portal da transformação se abrir. E, segundo o Mestre dos Magos, agora o Vingador já conta com a maioria dos deputados estaduais para aprovação do aumento parcelado em seis anos para a categoria. O Vingador, filho de professora, está mais preocupado com os lucrativos royalties advindos do pré-sal.

Afinal, a educação dos outros que se lixe, pois garantir o próprio futuro é muito mais importante. O desenvolvimento do país que se lixe, pois a retenção local dos lucros provenientes dos tais royalties garantiria orçamento para obras faraônicas e superfaturadas que cristalizarão sua reputação como o grande governador que não consegue atrair investimentos para o estado, nem oferecer educação, segurança e saúde de qualidade para o povo sem que uma câmera de tv esteja ligada por perto.

Vale lembrar, Vingador, que a descoberta do petróleo na camada submarina foi conquista de uma empresa estatal federal e não estadual. Até porque o orçamento destinado para pesquisa nas universidades estaduais não permitiria sequer a pesquisa da camada subcutânea, o que dirá da submarina.

Assim como nas manifestações que ocorriam na época da revolução, alguns apanharam, a justiça não será feita, não haverá união sequer entre os que seriam beneficiados pelas mudanças propostas e, pior, tudo cairá no esquecimento. Pelo menos, nas mentes entorpecidas dos telespectadores guiados e enebriados pela ditadura midiática de agora.

Em 1964, lembro-me bem, aguardava na fila do chocolate quente, no refeitório da colônia com meus colegas anjinhos, a oportunidade de voltar à Terra. O que só viria a acontecer 11 anos depois.

Nem por isso deixei de conhecer os nomes importantes da época de ambos os lados da questão. Quem entrou para a história e quem foi expulso dela. Quem já rondava o poder nos confins e conseguiu manter a tão sonhada “governabilidade” até hoje. Quem se aproveitou da história e quem ainda se apropria dela, apesar de fazer o contrário do que pregava na época. Estes são muitos...

Da fila do chocolate quente, espiava tudo que se passava aqui embaixo. Ficava doida para descer para “dar uma força”, mas ainda não era a minha hora. Quando desci, aprendi tudo na escola. Quando cresci, fui para frente da sala de aula. Lá encontro alunos mais velhos do que eu, que viveram aquela época, mas não sabem o que se passou. Têm pena dos professores, mas querem que a aula acabe logo para ver os últimos capítulos da novela sobre um país distante.

Em contrapartida, os mais jovens não parecem ter por que lutar. Com um talão de 24 prestações podem comprar um eletrodoméstico, um computador, um game de última geração no Brasil. Com um talão de 72 folhas podem até comprar um automóvel para estacionar na calçada em frente de casa. Mesmo que algumas contas fiquem para trás vez ou outra, o conforto da família está garantido.

Não parecem ter por que lutar. Hoje podemos dizer o que quisermos na Internet, mas nos noticiários e demais programas de TV, o monólogo impera. Na seção de cartas dos leitores nos jornais e nos programas de rádio, a voz do povo é a voz de Deus desde que editada.

O ideal de justiça social ou de uma sociedade mais igualitária agora é chamado de utopia socialista e vai desaparecendo na distância. Graças aos próprios governos que empregaram mal esse regime. Graças a um massacre publicitário que durante décadas vem se encarregando da lavagem cerebral, verdadeiro “genocídio” de sonhos de um mundo mais justo.

A falência do sistema capitalista, cujos indícios foram verificados nas últimas crises econômicas mundiais, aponta para ideias surgidas em países que vêm tentando através da social democracia (ou algo levemente parecido com isso) proteger o sistema financeiro sem sacrificar a população (ver filme “SICKO”, de Michael Moore). Ideias estas que indicam a perda de importância do dinheiro em detrimento da qualidade de vida. É justamente neste ponto que os questionamentos voltam a acontecer.

O mesmo ocorre comigo. Há alguns anos, decidi conduzir minha vida rumo à tal qualidade de vida, abdicando do lucro. Escolhi minha profissão e a sigo com dedicação praticamente exclusiva, apesar da baixa remuneração. Porém, em um momento de efervescência como lembrou-me os da revolução, ao invés de arregaçar as mangas, me vejo encurralada pensando nas contas para pagar e no ponto que será cortado se aderir à greve.

Estamos livres da ditadura militar, mas estamos presos em uma cadeia invisível chamada poder econômico. O dia acabou e não consegui atravessar o portal. Notei que minha liberdade de escolha esbarra em um muro invisível que começa em um capataz, o funcionário subalterno que cumpre ordens e vigia o “gado” para que ninguém se rebele. Mas não consigo ver onde o tal muro termina.

Contudo, penso que o fim de todo o muro é a queda. Se na Alemanha ele caiu, no Brasil, ele um dia há de cair também. E saio por aí assobiando Beatles como uma desculpa para minha covardia.
“You say you want a revolution
Well, you know
We all want to change the world
You tell me that it's evolution
Well, you know
We all want to change the world
But when you talk about destruction
Don't you know that you can count me out
Don't you know it's gonna be all right
all right, all right”
(Beatles, “Revolution”)
Fotos retiradas dos sites www.cgtb.org.br e www.rnw.nl, respectivamente; ambas retratam manifestações ocorridas na década de 60.

domingo, 30 de agosto de 2009

Quem ama o Rio odeia o Rio

Neste ano, foram inúmeros os amigos hospedados em casa para quem acabei servindo de guia. Acho até que merecia uma recompensa (de preferência em espécie) da prefeitura pelos serviços prestados. Digo isso porque foi uma mão de obra fazer bonito e ainda ter que enfrentar o trânsito do Rio, driblar a falta de educação de seus moradores, conseguir mostrar o que a cidade tem de melhor, desviando a atenção do que ela tem de pior.

