quinta-feira, 30 de junho de 2011

"Lie to me" ou "Me engana que eu gosto"

Todos os dias, noticiários mostram os movimentos populares na Europa. Reivindicações de povos que agora tentam manter por conta própria o status mantido durante um longo e tenebroso inverno por países pobres da África, Ásia e Américas. Mas, perpetuando o padrão cultural de todo país que se recusa a deixar de ser colonizado, nossas tvs devem achar a grama dos outros mais verde, ou os grevistas europeus mais interessantes do que os nacionais. Afinal, bem aqui debaixo do nariz da imprensa brasileira, professores da rede estadual do Rio de Janeiro e de vários outros estados brasileiros, como Espírito Santo, Santa Catarina e Rio Grande do Norte, estão em greve desde o começo do mês. Mas quem não tem um professor na lista de amigos, conhecidos ou parentes dificilmente sabe disso.
Fingindo que acreditamos que a única razão para o movimento dos professores não ganhar espaço nos noticiários locais se deva apenas a uma preguiça editorial que prefere chupar as agências de notícias internacionais, vamos passar para uma outra questão: O movimento dessa categoria não aparece na mídia por não contar com o apoio da população? Ou o movimento da categoria não conta com o apoio da população por não aparecer na mídia? Provavelmente, o motivo da falta de entrosamento entre professores e povão está muito além da exposição na mídia.
Entre 2009 e 2010, testes realizados com os alunos da rede estadual de educação em todo o Brasil colocaram o estado do Rio em penúltimo lugar, à frente apenas do Piauí. Durante a campanha da última eleição para governador, esse foi o principal gancho da oposição para atacar o governo Sérgio Cabral.
Mas, a seu favor, o governador contava com a instalação de UPPs em algumas favelas da cidade do Rio, aliada a uma cobertura cinematográfica da imprensa e uma estratégia de não-enfrentamento diante das câmeras – nem sempre apoiada pela população que, muitas vezes, torcia para ver o sangue jorrando na tv. Cabral levou 70% dos votos no primeiro turno. Uma eleição para não deixar dúvidas sobre as preferências populares.
Mas para que as Unidades de Polícia Pacificadora existissem, foram gastas somas consideráveis do orçamento público para a criação de um grupo paramilitar que, com a desculpa de evitar confrontos, permite a fuga de traficantes, mas invade um quartel de bombeiros lotado de trabalhadores e civis.
Enquanto traficantes fogem de uma favela (ou de uma cidade) para outra, a população apoia estratégias que armam uma tropa de elite para gerar uma falsa sensação de segurança. Sem perceber que enquanto a educação não for tratada como prioridade, seremos sempre reféns de políticas mágicas de segurança que transferem conflitos do Leme, de Botafogo, de Ipanema para o Centro, do Centro para o Alemão, do Alemão para a Maré, para a Vila Kennedy, para a Baixada, Niterói, Região Serrana, Região dos Lagos...
Já fomos vítimas de tais políticas mágicas no governo Moreira Franco que prometia acabar com a violência em 6 meses. Coincidência ou não, Sergio Cabral fez parte desse governo, como diretor da TurisRio. O preço que pagamos foi a falência do estado do Rio de Janeiro e uma propagação da violência em níveis nunca vistos antes. Sem contar que, para eleger Moreira Franco, abrimos mão de, pela primeira vez, eleger um educador para o governo do estado.
Fingindo que acreditamos que só a população negligencia a educação, observemos a escolha do novo secretário estadual. O gênio incumbido de recuperar a moral da educação no estado do Rio: um economista. Ele chegou com muitos números e inúmeras ideias que soaram como velhas conhecidas. Resolveu premiar com 14o salário os professores que conseguissem elevar as notas de português e matemática de suas escolas, sem falar em gratificação e kit-cultura. Mas o salário continua baixíssimo.
Com treze anos de estado e uma pós-graduação, ganho menos do que um professor iniciante do município do Rio que, por sua vez, ganha menos do que um professor iniciante de Angra dos Reis, só para compararmos com diferentes regiões do mesmo estado. Mas será que essas bonificações são suficientes para elevar a posição do nosso estado no Ideb?
Creditar à baixa remuneração do professor a responsabilidade pelos maus resultados no exame nacional é um caminho perigoso. Em primeiro lugar, essa desculpa só funciona se for usada para pagar ao professor um salário que o permita reduzir o número de escolas nas quais leciona e se dedicar a um número menor de turmas.
