segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Novo ano novo




Ouvindo no rádio os votos para 2014 dos artistas para os ouvintes, percebi que, entre os clichês da época, o mais comum é “que todos os seus desejos se realizem”.  Queria conseguir desejar isso, mas não. 

Esperar que todos os desejos de alguém se realizem é acreditar que o outro só quer o bem e que esse bem não vai atingir outras pessoas.  É acreditar que ninguém vai morrer. Que todos os amores serão correspondidos, ainda que às custas do sofrimento de esposas, de maridos, noivos, namorados.

Fico pensando em meus próprios acessos de raiva e na vontade de exterminar meio mundo, quando o ônibus não para ou o som do vizinho é mais alto do que meu pensamento. Quando vejo casos de corrupção, injustiça, covardia. Penso também no décimo mandamento, quando vejo o moço bonito (e casado) cozinhando lindamente na tv, ou naquele rapaz bacana pra caramba (e casado) da fila do banco.  Concluo: ainda bem que nem todos os meus desejos se realizam...

O ano de 2012 levou meu pai, e o de 2013, minha mãe. Por mais consciente que eu seja de que o mundo precisa de uma reciclagem e que uns precisam ir para que novas gerações cheguem, meu desejo maior é o de que eles estivessem aqui comigo, na casa que comprei para viver com minha velha e que ela não teve tempo de ver. É um desejo válido, eu sei. Ninguém quer perder os seus amados. Mas, se esse desejo se realizasse para todos (porque eu não tenho a pretensão de querer que eles se realizem só pra mim), não haveria mais espaço no mundo pra tanta gente querida. Até porque, imagino, mesmo o pior dos vilões deve ser querido para alguém.

Então, gente, depois dessa sacudida dos últimos anos e de tantas reviravoltas nessa novela que é a vida da gente, meus desejos para mim e para os que vão acompanhando de perto e de longe são mais realistas. Desejo para vocês o mesmo que para mim: força, em primeiro lugar, para segurar os trancos que inevitavelmente vêm. Sossego, que possamos navegar em águas mais serenas em 2014, porque as artérias podem não suportar mais tantos solavancos.  Saúde, porque ficar doente é muito ruim. Sorte, pois “só” o talento nem sempre é suficiente. Sabedoria, pra aprender com os erros e melhorar sempre. Acho que esse pacote já é suficiente, não? E que nem todos os nossos desejos se realizem. Só os melhores!

Um ano realmente novo para nós todos! Que venha 2014...

sábado, 9 de novembro de 2013

Vivendo entre parênteses



Meu pai se foi poucos dias depois de entregar minha irmã no altar. Minha mãe se viu só e aceitou minha proposta de voltarmos a morar juntas, quase 15 anos depois de ter resolvido andar com minhas próprias pernas.

Abro parêntese. Sai de cena a velha vida de solteira, entra em ação a caçula que mal sabia cuidar de si e ganhou uma filha de 69 anos. Mergulhei. Como toda mãe de primeira viagem, senti inseguranças, medos, impaciências, cansaços. Mas ao contrário de mim, minha filha foi muito valente. Muito mais do que a filha que eu fui. Minha filha foi muito menos respondona e desobediente do que eu. Tive sorte: minha filha passou por muitas provas, mas foi muito mais sábia do que eu.


Fui mãe por apenas 6 meses. Não foi divertido, mas foi muito edificante. Aprendi a somar: a presença de alguém mais importante do que eu na minha vidinha solitária. Aprendi a dividir: meu tempo e o espaço que não era meu e que, por isso, deveria ser respeitado e preservado. Aprendi a subtrair: a minha importância diante das necessidades dela. Aprendi a multiplicar: o número de vezes em que tentei me superar fazendo todos os dias os mesmos rituais, ainda que tenha falhado na maioria delas.


Aprendi a escrever uma história diferente dentro da minha própria história. Aprendi a olhar além do meu próprio umbigo. Aprendi a intuir o desejo do outro. A avaliar suas necessidades. Errei muito. E, ao contrário da maioria dos filhos, ela jamais reclamou. Muito melhor do que eu.


Quando ela partiu, muitos me disseram que fui uma boa filha. Que nada! Boa filha foi ela. Nesses 6 meses, foi ela que me ensinou: como uma filha deve ser. Devo inventar uma vida completamente nova agora, tentando pôr em prática tudo o que aprendi. Muitas coisas só vou entender mais tarde. Mas, dizem, tudo a seu tempo.
 
Perdi a vida de antes. Perdi a vida com ela. Vou vivendo na prática o que sempre li em Bishop, que a arte da perda não é um desastre. Vou perdendo cada vez mais e mais rápido. Não é uma arte difícil de dominar. Só é preciso se acostumar com ela... Fecho parêntese.




*Citação ao poema “One art” de Elizabeth Bishop que pode ser apreciado em
http://www.poemhunter.com/poem/one-art/