domingo, 28 de dezembro de 2014

Carta aos formandos de 2014

     Olá, formandos de 2014 do EJA do Ciep César Pernetta, no Rio, e do C.E.D.F.P. Paranhos, em Iguaba.  Estou escrevendo para fazer um pedido a vocês.
     Esta semana, com o término do ano letivo, fiz uma coisa que raramente faço. Liguei a tv na hora do almoço. E vi no telejornal notícias de ataques a escolas, a crianças, a estudantes no México e no Paquistão. Fiquei pensando: "por que será que atacam estudantes?"
     Acho que descobri a resposta. É porque há um monte de gente que não quer que o mundo mude. Esse mundo triste e desigual que vemos todos os dias. E para impedir que ele mude, é preciso atacar quem pode modificá-lo: os estudantes. A semente da mudança está com vocês.
     Então, resolvi fazer um pedido para todos os formandos de 2014. Não permitam que o mundo fique do jeito que está. Cada chance de mudança que vocês tiverem, aproveitem. Façam o diferente. Façam o melhor. Façam o bem.
     Eu sei que mudar o mundo todo é muito difícil, mas se vocês mudarem um pouquinho do seu mundo, já vão afetar as pessoas à sua volta e aos poucos tudo vai mudando junto.
     Um dia, quando tiver filhos, vou ter o maior orgulho de contar a eles que fiz parte por algum tempo da vida de um grupo de gente forte, batalhadora, esforçada e, mais do que qualquer outro grupo de estudantes, vitoriosa.
     Parabéns! Por terem chegado até aqui, pela boa luta, pela batalha!
     Pela persistência. Muito sucesso!
     E muito obrigada pelo carinho de vocês nesse momento tão especial de suas vidas.
     Sucesso!
    

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Egotrip



     Na minha terra, qualquer troca de ideias, mesmo numa mesa de bar, que comece com “bota uma coisa na tua cabeça” não é uma troca de ideias. É uma tentativa de imposição de uma ideia sobre a outra. Meu primeiro impulso é tirar imediatamente o time de campo. Mas, por algum respeito à civilidade, faço cara de paisagem e finjo que participo daquilo que deveria ser um diálogo e, invariavelmente, descambará para um monólogo.
     Meus pais tiveram cinco filhos. Organizavam muito bem as guerras de ego e competitividade entre nós. O discurso era simples, curto e grosso, para que não houvesse ruído na comunicação ou falhas na interpretação: “Não se compare. Ele é ele. Você é você.” Isso servia para todas, eu disse TODAS, as ocasiões. Porque eles não faziam cobranças a um filho com base na experiência do outro. Não eram psicólogos, catedráticos, acadêmicos. Mas compreendiam muito bem o sentido da palavra pluralidade. Afinal, tinham um laboratório fervilhante em casa.
     Trouxe esse discurso dos velhos pra minha vida. Observo as experiências dos meus irmãos, dos amigos, dos colegas e até de gente que nem conheço. Ouço tudo. Dou uma peneirada. O que me serve, aproveito. O que não, descarto. Por incrível que pareça, consigo fazer isso sem pirar com comparações. Quando começo a babar demais na trip de outra pessoa e querer imitá-la, paro e penso, “peraí, essa vida é a dela, não a minha”. E volto pro eixo.
     Essa percepção começou quando entendi que havia uma diferença entre quem eu sou e quem eu quero parecer que sou. E quando essa diferença aumenta muito, ou seja, quando quero parecer algo que não sou, me sinto ameaçada pela concorrência. A concorrência no trabalho, a concorrência no esporte, nas redes sociais, nos relacionamentos e a concorrência de ideias.
     A competitividade exagerada vai além do respeito pelo outro. Esbarra no respeito por si mesmo. Vai além do hábito de subestimar o outro. Tenta proteger a imagem criada para si mesmo, supostamente ameaçada por uma ideia diferente. Gera uma agressividade proporcional à violência que a pessoa se auto inflige quando tenta parecer o que não é. Faz as pessoas enxergarem indiretas onde não há. Faz as pessoas invadirem as páginas e publicações alheias para provocar e discutir por se sentirem atingidas por algo que sequer lhe diz respeito. Enfim, dá margens aos maiores destemperos de que já tivemos notícias.
     E há os egos que não se satisfazem com pouco. Fazem questão de dar a última palavra, especialmente nas conversas alheias. Muito antes da internet, Tom Jobim e João Gilberto já descreviam muito bem esses ególatras na letra de “Discussão”: “se você pretende sustentar opinião e discutir por discutir só para ganhar a discussão...”. E sentenciam: “já percebi a confusão, você quer ver prevalecer, a opinião sobre a razão. Não pode ser, não pode ser. Pra que trocar o sim por não, se o resultado é solidão? Em vez de amor, uma saudade vai dizer quem tem razão”.
     No mundo presencial, tento fazer ouvidos moucos para ideias, digamos, “esquisitas” que chegam à minha percepção. Afinal, dita a lei da boa convivência, é preciso aprender a lidar com todos os tipos de pessoas, ou, no mínimo, tolerá-las. Mas o mundo virtual é o meu clube privé. Fecho a porta e passo o rodo sempre que possível em gente que insiste em me importunar com sandices, preconceitos e extremismos. A mim, já bastam os absurdos a que somos submetidos nas ruas e nos meios de comunicação de massa.
     Exagero, meu? Destempero? Tirania? Pode ser. Mas eu preciso proteger meu ego também. E fecho com Ferreira Gullar quando diz: “prefiro ser feliz a ter razão”. E ter razão, além de insuflar o ego, dá muito trabalho...

