sábado, 27 de junho de 2009

Music and me: o homem no espelho

Aplicava prova em uma turma de segunda série, quando no fundo da sala Marcos levantou a mão e, desviando a concentração da turma, anunciou com uma expressão entre triste e surpresa a morte de Michael Jackson. Imediatamente, botei panos quentes e pedi que desligasse o rádio, retirasse os fones e se concentrasse exclusivamente na prova que seguiu seu curso, enquanto pensava em que tipo de nova estratégia de cola seria aquela. Tive que admitir a criatividade desta nova geração...

Na noite de sua morte, só consegui sentir tristeza ao rever as cenas de Michael dançando e cantando ao lado dos irmãos no grupo Jackson 5. Até então, apenas a imagem excêntrica do artista me vinha à mente. Dois dias depois, senti um nó na garganta ao ver as pessoas cantando e dançando como ele nas ruas de Londres e Paris, uma forma de exorcizar a tristeza pela morte do cantor.

É impressionante a capacidade do ser humano em conseguir aproveitar o lado bom das pessoas. Só um artista com o talento de Michael poderia se dar ao luxo de mudar de cor, virar alvo de piadas e acusações de pedofilia, adotar um estilo de vida e atitudes absolutamente excêntricas e, ainda assim, ao morrer ser homenageado com tanta música e dança. No mundo todo, a lembrança que importa é a mesma: sua arte.

Na lista das músicas das quais fujo para não chorar, dois artistas com a mesma inicial figuram no topo: Michael e Milton Nascimento. Desde criança, eles são os campeões de músicas que me obrigam a arrumar alguma coisa pra fazer na cozinha ou mudar de estação. Michael foi a primeira pista que tive de que não é preciso entender a letra para saber o que uma boa música diz. Bastava ouvir “One day in your life”, “Ben”, “Music and me”, “Got to be there”, “I’ll be there” (…) e as lágrimas vinham. Com Milton veio a confirmação, pois desde muito antes de entender o que queria dizer já sentia a melancolia em sua voz.

Através da música tive a primeira experiência consciente de ter a sensibilidade tocada por alguém totalmente desconhecido. Um estímulo externo criado por uma pessoa capaz de causar comoção em quem jamais viu. E, ao ser executada por uma multidão a plenos pulmões, a catarse é inevitável. Só a arte, por meio da música, é capaz de atingir a sensibilidade de tantos estranhos de uma só vez.

Foi assim em 1998, quando o samba “Vai passar” foi lembrado na concentração do desfile da Mangueira no Sambódromo, em ocasião da homenagem da escola a Chico Buarque. Foi assim em 1985, na primeira edição do Rock in Rio, quando um mar de gente provocou uma onda de emoção em “Love of my life”, do Queen. Foi assim em 2005, quando 40 mil pessoas roubaram a música e a voz de Eddie Vedder em “Better man”, durante o show da banda Pearl Jam.

É assim quando a arte toca o público. Não importa a vida pessoal de quem cria e de quem ouve. Ela fica e é mais forte do que qualquer manchete de jornal. A comoção que provoca nas pessoas é a maior prova da sua autenticidade.

“I'm starting with the man in the mirror
I'm asking him to change his ways
And no message could have been any clearer
If you wanna make the world a better place
Take a look at yourself and then make that change!”
(“Man in the mirror”, por Michael Jackson)
Descanse em paz, M.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Niggers of the World

"Fale mal de mim
Fale o que quiser de mim
Mas, por favor, não deixe que em nenhum momento
Eu deixe de estar no seu pensamento...
Isso até que veio bem a calhar
Eu estava precisando de alguém para me divulgar...
Fale mal de mim
Fale o que quiser de mim
Porque todo mundo que te conhece
Sabe que é isso que você merece"

("Fale mal de mim", Autoramas)


Em 1972, John Lennon lançou seu terceiro disco após a separação dos Beatles. O nome do álbum era "Some time in New York City". Ele e Yoko haviam se mudado para a cidade um ano antes. E a música "Woman is the nigger of the world" abria este que foi seu álbum mais politizado.