Definitivamente, ela é muito menos maravilhosa para os “pés rapados” que habitam sua zona norte. Talvez o fato de a estátua redentora estar de costas para essa região seja um fator preponderante para tão poucos investimentos sérios das autoridades oficiais. Refiro-me especificamente às oficiais, pois as não-oficiais já investem nesta zona (sem trocadilhos) há muito tempo sem qualquer interferência daquelas.

Contudo, há algo que não pode ser ignorado: o talento do carioca para a arte! Em outubro de 2005, na coluna “Nervo Óptico” que escrevia para o caderno Armazém Literário do JB on line, enalteci o trabalho dos grafiteiros cariocas pela arte que vinham espalhando pelos muros da cidade.

Hoje a situação é crítica. Qualquer um que se ache artista, sai borrando as poucas áreas limpas disponíveis, transformando o graffiti em um elemento a mais a contribuir para a poluição visual que assola o Rio.

Além disso, o hábito de tentar enxergar a beleza do conjunto arquitetônico da cidade por detrás das pichações é um treino para os olhos e para a sensibilidade, que virou, mais do que uma prática desafiadora, uma missão impossível. A cidade está tomada pela imundice.

O princípio é o mesmo que leva seus moradores a atirar latas de cerveja ou de refrigerante, embalagens de alimentos e cascas de frutas pelas janelas dos carros e ônibus. Não há no mundo sistema de coleta de lixo eficiente o bastante para suportar uma população como a do Rio. É triste constatar que de todos os lugares que já visitei – que não foram poucos –, não há ruas tão sujas quanto as nossas, seja no Brasil ou no exterior.

Todas as visitas que recebi vieram de grandes capitais brasileiras, porém uma delas (a mais recente) ficou horrorizada com a quantidade de gente que simultaneamente lotava as ruas, os ônibus, os trens e os metrôs. “De onde sai tanta gente”, perguntava o amigo perplexo. Só me restava rir.

Confesso que fui obrigada a ver o Rio, e minha localização dentro dele, com outros olhos. Até então, me contentava com o subúrbio por não precisar me deslocar com frequência para os distantes pontos turísticos da cidade. Hoje, admito: “moro mal”. Moro em um Rio que as novelas não mostram.

Obviamente, a sujeira, os buracos, o descuido sempre incomodaram, até mesmo em detalhes aparentemente de pouca importância. O suplício a que são submetidos os motoristas que têm seus amortecedores danificados nos buracos do asfalto não é exclusividade dos moradores motorizados.

Os pedestres também sofrem. Prova disso é que, muito antes de receber tais visitantes, já havia me atentado para o risco de usar salto alto se necessário fosse caminhar pelas calçadas esburacadas dos bairros suburbanos. Nota-se que o risco diminui, mas não desaparece mesmo em Ipanema ou no Leblon. É difícil ser elegante por aqui.

Mas não pensem vocês que andar de sandália rasteira é menos complicado por essas bandas. O Rio de Janeiro é um eterno “puxadinho”. As obras aqui nunca terminam. Seja entre os órgãos públicos ou os próprios moradores, a regra é “guardar” na calçada a areia, o cimento e o que mais for necessário para a empreitada.

Logo, na primeira chuva ou vento, todo o material se espalha e quem estiver passando terá inevitavelmente sua parcela de contribuição na propagação da imundice pelas ruas e, consequentemente, para dentro de casa. E o estado dos pés depois dessa jornada pelo manguezal urbano? Os salões daqui deveriam ter um incentivo fiscal. Manicuras, pedicuras e esteticistas deveriam ter um diploma adicional por tratarem de questão de saúde pública.

“Parece brincadeira, mas não é.” Está cada vez mais difícil morar no Rio e gostar dele. Os recursos naturais são só o que prestam. Porém, não é possível viver só de paisagem. Há, aqui, uma confusão generalizada entre o público e o privado. Cada um faz o que quer em público, quando justamente deveria se comportar decentemente por respeito ao espaço coletivo.

Quer berrar no telefone, quer falar palavrão alto, quer fazer xixi? Faça em casa, dentro de quatro paredes, no seu espaço particular. Quem precisa andar na rua é obrigado a aturar a falta de educação alheia. Os cariocas já não são mais aquele exemplo de simpatia.

A falta de educação e cordialidade abraça desde os comerciantes que se instalam em áreas residenciais e não respeitam os moradores do entorno até os funcionários e prestadores de serviço que atendem muito mal o público. E passa, especialmente, pelos “cariocas” que não nasceram no Rio.

A julgar pela situação atual, qualquer grande evento, como copa do mundo ou olimpíadas, exigirá um esforço hercúleo para transmitir uma imagem do povo local que esteja um pouco acima do tolerável, porém muito distante da simpatia normalmente atribuída aos nativos da cidade.

A capital fluminense que abrigava a fama de cosmopolita por ser a cidade de todos, acabou se tornando terra de ninguém, onde cada um faz o que quer desordenadamente. A população cresceu demais e a cidade não se preparou para isso.

Percebam nesta crônica um desabafo, um alerta, um pedido de socorro ou, quem sabe, uma despedida. A menos que o Rio acabe e outro seja construído em seu lugar, o crachá de carioca está se tornando um fardo pesado de carregar. Portanto, o último que sair, limpe o pé e apague a luz.


Em um trecho da calçada, carro, buracos e poça d'água. Por onde passar?

domingo, 19 de julho de 2009

Não era pra rir

“Mas se com a idade a gente dá para repetir certas histórias, não é por demência senil, é porque certas histórias não param de acontecer em nós até o fim da vida.”
(Buarque, Chico. Leite derramado, Companhia das Letras, p. 184.)

Desde pequena, nunca achei graça ao ver gente caindo. Nem quando era uma piada com palhaços no picadeiro. Tombos me constrangem, me fazem sentir pena, me preocupo ao ver uma pessoa caída. Machucou? Consegue levantar? Posso ajudar?