domingo, 7 de setembro de 2014

Computadores fazem arte. E Artistas?

Há 20 anos, concluindo a faculdade, me enturmei com um pessoal que tocava rock. Era uma galera intrépida que topava qualquer parada, se metia nos maiores (e menores) buracos pelo prazer de tocar e se apresentar e dividir e se divertir. Às vezes, pagavam pra tocar, mas não recusavam o convite.

Hoje muitos andam por aí disfarçados de pais de família, funcionários públicos, moram lá longe e chacoalham no trem da Central... Alguns ainda tocam em projetos aqui e ali, fazem trilhas sonoras, lançam livros e músicas novas pela internet. Não enriqueceram, mas vivem de música. Poucos conseguiram destaque na mídia e continuam aparecendo até hoje.

Mas uma coisa é certa. Quem curtia rock nos anos 90 e andava pela Lapa, pelo Garage e pelos circuitos universitários, nunca vai esquecer a era dos zines, dos pequenos festivais, das coletâneas, como Paredão, dos shows no posto 9, no Parque Garota de Ipanema e no Parque dos Patins.

As bandas que formaram essa cena podem até não existir mais, entretanto ainda ecoam na memória os acordes e os versos de histórias que marcaram aquela geração: um menino que apanhava de vara de araçá e cabo de vassoura; a minissaia e os óculos de sol; a Julieta que não liberava pros garotos; o rapaz que esperava debaixo das palhas do coqueiro; o refrão que parava no 4 em diversos idiomas; a declaração de amor rodriguiana pela sogra; e por aí vai.

Em uma roda de roqueiros quarentões, as risadas e os olhares de cumplicidade que surgem ao soar dessas palavras mágicas são partilhados apenas por quem viveu intensamente aquela época em cima do palco ou na audiência.

Mais do que uma infinidade de histórias engraçadas, juvenis e despretensiosas que fizeram muita gente rir e até sonhar com uma carreira artística. Uma possibilidade nova de expressão sem compromisso. Arte pela arte.

Dez anos mais tarde, já no mercado de trabalho, me deparei com uma nova geração de artistas. No lugar de guitarras, baterias, baixos e microfones, usavam como instrumentos os sprays, as tintas e os pincéis para se expressarem. A Street Art era a novidade do momento. No começo, até percebia neles um engajamento, uma certa preocupação ética e social com o que exprimiam. Mas, com o passar do tempo, fui identificando nichos mercadológicos nos quais vários deles se encaixavam.

A experiência e o amadurecimento me permitiram observar a maneira como associavam seus traços, inegavelmente talentosos, a marcas conhecidas, seus 15 minutos de fama em programas de tv de gosto duvidoso ou em canais de notícia de perfil questionável, fotos ao lado de “celebridades”. E pior, o deslumbramento disfarçado de orgulho ou de conquista brilhando nos olhos. Contudo, restava a esperança de que a mesma experiência e amadurecimento estivessem me transformando em uma balzaca ranzinza.

Mais dez anos se passaram, vim trabalhar no interior em uma escola regida por gente muito especial que, ao se deparar com situações de agressividade e vandalismo (leia-se depredação de patrimônio público), associados ao abuso de drogas, entre um grupo crescente de alunos, inovou. Escolheu o trabalho com a arte como caminho para abrir um canal de comunicação e resgate desses alunos.

Empolgada com essa nova realidade, inocentemente, saquei dos meus contatos e tentei trazer alguns elementos daquela que já tinha sido a nova geração de artistas para contar suas histórias, mostrar seus trabalhos e propor uma nova e criativa forma de expressão para a molecada enfezada do interior. A escola (vale lembrar) pública se propôs a cobrir as passagens do artista e o material necessário para o workshop. Eu me propus a hospedar o artista que quisesse pernoitar, com direito a acompanhante, e refeições.

Contactados, em nome dos velhos tempos, dois se dispuseram a participar. Alegria na escola. Professoras de educação artística mudando sua programação para incluir o graffiti em seus programas bimestrais. No entanto, vários meses depois, os tais artistas jamais chegaram a marcar uma data nem sequer apareceram.