Há 37 anos, a música de Lennon mostrava sem sutilezas como as mulheres eram escravizadas, subjugadas, inferiorizadas, humilhadas e subestimadas. Assim como os negros ou, talvez, pior. Segundo Lennon, os próprios homens eram os responsáveis por essa misoginia. Homens em casa, no trabalho, na mídia.

Homens lutam entre si por grana, brigam uns com os outros pelo time de futebol, combatem um semelhante pelo cargo, guerreiam por poder. Nem que seja pelo poder de comandar o controle remoto em casa. Mas se defendem, se amparam e se acobertam quando o assunto é mulher. Eles são unidos.

Quase 40 anos depois, as coisas mudaram pouco. Agora as mulheres estão escravas de suas jornadas duplas ou triplas. A mídia dita regras ridículas de como se vestir, se despir e se pintar para atrair o macho ideal. As mulheres continuam ganhando menos para realizar as mesmas funções que os homens. E, para piorar um pouco mais, passaram a ser discriminadas pelo RH de algumas empresas por estarem em idade potencialmente fértil.

Consideradas na Idade Média como agentes de Satã, elas continuam expostas nos jornais e revistas masculinas como pedaços de carne no açougue. Ainda há quem nos consiga fazer crer que, sem "sensualidade", não nos sobra muito a fazer. E continuamos tirando a roupa por medo de perder aquilo ou aqueles de quem não precisamos.

Entretanto, essa situação foi superada por muitas mulheres. Várias já deram a volta por cima e conseguem lidar com o sexo oposto sem se deixar escravizar, subjugar e, algumas, sem se abater. Hoje é até possível encontrar, aqui e ali, homens reclamando da tal independência feminina.

Porém, infelizmente, há ainda, e em grande quantidade, o pior dos golpes. O mais baixo. O de mulheres contra mulheres. Golpes que não são por cargo, por poder, por time de futebol e, muitas vezes, nem por outro homem. São por pura insegurança, por inveja e até por maldade. Uma mulher pode ser capaz de maldizer e difamar outra pelo simples fato de não ser como ela.

Outro dia, revi um vídeo em que Chico Buarque admitia sua mais completa ignorância sobre o universo feminino diante da capacidade de algumas mulheres em fazer coisas, para ele, horríveis. Contudo, segundo o poeta, por mais incompreensível que possa parecer uma ação feminina, sempre há uma razão por trás dela. Certamente, não há nada de ignorante nas palavras de Chico.

Mas, se há algo incompreensível nas mulheres, não é uma atitude "horrível", nem a razão que a leva a cometê-la. Incompreensível é que uma mulher seja forte o bastante para vencer obstáculos intransponíveis, superar doenças gravíssimas, cuidar de uma família inteira, dar à luz uma pessoa, provar-se capaz, apesar de subjugada, e não consiga vencer uma incapacidade boba de admitir não ser perfeita em setores ou habilidades em que outras mulheres são.

A dificuldade em dizer "Ok, o bolo de fubá da Dona Maria do 302 é melhor que o meu, mas o meu bolo de laranja também é muito bom" não reside apenas em admitir a possibilidade de não ser a melhor em alguma coisa. Também não está apenas em admitir que a Maria do 302 é capaz de fazer algo melhor do que eu. A grande dificuldade pode estar em parar de olhar o bolo da vizinha com inveja e prestar mais atenção em si mesma para aprender a valorizar as próprias habilidades e, principalmente, para tentar superar suas limitações.

É inadmissível que, em pleno século XXI, depois de terem conseguido ocupar posições de destaque em governos, universidades, corporações, na sociedade como um todo, as mulheres continuem se agredindo moral, profissional ou fisicamente pelas razões mais pífias.

A grama da vizinha só é mais verde quando se perde tempo fuçando a grama alheia ao invés de cuidar da própria. Você pode até dizer que eu sou uma sonhadora, mas ainda acredito no dia em que as mulheres vão surpreender os poetas por se superarem com atitudes cada vez mais maravilhosas e menos vergonhosas. Mulheres do mundo, acordem! Respeitem-se!



A ilustração foi retirada de http://www.ruadireita.com/info/img/espelho-meu-sou-a-mais-bela.jpg