Há muitos anos, ainda criança, “vi” minha mãe cair. Ela segurava minha mão dentro da dela. Como sempre, eu andava distraída e quando percebi um movimento diferente ela já estava ali de cabeça baixa, fitando os joelhos sem entender o que se passava. Em volta, os que viram riram. Tentei ajudá-la como pude. Quando se levantou, fingi que nada havia acontecido e seguimos. Eram os primeiros sinais da artrite.

Há muitos anos, já adulta, chovia, e eu precisava correr para apanhar um ônibus que estava para sair. Patinei nas pedras portuguesas da Cinelândia. Caí de joelhos. Em volta, o namorado apontava para mim e ria. Tentei me ajudar como pude. Desta vez, não deu para fingir que nada acontecera. Eram os primeiros sinais do pontapé que ele levaria meses mais tarde.

Continuei a vida sem achar graça do óbvio. Ao contrário da maioria esmagadora dos amigos, nunca curti beber em shows (ou fora deles). Amo música e gosto de estar atenta aos detalhes das apresentações dos meus artistas favoritos. Amo a vida e gosto de estar atenta aos detalhes inéditos de cada dia. Nerd? Careta? Sei lá. Hoje penso que posso estar poupando alguns anos de vida... O futuro dirá.

Em compensação, há situações absolutamente inadequadas que me causam o maior deleite. Confusões mentais, por exemplo. Adoro lembrar dos filmes “mais marcantes” que já vi. Tento contá-los a um amigo, mas não lembro o título, nem os nomes dos atores, muito menos dos diretores, mas lembro da cor do sapato que a mocinha usava ao entrar no banheiro da lanchonete de beira de estrada. Mas peraí, essa lanchonete era de outro filme...

Outra situação corriqueira ocorre quando alguém me encontra na rua e diz: “– Oi, tudo bem? Há quanto tempo...” E agora, José? Pareço personagem de crônica do Luis Fernando Veríssimo, recorrendo a estratégias detetivescas, estudando cada palavra do ser à minha frente para tentar descobrir de onde o conheço. É meu aluno? Estudamos juntos? Mora na minha rua? Trabalhou comigo? Depois de dias de uma agonia curiosa, vejo a pessoa uniformizada dentro de uma agência do correio...

A companheira de quarto da minha mãe no hospital, Dona Maria, tinha histórias ótimas sobre a infância, sua mãe, sua avó, o interior, a roça, espíritos, intuições e simpatias com sopros e nós. Mas era a, digamos, desconstrução cronológica o que mais me interessava. Não fosse pela presença da irmã da autora, verdadeira testemunha ocular da história, a montagem dos cacos dessas fábulas fabulosas teria ficado a cargo da minha própria imaginação. Rimos muito eu, minha mãe, dona Maria e sua irmã mais nova naquele quarto de hospital. Bizarro, não?

Um belo dia e várias colegas de quarto depois, tive a idéia de ler para minha mãe uma coletânea de crônicas de Drummond. E, mais uma vez, o silêncio entediado daquele hospital foi cortado por deliciosas gargalhadas arrancadas pelas inusitadas situações magistralmente descritas pelo eterno poeta, ainda que em prosa.

Já nos últimos dias de internação, aproveitava as longas viagens de ônibus para rir da decadência física e familiar de um velhinho secular que insistia em contar e recontar seus feitos e fiascos num leito de hospital e nas páginas de “Leite Derramado”. E mesmo tendo frequentado um hospital por muito mais tempo do que desejava, não pude deixar de rir deste cacoete que já começo a notar nos meus pais e em alguns de seus amigos muito antes de completarem cem anos.

Acho graça quando me contam várias vezes a mesma história e se surpreendem quando antecipo o final. “Não, espera, deixa ver se eu adivinho o que aconteceu...” e caímos na risada. “Eu já tinha te contado essa?” “– Algumas vezes.” Tento encerrar a questão. Não é culpa deles se não prestam mais atenção ao que dizem, onde guardam os óculos ou a nota da farmácia. Prestaram muita atenção durante muito tempo, já podem relaxar. Deixa que a gente cuide disso agora...
“Não é culpa minha se os acontecimentos às vezes me vêm à memória fora da ordem em que se produziram. É como se, a exemplo da correspondência do doutor Blaubaum, algumas lembranças ainda me chegassem de navio, e outras já pelo correio aéreo.” (Idem, pág. 188)

sábado, 27 de junho de 2009

Music and me: o homem no espelho

Aplicava prova em uma turma de segunda série, quando no fundo da sala Marcos levantou a mão e, desviando a concentração da turma, anunciou com uma expressão entre triste e surpresa a morte de Michael Jackson. Imediatamente, botei panos quentes e pedi que desligasse o rádio, retirasse os fones e se concentrasse exclusivamente na prova que seguiu seu curso, enquanto pensava em que tipo de nova estratégia de cola seria aquela. Tive que admitir a criatividade desta nova geração...

Na noite de sua morte, só consegui sentir tristeza ao rever as cenas de Michael dançando e cantando ao lado dos irmãos no grupo Jackson 5. Até então, apenas a imagem excêntrica do artista me vinha à mente. Dois dias depois, senti um nó na garganta ao ver as pessoas cantando e dançando como ele nas ruas de Londres e Paris, uma forma de exorcizar a tristeza pela morte do cantor.

É impressionante a capacidade do ser humano em conseguir aproveitar o lado bom das pessoas. Só um artista com o talento de Michael poderia se dar ao luxo de mudar de cor, virar alvo de piadas e acusações de pedofilia, adotar um estilo de vida e atitudes absolutamente excêntricas e, ainda assim, ao morrer ser homenageado com tanta música e dança. No mundo todo, a lembrança que importa é a mesma: sua arte.