Obviamente, 14o salário, gratificações e premiações esporádicas não são suficientes para que o professor abra mão de um ou dois turnos de trabalho, o que significa dizer que a qualidade do trabalho em sala continuará comprometida.
Além disso, governos anteriores já tentaram a mesma estratégia, conseguindo no máximo um número maior de aprovações, algumas vezes, forjadas por diretores que alteravam as notas dos alunos à revelia do trabalho dos professores. Outras vezes, resultado da vista grossa do corpo docente que se deixava chantagear por políticas meritocráticas.
Tanto em um quanto em outro caso, a deturpação de notas não preocupa o governo, afinal, na grande maioria das vezes, por trás da busca por melhores notas se escondem apenas metas que precisam ser batidas a fim de conseguir uma verba maior que normalmente nem é investida, nem revertida, em melhores condições de trabalho e estudo para professores e alunos.
Para piorar a situação do professor fluminense, as gratificações cedidas pelos governos anteriores, foram retiradas por Cabral, assim que assumiu o poder, e parceladas em tantas prestações que a classe docente só voltará a vê-la, devidamente defasada, em 2015.
Contudo, o maior risco de políticas que jogam exclusivamente nas costas dos professores a elevação dos índices educacionais é desconsiderar o fato de que a rede estadual de educação, responsável principalmente pelo ensino médio e com número mais expressivo de alunos na capital, vem recebendo há várias gerações alunos oriundos da rede municipal que apenas há 3 anos aboliu a aprovação automática. Por isso, não resolverá transferir para os professores a conta gerada por sucessivas prefeituras comandadas por loucos e irresponsáveis.
Mas fingindo que acreditamos que apenas a população e o governo defecam para a educação, não poderíamos deixar de mencionar os próprios professores que, apesar de estropiados e mal pagos, agarram-se a miragens de esmolas extras dando as costas às reivindicações da própria classe e ao futuro de toda uma geração de estudantes.
Há também os que usam os salários baixos e as condições de trabalho ruins para justificar a própria incompetência e falta de interesse pelo magistério. Entretanto, muito pior do que a falta de coragem para participar de uma mobilização coletiva, é perceber professores que assistem de camarote a colegas que dão a cara para bater (e o ponto para cortar) em prol de reivindicações que trarão benefício para todos, enquanto se aproveitam de suas ausências em sala para ficarem mais tempo sem fazer nada ou irem mais cedo para a casa. Os movimentos de greve são momentos muito propícios para descobrir de que material são feitos os membros de uma classe.
Horas antes de fechar este texto, recebi matéria da Folha de São Paulo reportando as isenções fiscais concedidas pelo governo do estado a salões de beleza frequentados pela primeira dama, a motéis, termas e boates (frequentados sabe-se lá por quem!) que somam o montante de R$ 50 bilhões que deixaram de ir para os cofres públicos do estado.
Semanas atrás, alguns deputados da Assembleia Legislativa convocaram o governador para prestar esclarecimentos sobre suas relações com um ex-doleiro e o dono da empreiteira Delta que vem ganhando todas as concorrências para obras públicas no estado do Rio. Estavam todos juntos na Bahia na ocasião da queda de um helicóptero com vítimas fatais.
Eu ligo a tv ou vejo na internet manifestações para legalização da maconha, parada gay, marcha por Jesus, movimento para liberar o uso de skate na Praça XV, artistas se mobilizando pelos bombeiros... Tudo é válido. Mas quando as pessoas vão finalmente apoiar a única causa que abraça todas as outras: a EDUCAÇÃO?
Há um clamor por melhor educação de norte a sul do país e parece que ninguém quer ver ou se importar com isso. Pois quando você estiver preso em um engarrafamento no centro da cidade e a causa for uma manifestação de professores, abra o vidro do carro ou do ônibus e aplauda, buzine, apoie! Quando você estiver insatisfeito com a situação da sua cidade, do seu estado ou do seu país, pense que cada povo tem o governo que merece. Um povo sem educação é um povo condenado a ser refém de bandidos, sejam eles engravatados, uniformizados ou organizados. Pense nisso! Pense!


Matéria da folha de São Paulo sobre isenções fiscais no estado do Rio http://www1.folha.uol.com.br/poder/935193-renuncias-fiscais-de-cabral-vao-de-boate-a-cabeleireiro.shtml
Conheça mais detalhes da trajetória política e de enriquecimento ilícito do governador em http://www.tribunadaimprensa.com.br/?p=20022.