sexta-feira, 2 de julho de 2010

Perebentos

“Os caras que gostam de futebol são violentos
eu não gosto tanto porque sempre quando jogo me xingam de perebento...”
(Djangos, “O Futebol”)

Hoje o Brasil foi eliminado da Copa do Mundo. Se alguns lamentam a saída da competição por terem que voltar à labuta em horário integral, outros respiram aliviados por não terem sido eliminados pela Argentina. Há, ainda, os que riem da arrogância e da ignorância de Dunga. Eu me incluo em todas as opções acima, apesar de não ter sido tão beneficiada pelas dispensas do trabalho.

É curioso como o esporte bretão consegue envolver culturas tão diferentes e se tornar uma espécie de inconsciente coletivo mundial. Durante os jogos da copa, os canais de tv mostravam torcedores ao redor do mundo largando seus serviços para torcer. Nessas horas, vemos que ingleses, franceses, argelinos, italianos, japoneses e brasileiros são todos farinha do mesmo saco. Capazes de sorrir e de chorar por vinte e dois marmanjos correndo atrás de uma bola. Povos que, de quatro em quatro anos, colocam seus corações e suas mentes na ponta das chuteiras de seus guerreiros jogadores.

Entretanto, dois povos podem ser considerados exceções. Curiosamente, duas nações diametralmente opostas. Uma é o símbolo máximo da prepotência capitalista, os EUA. A outra, a pior representante possível dos poucos sobreviventes do bloco comunista, a Coreia do Norte.

Dos norte-coreanos pouco se sabe, porém, divulgou-se que o regime ditatorial que governa o país privaria a população de assistir aos jogos de sua equipe. Sendo assim, dos países participantes desta Copa, a Coreia do Norte não pode ser incluída entre aqueles cuja população se entrega à histeria coletiva provocada pelo futebol.

"Futebol é um jogo de pobre." (Dan Gainor, analista do Media Research Center)

Já os americanos, ninguém sabe muito bem o que estavam fazendo na competição misturados “ao resto do mundo”. O futebol não é um esporte muito popular por aquelas bandas e, ao que tudo indica, vem sendo contundentemente rechaçado por jornalistas de direita. As citações destacadas neste artigo são exemplos dessas demonstrações públicas de desprezo ao esporte.

"A esquerda está impondo o ensino de futebol nas escolas americanas, porque a América está se 'amarronzando'."

O radicalismo do chefe de Estado norte-coreano em nada fica a dever aos exaltados republicanos norte-americanos que chegam à loucura de associar as políticas de Obama e o crescente entusiasmo de seus colegas jornalistas pelo futebol a uma suposta simpatia pelo socialismo. Para piorar a grossura desse pirão, associa-se essa prática esportiva à presença cada vez maior de imigrantes latinos no país. A associação torna-se incontestável diante da qualidade das equipes hermanas no mundial.

"Não importa quantas celebridades o apoiam, quantos bares abrem mais cedo, quantos comerciais de cerveja eles veiculam, nós não queremos a Copa do Mundo, nós não gostamos da Copa do Mundo, não gostamos do futebol e não queremos ter nada a ver com isso." (Glenn Beck, comentarista conservador da Fox News)

Mas, politicamente falando, é ótimo poder participar de um evento mundial em que os americanos (literalmente) não apitam nada. E ninguém liga para o que eles pensam, ou dizem. E ninguém está nem aí se eles não aparecerem para gastar seus dólares. Com o tempo, todos já estão se acostumando com o empobrecimento americano e ninguém parece lamentar muito isso. E mesmo que eles ajam como meninos mimados (e perebentos) que não querem brincar porque sabem que não vão vencer, pelo menos no futebol eles não incomodam ninguém. Porque pelo menos no futebol pobres e ricos têm a mesma chance.

As atuações das equipes em campo têm mostrado que as diferenças entre clubes riquíssimos ou campinhos de várzea não fazem com que a Inglaterra tenha muito mais sucesso do que o Brasil ou Gana. E comprovando a teoria em questão no artigo de hoje, mesmo as diferenças políticas são reduzidas a pó quando a bola rola. Guerras civis são interrompidas durantes os noventa minutos de jogo, e nações historicamente rivais confraternizam no final de cada partida dentro de campo e nas arquibancadas.

Provocações à parte, só mesmo o futebol para colocar no mesmo balaio Estados Unidos e Coreia do Norte, para fazer brasileiros pararem na frente da tv em uma manhã de sábado para torcer para a Alemanha, para ver franceses perderem a pose, para ver loiras serem expulsas de estádios, ou para promover um acerto amigável de contas entre colonizadores e colonizados, como nos últimos jogos entre Portugal e Brasil, Espanha e Chile. Mas, só por via das dúvidas, na próxima copa do mundo, Deus permita que tenhamos um técnico, pelo menos, educado e que Mr. Mick Jagger resolva torcer para a Argentina!