Na lista das músicas das quais fujo para não chorar, dois artistas com a mesma inicial figuram no topo: Michael e Milton Nascimento. Desde criança, eles são os campeões de músicas que me obrigam a arrumar alguma coisa pra fazer na cozinha ou mudar de estação. Michael foi a primeira pista que tive de que não é preciso entender a letra para saber o que uma boa música diz. Bastava ouvir “One day in your life”, “Ben”, “Music and me”, “Got to be there”, “I’ll be there” (…) e as lágrimas vinham. Com Milton veio a confirmação, pois desde muito antes de entender o que queria dizer já sentia a melancolia em sua voz.

Através da música tive a primeira experiência consciente de ter a sensibilidade tocada por alguém totalmente desconhecido. Um estímulo externo criado por uma pessoa capaz de causar comoção em quem jamais viu. E, ao ser executada por uma multidão a plenos pulmões, a catarse é inevitável. Só a arte, por meio da música, é capaz de atingir a sensibilidade de tantos estranhos de uma só vez.

Foi assim em 1998, quando o samba “Vai passar” foi lembrado na concentração do desfile da Mangueira no Sambódromo, em ocasião da homenagem da escola a Chico Buarque. Foi assim em 1985, na primeira edição do Rock in Rio, quando um mar de gente provocou uma onda de emoção em “Love of my life”, do Queen. Foi assim em 2005, quando 40 mil pessoas roubaram a música e a voz de Eddie Vedder em “Better man”, durante o show da banda Pearl Jam.

É assim quando a arte toca o público. Não importa a vida pessoal de quem cria e de quem ouve. Ela fica e é mais forte do que qualquer manchete de jornal. A comoção que provoca nas pessoas é a maior prova da sua autenticidade.

“I'm starting with the man in the mirror
I'm asking him to change his ways
And no message could have been any clearer
If you wanna make the world a better place
Take a look at yourself and then make that change!”
(“Man in the mirror”, por Michael Jackson)
Descanse em paz, M.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Niggers of the World

"Fale mal de mim
Fale o que quiser de mim
Mas, por favor, não deixe que em nenhum momento
Eu deixe de estar no seu pensamento...
Isso até que veio bem a calhar
Eu estava precisando de alguém para me divulgar...
Fale mal de mim
Fale o que quiser de mim
Porque todo mundo que te conhece
Sabe que é isso que você merece"

("Fale mal de mim", Autoramas)


Em 1972, John Lennon lançou seu terceiro disco após a separação dos Beatles. O nome do álbum era "Some time in New York City". Ele e Yoko haviam se mudado para a cidade um ano antes. E a música "Woman is the nigger of the world" abria este que foi seu álbum mais politizado.

Há 37 anos, a música de Lennon mostrava sem sutilezas como as mulheres eram escravizadas, subjugadas, inferiorizadas, humilhadas e subestimadas. Assim como os negros ou, talvez, pior. Segundo Lennon, os próprios homens eram os responsáveis por essa misoginia. Homens em casa, no trabalho, na mídia.

Homens lutam entre si por grana, brigam uns com os outros pelo time de futebol, combatem um semelhante pelo cargo, guerreiam por poder. Nem que seja pelo poder de comandar o controle remoto em casa. Mas se defendem, se amparam e se acobertam quando o assunto é mulher. Eles são unidos.

Quase 40 anos depois, as coisas mudaram pouco. Agora as mulheres estão escravas de suas jornadas duplas ou triplas. A mídia dita regras ridículas de como se vestir, se despir e se pintar para atrair o macho ideal. As mulheres continuam ganhando menos para realizar as mesmas funções que os homens. E, para piorar um pouco mais, passaram a ser discriminadas pelo RH de algumas empresas por estarem em idade potencialmente fértil.

Consideradas na Idade Média como agentes de Satã, elas continuam expostas nos jornais e revistas masculinas como pedaços de carne no açougue. Ainda há quem nos consiga fazer crer que, sem "sensualidade", não nos sobra muito a fazer. E continuamos tirando a roupa por medo de perder aquilo ou aqueles de quem não precisamos.

Entretanto, essa situação foi superada por muitas mulheres. Várias já deram a volta por cima e conseguem lidar com o sexo oposto sem se deixar escravizar, subjugar e, algumas, sem se abater. Hoje é até possível encontrar, aqui e ali, homens reclamando da tal independência feminina.

Porém, infelizmente, há ainda, e em grande quantidade, o pior dos golpes. O mais baixo. O de mulheres contra mulheres. Golpes que não são por cargo, por poder, por time de futebol e, muitas vezes, nem por outro homem. São por pura insegurança, por inveja e até por maldade. Uma mulher pode ser capaz de maldizer e difamar outra pelo simples fato de não ser como ela.

Outro dia, revi um vídeo em que Chico Buarque admitia sua mais completa ignorância sobre o universo feminino diante da capacidade de algumas mulheres em fazer coisas, para ele, horríveis. Contudo, segundo o poeta, por mais incompreensível que possa parecer uma ação feminina, sempre há uma razão por trás dela. Certamente, não há nada de ignorante nas palavras de Chico.

Mas, se há algo incompreensível nas mulheres, não é uma atitude "horrível", nem a razão que a leva a cometê-la. Incompreensível é que uma mulher seja forte o bastante para vencer obstáculos intransponíveis, superar doenças gravíssimas, cuidar de uma família inteira, dar à luz uma pessoa, provar-se capaz, apesar de subjugada, e não consiga vencer uma incapacidade boba de admitir não ser perfeita em setores ou habilidades em que outras mulheres são.

A dificuldade em dizer "Ok, o bolo de fubá da Dona Maria do 302 é melhor que o meu, mas o meu bolo de laranja também é muito bom" não reside apenas em admitir a possibilidade de não ser a melhor em alguma coisa. Também não está apenas em admitir que a Maria do 302 é capaz de fazer algo melhor do que eu. A grande dificuldade pode estar em parar de olhar o bolo da vizinha com inveja e prestar mais atenção em si mesma para aprender a valorizar as próprias habilidades e, principalmente, para tentar superar suas limitações.