De vez em quando, ligo a tv ou o computador e vejo algum representante dessa geração de “street artists” se queixando da dificuldade de acesso aos meios tradicionais de exibição artística e a galerias (mas não é arte ‘de rua’?). Vejo-os reclamarem de eventos nacionais que dão mais valor às obras estrangeiras roubando espaço dos “nossos” brasucas que, diga-se de passagem, também já foram ilustrar muros em países distantes.

Penso que se artistas estrangeiros, como Banksy, participam de mostras enviando suas obras para o Brasil, ou, como os europeus e americanos , que vêm pessoalmente para participar da mostra “Street Art – Um panorama urbano”*, esses artistas estão buscando um público para comunicar sua arte. Receberam cachê? Tiveram apenas as passagens pagas? Não se sabe.

O fato é que saíram de seus países e vieram fazer aqui o que vários brasileiros ocupadíssimos não conseguem fazer em uma cidade vizinha, em um colégio público cheio de criatividade, interesse e energia a serem explorados. Ou, no mínimo, um novo público “consumidor” de suas peças agora associadas a marcas da moda. Teria sido bem mais fácil trazer alguém legal para conversar com a garotada da escola se o Rock ainda fosse a forma de expressão artística da moda.

Afinal, disposição e boa vontade para tocar não faltavam para minha geração. Faltava, talvez, a visão mercadológica que esses artistas neoliberais possuem. Mas quer saber? Como dizia Oscar Wilde**, no momento em que o artista troca a comunicação de sua expressão para atender a demanda do mercado, passa a ser um artesão ou um negociante. E estávamos falando de quê, mesmo? Ah, sim, Arte.
“O sucesso te distancia do mundo. Você começa a circular em áreas exclusivas, ver um grupo restrito de pessoas. Comecei a ficar com medo disso. O topo é muito solitário. Tive que parar de querer ser o melhor e me imaginar repartindo a ideia de ‘ser o melhor’’’. (Vik Muniz para a revista Trip. Radicado em Nova York e com obras exibidas nos principais museus do mundo, o artista plástico de 49 anos mantém seu estúdio em Parada de Lucas, bairro pobre da zona norte carioca e tem intermediado o apoio de empresas a entidades de cunho social.)
O graffiti e a escola ao redor do mundo:
*A citada exposição de street art internacional e brasileira ficará em cartaz até outubro no Rio. Veja mais sobre ela em http://www.hypeness.com.br/2014/08/exposicao-no-rj-traz-trabalhos-de-banksy-e-outros-icones-da-street-art/

**Oscar Wilde em “A alma do homem sob o socialismo” (L&PM, p. 45, 2003).

domingo, 3 de agosto de 2014

Falando com estranhos

Clique aqui e ouça a trilha sonora deste texto: "Heart of Gold", Neil Young


Às vezes, fecho os olhos e imagino o desenhar de um caminho para a vida. Então, se sinto que gosto do que vi, abro os olhos e decido que é hora de deixar de deixar a vida me levar. Arregaço as mangas e tomo as rédeas, mexo os pauzinhos, as canetinhas, os lápis de cor para executar o tal desenho.
Só que a vida logo me dá um sacode pra me lembrar que entre as diversas coisas que não sei fazer, desenhar é uma delas. As linhas saem tortas, as cores não combinam, escolho o tema errado. Talvez, seja a miopia...
Desastre cometido, fica o gosto amargo da conta do material desperdiçado para pagar e o resultado do desenho horroroso para conviver. A realidade é dura. Mas nas idas e vindas entre a capital e o interior, descobri uma maneira de fugir dessa realidade.
Sabia que meu ímã de velhinhas conversadeiras em ônibus de viagem me seria útil em algum momento. Elas contam muitas histórias que me distraem. Fico imaginando as cenas com os diálogos, a aparência das personagens e isso vai desfocando o desenho feio que deixei em casa.
E quando elas se cansam de falar e me fazem perguntas, convites para retribuir a gentileza e distraí-las com alguma novidade, volto a lembrar do monstro criado e abandonado porta adentro fechada atrás de mim.
Então, gentilmente, retribuo reinventando a história toda. Deixando-a exatamente com as cores que queria, o alinhamento perfeito e os traços sonhados. A cada nova viagem, uma nova versão do mesmo desenho, cada vez melhor. Elas gostam do que ouvem. E, de repente, me dou conta de que a gentileza delas pode também ser versões de desenhos mal feitos, inacabados ou brutalmente interrompidos. Todo mundo tem uma história triste pra mudar, nem que seja só no faz de conta.
Trilha sonora sugerida: "Heart of Gold", Neil Young
Desço do ônibus e no caminho até a porta de casa vou assobiando uma música que me lembra  que estou ficando velha para procurar um coração de ouro. Abro a porta e dou de cara com o tal desenho mal feito. Ele tomou conta de toda a casa. Entro nela. Faço parte dele de novo. A realidade é dura.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Memórias do Apocalipse


