Meu pai se foi poucos dias depois de entregar minha irmã no
altar. Minha mãe se viu só e aceitou minha proposta de voltarmos a morar
juntas, quase 15 anos depois de ter resolvido andar com minhas próprias pernas.
Abro parêntese. Sai de cena a velha vida de solteira, entra em
ação a caçula que mal sabia cuidar de si e ganhou uma filha de 69 anos. Mergulhei.
Como toda mãe de primeira viagem, senti inseguranças, medos, impaciências,
cansaços. Mas ao contrário de mim, minha filha foi muito valente. Muito mais do
que a filha que eu fui. Minha filha foi muito menos respondona e desobediente
do que eu. Tive sorte: minha filha passou por muitas provas, mas foi muito mais
sábia do que eu.
Fui mãe por apenas 6 meses. Não foi divertido, mas foi muito
edificante. Aprendi a somar: a presença de alguém mais importante do que eu na
minha vidinha solitária. Aprendi a dividir: meu tempo e o espaço que não era
meu e que, por isso, deveria ser respeitado e preservado. Aprendi a subtrair: a
minha importância diante das necessidades dela. Aprendi a multiplicar: o número
de vezes em que tentei me superar fazendo todos os dias os mesmos rituais,
ainda que tenha falhado na maioria delas.
Aprendi a escrever uma história diferente dentro da minha
própria história. Aprendi a olhar além do meu próprio umbigo. Aprendi a intuir
o desejo do outro. A avaliar suas necessidades. Errei muito. E, ao contrário da
maioria dos filhos, ela jamais reclamou. Muito melhor do que eu.
Quando ela partiu, muitos me disseram que fui uma boa filha.
Que nada! Boa filha foi ela. Nesses 6 meses, foi ela que me ensinou: como uma filha
deve ser. Devo inventar uma vida completamente nova agora, tentando pôr em
prática tudo o que aprendi. Muitas coisas só vou entender mais tarde. Mas,
dizem, tudo a seu tempo.
Perdi a vida de antes. Perdi a vida com ela. Vou vivendo na prática o que sempre li em Bishop, que a arte da perda não é um desastre. Vou perdendo cada vez mais e mais rápido. Não é uma arte difícil de dominar. Só é preciso se acostumar com ela... Fecho parêntese.
*Citação ao poema “One art” de Elizabeth Bishop que pode ser
apreciado em
http://www.poemhunter.com/poem/one-art/
http://www.poemhunter.com/poem/one-art/