É inadmissível que, em pleno século XXI, depois de terem conseguido ocupar posições de destaque em governos, universidades, corporações, na sociedade como um todo, as mulheres continuem se agredindo moral, profissional ou fisicamente pelas razões mais pífias.

A grama da vizinha só é mais verde quando se perde tempo fuçando a grama alheia ao invés de cuidar da própria. Você pode até dizer que eu sou uma sonhadora, mas ainda acredito no dia em que as mulheres vão surpreender os poetas por se superarem com atitudes cada vez mais maravilhosas e menos vergonhosas. Mulheres do mundo, acordem! Respeitem-se!



A ilustração foi retirada de http://www.ruadireita.com/info/img/espelho-meu-sou-a-mais-bela.jpg

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Já posso ouvir o silêncio

Cai a noite da sexta-feira santa. Depois de dois dias de amidalite, os novos remédios finalmente resolvem mostrar sinal de eficácia. Estendo na cama o melhor lençol de algodão. As fronhas cheiram a limpeza. Do quarto imerso na penumbra, ecoam notas esvoaçantes de uma canção celta. O banho morno antecipa o clima para o descanso, mais do que merecido, necessário. A garganta ainda dói. Os ouvidos ainda doem. A cabeça lateja. Mas está tudo pronto. Deito. Durmo.

Minutos depois, num sobressalto, ouço os primeiros acordes de um violão altíssimo, acompanhados de uma estridente microfonia que estremece as janelas do quarto. Do restaurante no andar térreo, os clientes gritam e aplaudem. Com o passar das horas, cubro a cabeça com os travesseiros. Ponho fones de ouvido, aumento o volume, tiro os fones de ouvido. Faço ioga. Ligo a tv, desligo a tv. Choro. A febre reaparece. O corpo já não aguenta e adormece.

Minutos depois, num sobressalto, meninos de rua esmagam com os pés latas de cerveja e refrigerante. Ali na calçada embaixo da minha janela. A poucas horas da manhã do sábado de aleluia. Espero. Uma por uma... Espero. Elas nunca acabam... Espero. Eles se divertem. Amanhece o dia, a cidade acorda, e meus olhos denunciam: Judas foi malhado esta noite.

Tempos atrás, havia a tradição de silenciar com a lembrança das torturas e da morte na cruz. O clima solene e respeitoso, em pelo menos uma sexta-feira no ano, de quem demonstra gratidão pelo gesto de generosidade e amor ao próximo, aos poucos tem ficado para trás, pelos bárbaros habitantes do planeta, em nome de lucro e diversão. Sinal dos tempos?

A semana passou. Na sexta-feira seguinte, muito cedo, acordo num sobressalto. No telefone entendo “mãe” e “hospital”. Enquanto troco de roupa, aviso os irmãos. Saio sem pensar. Tudo o que pôde ser feito, foi feito. O dia passa em frações de segundo. Ninguém sente fome, nem sono, nem cansaço. Só medo. Ela reage. O dia acaba. Todos voltam, mas ela fica. É preciso mais do que um enfarto, mais do que um edema, para abater uma mulher como ela. Minha mãe! Quisera eu ser forte assim. Por muito menos, perco o sono e choro.

Cai a noite desta longa sexta-feira. Mais tranquila, estendo na cama lençóis que cheiram a limpeza. O banho morno começa a aliviar o estresse do dia. A música no quarto acaba. Fecho os olhos e, bem suave, ao fundo, percebo o sutil violão que vem do restaurante no andar térreo. Vozes e aplausos elegantes saúdam e agradecem a boa música recém-tocada. Queria ouvir mais um pouco, mas o corpo não aguenta e adormece. O clima de civilidade perdura e anuncia que o mundo está melhorando. Um novo dia amanhece e traz com ele a sensação de que no final tudo vai acabar bem.

P.S.: Dedico a palavra “civilidade” aos que gerenciaram o restaurante do andar térreo na noite do dia 17/04/2009, pelo exemplo de atos que os cidadãos adotam entre si para demonstrar mútuo respeito e consideração, boas maneiras e cortesia.

domingo, 29 de março de 2009

Boas novas: balas dum-dum

O controle remoto, essa maravilha, estimula a preguiça física dos que fogem da preguiça mental. Como é saudável exercer o supremo poder de mudar de canal! O âncora almofadinha fala algo que me desagrada e, sem piedade, clico nele! A moça do cabelão anuncia alguma notícia absolutamente dispensável e, o que diabos eu tenho a ver com isso, clico nela também!

Clicando aqui e acolá se descobrem maravilhas, pasmem, na tv aberta. Aliás, já é a segunda crônica que escrevo a respeito dessas primorosas descobertas. Isso é algo significativo (ao menos para mim!). Sinal de que continuo sem dinheiro para assinar uma tv a cabo. De que ainda não oferecem netcat no lugar onde moro. Ou, talvez, de que ando meio sem assunto... Deixo pros leitores avaliarem essa última suposição.

Mas o fato é que, nessas trocas de canais, me deparei com dois programas importados da tv a cabo gringa, o "Troca de famílias" e o "10 anos mais jovem", apresentados, respectivamente, pela Record e pelo SBT. Ambos, que já eram bem interessantes em suas edições originais, ficaram ainda melhores na versão tupiniquim.

O primeiro, como o nome anuncia, promove as mais inusitadas trocas de famílias e provoca reflexões relevantes sobre a família brasileira, a dificuldade de convivência e de aceitação das diferenças. Na versão original, muito da cultura estrangeira parecia bizarra aos olhos nacionais. Contudo, a TV Record tem sido muito feliz nas escolhas dos participantes, muitas vezes surpreendentes e, confesso, sempre emocionantes.

"10 anos mais jovem" é um programa que à primeira vista pode parecer fútil. A ideia é dar uma recauchutada em mulheres que andam pra lá de maltratadas. Mas, por trás da intenção inicial, busca-se o resgate da autoestima feminina que, infelizmente, depende também do fator estético para apoiar o que tantas guerreiras se desdobram para fazer e que se torna invisível se o cabelo não está pintado, se a unha não está feita ou se a roupa não revela curvas que muitas vezes não existem mesmo. Fazer o quê? O mundo é assim, e nós não só o aceitamos como ainda o alimentamos.

Mas, verdade seja dita, a equipe brasileira do programa dá de 10x0 nos gringos. "Nossas" mulheres saem impecáveis e, não raro, rejuvenescem bem mais do que 10 anos, levando as mais duronas guerreiras às lágrimas. Assim como suas famílias, amigos e telespectadores... (Francamente, até eu tenho pensado em me inscrever!!!)

Entretanto, o tempo também corre para frente na tv aberta. E, como num passe de mágica, a caixa de fazer loucos vira uma bola de cristal. É possível antever coisas incríveis em sua tela. Vi imagens interessantíssimas de um microchip que, quando instalado no cérebro de um paciente paralisado e associado a uma malha - que poderia ser um terno, um casaco, uma calça, enfim -, gerará estímulos elétricos que ativarão os movimentos musculares pelo pensamento.

Essa maravilha, que traz esperanças concretas a tantas vítimas de paralisia no mundo inteiro, começou a ser desenvolvida por um brasileiro nos EUA. O programa "Roda Viva", da TV Brasil, apresentou Miguel Nicolelis a milhares de ignorantes que, como eu, desconheciam esse neurocientista que, com o apoio do governo federal, voltou ao Brasil e está criando centros de tecnologia e pesquisa no país.

O primeiro, em Natal, promove a cidadania através da educação e da iniciação científica de crianças consideradas "casos perdidos". Em parceria com o hospital Sírio e Libanês, de São Paulo, o centro já possui um hospital da mulher que futuramente promoverá o projeto de bolsa de estudo para a vida toda, na qual a mãe em tratamento pré-natal fará a inscrição intrauterina do futuro estudante do centro.

O segundo será construído no semiárido baiano, por ser um exemplo de sistema exclusivamente brasileiro onde, segundo o cientista, da bactéria ao ser humano, tudo ali é exemplo de sobrevivência. A intenção é promover a bioeconomia e a sustentabilidade dos diversos ecossistemas brasileiros, além de oferecer condições de vida local excluindo a hipótese de êxodo. Ousado, futurista e genial!

Para finalizar, a grande novidade da semana! Jovens trabalhadores europeus resolveram fazer justiça com as próprias mãos, sequestrando os grandes responsáveis pela “caca” em que se encontra a economia mundial – seus chefes, os executivos. Parece que o filme "Edukators" resolveu saltar das telas e virar realidade.

Contudo, no Brasil, o país onde o buraco é mais embaixo, a revolução é feita de outra forma. O povo está se organizando e criando seus próprios bancos, com direito a empréstimos, poupanças, cartão de crédito e até moedas paralelas muito mais confiáveis e com poder de compra maior do que as oficiais. Foi o que mostrou o programa 3x1, também da TV Brasil.

Um exemplo bem sucedido de banco comunitário é o Banco Palmas, do Ceará, pioneiro no Brasil e capitaneado pelo ex-seminarista Joaquim de Melo Neto. Há 11 anos, o banco vem sendo responsável por uma melhora significativa na qualidade de vida dos moradores do bairro Conjunto Palmeiras, na periferia de Fortaleza.

Juros baixos, honestidade e bom senso são a tônica da relação entre a instituição e os clientes. Tudo o que falta nas instituições financeiras de grande porte. E na trilha do sucesso do Banco Palmas, outros bancos às avessas vão pipocando pelo país nos locais menos prováveis, como na região quilombola de Alcântara (MA) ou em tribos indígenas à beira do Rio Amazonas.

“Senhoras e senhores, trago boas novas...” Divido-as com vocês para mostrar que boa informação na tv existe e entra que nem balas dum-dum na nossa ignorância, na nossa apatia e explodem dentro da cabeça trazendo esperança de um mundo melhor, disparadas por loucos que acham que nada está perdido, apesar das aparências. É verdade, gente! Eu vi isso tudo na tv!!!


Imagem retirada do site: www.hipowersandhandguns.com/.../image006.jpg

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Horário nobre: o novo ópio do povo

Férias! Enquanto lavava a louça do café, preparei o almoço. Já com a mesa posta, da cabeceira, acionei o controle e liguei a TV para ver os noticiários. Neste horário, as notícias costumam ser um pouco mais leves. Nos intervalos entre os jornais local, esportivo e o da tarde, as chamadas da programação anunciavam as novelas daquele canal.

Primeira chamada: da novela do horário das 18 horas. Duas cenas. A de um médico ameaçando a mãe de um paciente internado no hospital e a de um homem que, para forjar um roubo, plantava uma jóia na bolsa da mãe do próprio filho a fim de incriminá-la. Todas essas atrações para o horário da Ave Maria!

Franzi a testa horrorizada com o enredo tenebroso e as notícias do curto jornal local não ajudaram a desfazer as rugas. Absolutamente nenhuma boa notícia para a Cidade Maravilhosa. Não é possível que nada de bom esteja acontecendo por aqui. Na pior das hipóteses, temos o Arpoador, a Urca, o Jardim Botânico, bons filmes nacionais em cartaz, rodas gigantes, gente fazendo coisas boas por aí. Nenhum jornalista é capaz de apurar boas novas?

Entre o jornal local e o esportivo, novo bloco de reclames. Desta vez, uma das cenas que anunciava a “novela das 7” era a de uma personagem que, odiada na cidade, se fazia de boazinha para a filha, provavelmente com intenções eleitoreiras. Tentei prestar atenção nas cenas seguintes, mas a perplexidade com a baixa qualidade de parte do elenco me fez engasgar...

Minutos depois, o noticiário esportivo mostrou a decadência de um tradicional clube carioca que, não podendo bancar seus atletas olímpicos, decidiu manter apenas algumas modalidades esportivas. Coincidência ou não, a que é mais favorecida por “erros” de arbitragem (consequentemente, obtém mais títulos) e arrecada mais recursos para o tal clube será mantida.

Dei-me conta de que sustentava no rosto um sorrisinho sórdido, reflexo de uma vontade enorme de ver o tal clube, que querendo ou não é um patrimônio da cidade, de portas fechadas por conta menos da crise econômica do que de um histórico de ingerência.

O cinismo quase me impediu de ver que o maior prejudicado seria o esporte carioca, cada vez menos representado nas delegações olímpicas. Competitividade não é isso. Até estranhei meu comportamento.

Novo intervalo comercial e, desta vez, a chamada da novela do horário nobre presenteou a audiência com cenas da personagem que recebe a melhor amiga em casa e, provavelmente, perderá o marido para ela, apesar de ser uma esposa (e amiga) exemplar. Logo em seguida, as imagens de uma mulher rebolando como prostituta num reality show invadem a tela.

Notei agora que já não mastigava os alimentos como deveria. A atenção que precisava ser canalizada para a prática de uma alimentação saudável havia sido desviada para uma avalanche de más notícias e cenas desagradáveis que remetem à mentira, à traição, à vingança, à vulgarização da imagem da mulher (décadas de luta pela conquista de um espaço justo na sociedade jogadas fora).

Definitivamente, tv não faz bem para a digestão. Desliguei a máquina de fazer loucos e segui com meu pequeno banquete tentando resgatar a serenidade perdida.

Enquanto lavava a louça do almoço, tentava identificar que tipo de mensagem estaria tentando passar um veículo que se propõe a entreter e assola o público com pulgas que certamente se instalarão atrás de orelhas inocentes ou com padrões de comportamento que muito provavelmente serão adotados por ingênuos que tendem a repetir o que vêem seus artistas favoritos interpretando na telinha.

Obviamente, nem só de más notícias e maus exemplos são feitos telejornais e teledramaturgia, mas o fato é que essas são as iscas lançadas para fisgar pontos no ibope e contas publicitárias. E se as pessoas se deixam fisgar por más notícias e maus exemplos, esse pode ser um sintoma de uma febre endêmica que precisa ser investigada.

A vaidade que alimenta a indústria das celebridades pode ser a grande responsável pelas aberrações que vemos na TV todos os dias. Desde o rapaz com o orgulho ferido que decide manter a ex-namorada em cativeiro para o país todo ver, até artistas que expõem a própria vida em capas de revistas para jornalistas sensacionalistas, passando pelos meninos do tráfico que matam e morrem por um tênis Nike ou pelo estilo de vida dos traficantes disfarçados que conseguem seus minutos de fama nos programas de tv ou nos clipes da MTV.

Precisamos readquirir senso crítico, se é que já o tivemos algum dia. Precisamos separar o joio do trigo e voltar a dar voz a quem tem algo a dizer. Dar espaço a quem tem algo de útil para mostrar. Onde foi parar a responsabilidade do comunicador, se é que ela já existiu algum dia?

Não quero que nossas meninas cresçam e pensem que precisam roubar o marido da amiga para se sentirem realizadas. Não quero que nossos meninos cresçam achando que mulher boa é a que rebola como prostitutas para excitar seus machos. Quero ver na TV alguém que diga para o povo que nem tudo o que é comum é correto e saudável.

Passei o resto daquele dia e vários dias seguintes com a tv desligada. Aproveitei para ler vários livros. Com eles, aprendi muitas coisas novas, mas isso é assunto para um outro texto. O que eu quero aqui é pedir para que você que está lendo este texto – é você mesmo! – me avise, por favor, quando isso tudo que pedi no parágrafo anterior começar a acontecer. Porque até lá, minha tv só vai ser ligada em horários cada vez mais nobres.
Você pode me fazer esse favorzinho?

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Da janela da minha cozinha

Aquela sexta-feira deveria ter sido de festa. Formatura dos alunos que superaram todos os obstáculos e dificuldades para terminar o segundo grau. Mas a chacina, resultado dos conflitos da noite anterior, deixou o saldo de vítimas espalhadas justo no portão da escola, e a tão aguardada festa não pôde acontecer.

O episódio descrito acima foi recente, e – a despeito do dia festivo – todos os dias, cenas como essa acontecem por aí, por aqui, acolá. Entretanto, a frequência com que ocorrem em bolsões de pobreza a que nos acostumamos chamar de "favela", modernamente rebatizados de "comunidades", é bem maior para alívio dos que lá não moram e dos que se acham inatingíveis.

Por questões geográficas e pela natureza do seu povo, o Rio de Janeiro é um dos lugares do País e do mundo onde maior mistura há entre classes sociais. Contudo, uma certa hipocrisia permite aos cariocas a boa convivência entre patrões e empregados, nas areias das praias, nas quadras de samba, nos estádios de futebol, apesar da pouca importância dedicada ao morar mal, especialmente por aqueles que moram muito bem.

Contra a maré, nunca consegui entrar em uma favela sem me sentir incomodada com as condições de vida dos que ali moram. Pouco me importa se alguns dizem estar ali porque gostam. Pouco me importa se há, em algumas casas, um conforto que no meu apartamento não há. Se há ar condicionado em todos os cômodos, apesar das baixas contas de luz. Se há um carro parado na porta. Favela é sinônimo de ocupação irregular e desordenada de uma área mal explorada, tanto para quem está dentro quanto para quem está fora dela.

Para os que moram fora, favela é o mesmo que bagunça e favelado virou sinônimo de gente de maus modos. Se é verdade que o homem é resultado do meio, o fim da favela seria a chave para uma equação aparentemente insolúvel.

Mesmo que haja pessoas bem intencionadas tentando diluir o preconceito contra ela, o que realmente importa é que os trabalhadores que lá moram merecem condições dignas de habitação. Saneamento, segurança, áreas de lazer, escola de qualidade, centros culturais, casas bonitas, bem acabadas, jardins, asfalto, calçamento, crianças brincando nas ruas sem a ameaça de tomar um balaço à queima roupa vindo de uma "autoridade" oficial (porque foi-se o tempo em que favelados morriam de bala perdida).

Tentou-se há coisa de vinte anos colocar escolas em favelas. A classe média reagiu de forma tão indignada que até hoje alguns jornais cariocas estampam nas primeiras páginas o baixo rendimento de tais escolas, como se prédio e locação fossem os responsáveis exclusivos. Como se um ambiente conturbado e a baixíssima qualidade de vida dos alunos não existissem.

Se por um lado, "o Rio de Janeiro todo é uma favela", como diz a letra dO Rappa, por outro, temos a maior rede de escolas públicas do país. A sua ineficiência gritante também seria um reflexo das tais escolas construídas dentro de favelas? Ou Tostines vende mais porque está sempre fresquinho? Isto é, a escola é que faz o meio ou o meio age sobre a escola?

É mais do que preciso, é urgente, uma política séria de habitação para o Rio de Janeiro e para o Brasil em que todos ganhem, o governo, a iniciativa privada, mas, principalmente, o povo. Porque isso é possível desde que haja vontade política e verdadeira de melhorar as condições de vida da população.

Voltando de ônibus de Angra dos Reis, vejo já no nosso município muita área vazia onde poderiam ser construídas habitações para a população que se dispusesse a sair da miséria de suas comunidades. O sucesso da procura a programas recentes de financiamento habitacional da Prefeitura comprova que muitos querem, sim, morar um pouco mais distante, se isso significar a realização do sonho da casa própria. O que fica faltando a essas áreas vazias é uma infra-estrutura bem planejada que inclua comércio e serviços, ao invés de simplesmente despejar o povo e isolá-lo bem longe da “civilização”.

Da janela da minha cozinha, vejo um prédio de 3 andares, com 5 ou 6 apartamentos por andar, absolutamente abandonado. Se o dono do prédio o vendesse para o governo, e a Caixa o financiasse a preços populares, 18 famílias teriam um bom lugar para morar. Da janela da minha cozinha... O que você da sua janela?

"Favela, só quem vive nela sabe como ela é
As roupas na corda representam a bandeira da favela
São os ternos dos burgueses
Dependurados, secando ao sol do subúrbio
Os que trabalham as leis pra Dona Maria,
Principalmente pensando em si próprios,
Não beneficiam, não,
Quem lava e passa sua roupa todo dia
Pra manter o luxo, ostentando o vício,
Ele vai se corrompendo, vai deixando o lixo
Pra Dona Maria limpar"
("Favela" - Cidade Negra, em Enquanto o mundo gira)
Foto minha.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Manifesto à bravura

Esta manhã, acordei para ver o que parecia ser a última gota do amor que tinha debaixo das mangas acabar. Depois disso, voltei a dormir. E a tristeza me fez sonhar com um par de calças que se desprendiam do varal e caíam no asfalto. Os carros passavam por cima, atropelando o par. Um possível significado para o sonho. Corri o mais que pude para tirar aquelas peças do meio da rua e, a seguir, entrava às pressas num mercadinho que já estava fechando para comprar um único bombom. Logo depois, um telefone me chamava e, do outro lado da linha, alguém me contava que recebera bombons seus, prova irrefutável de culpa pela visita que me fizera nesta manhã.

“No dia em que você foi embora eu fiquei sentindo saudades do que não foi, lembrando até do que eu não vivi, pensando em nós dois...” Soube que viciados em heroína também têm sonhos como esse. Talvez o vício seja uma analogia bem apropriada.

Olhando um caminhão que passou há pouco transportando enormes espelhos e me trazendo de presente reflexos do que minha vista não alcançava, me ocorreu a ideia de tecer um manifesto à bravura. À bravura dos que não se deixam parar pelo medo e pela covardia. À bravura dos que sabem zunir longe o sapato que aperta. Dos que arrancam a pedradas o dente que dói. Dos que não têm medo de enxergar e, uma vez que enxergam, veem e, uma vez que veem, decidem.

Resolvi tecer o manifesto movida pela minha própria ignorância, que não me permite compreender a covardia. Movida também pelo meu individualismo, que me fez decidir ser livre até querer me prender a alguém. Movida pela ambição, que não me deixa aceitar a mediocridade de ter a felicidade nas mãos e deixá-la partir. Movida pela inquietação, que me impede de suportar a acomodação de viver uma vida morta e enterrada.

A todos que, como eu, entendem que a vida não vale nada sem a paixão de vivê-la, um brinde! A todos que entendem que a paixão não vale nada se não for escancarada e plena. A todos que não querem viver pela metade e, por isso, vivem intensa e conscientemente cada momento do presente, muitos brindes. Um ano novo, repleto de possibilidades, nos espera.

Agora só quero que se calem todos os que cantam o amor. Quero a guitarra elétrica e ardida de Lúcio nas veias. O som da minha banda favorita berrando nos ouvidos para não me deixar esquecer que o que realmente importa está comigo. O resto não tem importância alguma.

Feliz aniversário, mundo velho de guerra.


“...E quando estou contigo eu quero gostar
e quando estou um pouco mais junto eu quero te amar
e aí te deitar de lado como a flor que eu tinha na mão
E a esqueci na calçada só por esquecer
Apenas porque você não sabe voltar pra mim.
Oh, Risoflora, vou ficar de andada até te achar...
Oh, Risoflora, não me deixe só...”
(“Risoflora”, Chico Science)


Citação a Lenine no segundo parágrafo, “O último pôr do sol” (http://vagalume.uol.com.br/lenine/o-ultimo-por-do-sol.html).