O primo do pai do amigo do meu vizinho é negro. Tem carrão. Fez faculdade particular e montou o próprio escritório de advocacia. A casa dele tem piscina. Os filhos dele estudam em universidades públicas sem terem precisado recorrer ao sistema de cotas raciais.
Olho para essa família e acho uma injustiça que negros, só por serem negros, mereçam privilégios para entrar em universidades e concursos públicos. Agora até as empresas de comunicação têm obrigação de empregar um certo número de negros.
A escravidão acabou há mais de um século. Não é possível que o povo negro não tenha conseguido se recuperar do trauma. Os negros lutaram tanto pela liberdade e quando a receberam de mão beijada não souberam o que fazer com ela. Ficam até hoje reclamando da falta de oportunidades.
A maior parte desses negros é composta de gente preguiçosa. Pois há famílias de negros que hoje estão na classe média porque batalharam e souberam prosperar. Por outro lado, há aquela parcela que prefere o caminho mais fácil: da malandragem, da exploração religiosa, da mendicância e do crime. E ainda se julgam vítimas da história.
Enquanto isso, pessoas brancas e pobres são excluídas. A lei de cotas também privilegia alunos de escola pública e índios. Mas não importa. Esse sistema deveria, sim, privilegiar estudantes por classe social, mesmo os que se esforçam para estudar em escolas particulares. Assim, as vagas nas universidades seriam ocupadas por gente que realmente valoriza a educação. Uma vez que em escolas públicas, todos sabem, os alunos não querem nada.
E os índios? Para quê os índios querem estudar se só precisam caçar e pescar? É injusto que tirem também as vagas dos estudantes brancos que querem seguir carreira acadêmica.
O ideal mesmo seria que não precisasse haver um sistema de cotas. E, sim, que o ensino fundamental público tivesse qualidade suficiente para que os alunos da escola pública concorressem em pé de igualdade com os alunos da rede particular.
Para que isso acontecesse, seria preciso que os professores parassem de reivindicar melhores salários e fossem para a sala de aula trabalhar. Afinal, eles reclamam, mas se deslocam de uma escola para outra com seus carrinhos, o que a maioria dos trabalhadores brasileiros não tem condições de fazer.
Seria preciso também que o governo investisse na educação com mais escolas e a recuperação das já existentes. Não me refiro a gastar rios de dinheiro com escolas desenhadas por arquitetos famosos. Especialmente, para serem construídas dentro de favelas. Educação não é prédio, nem luxo. Bastam boas condições de aprendizado.
No Brasil, é muito comum aparecerem políticos e sociólogos de esquerda com discursos demagógicos e populistas defendendo as tais classes menos favorecidas e as minorias étnicas. Essas pessoas devem redigir seus discursos de seus gabinetes refrigerados.
Não têm qualquer conhecimento da realidade das ruas. Se circulassem pelo Aterro do Flamengo à noite, entenderiam as razões que levaram os moradores do bairro a fazerem justiça com as próprias mãos.
Os "justiceiros" são pessoas que cansaram de esperar do poder público ações para conter o vandalismo e a barbárie, justamente daquela parcela da população que optou pelo caminho mais fácil, roubando e assaltando pessoas de bem, que pagam seus impostos e não têm segurança para circular pela própria cidade. Estamos pagando! Temos nossos direitos, inclusive o de defesa.
O mundo é assim, mas não precisa ser. Se o Brasil não fosse um país tão permissivo com seus pequenos criminosos, teríamos uma juventude bem diferente. Mais disciplinada e livre de vândalos. Mas o que vemos aí é o resultado de anos de políticas de direitos humanos para bandidos. De nossa indulgência e excesso de tolerância. Impunidade.
Se mantivermos esse passo, ainda nos perceberemos presos em nossos lares, amedrontados, deixando as ruas livres para os malfeitores.
Imagem do blog pisandolaredonda

 O texto acima é um breve apanhado do que ouço por aí há...
39 anos. 
Você também pensa assim?

EU NÃO!

sábado, 17 de maio de 2014

Meus bons amigos



"Meus bons amigos onde estão", Frejat abre um dos seus hits com uma pergunta que muitos se fazem, mas poucos admitem. Eu tenho uns poucos, posso contar nos dedos das mãos. Amigos meeesmo. Aqueles que não vivem grudados comigo, pois, se assim fossem, provavelmente não me aguentariam - a distância é também parte do instinto de sobrevivência da amizade, sabiam? Mas sei que são amigos.
E como é que faz pra saber quem é e quem não?
Os meus, além de não estarem sempre perto, sabem a hora certa de aparecer. Intuem que conquistas são feitas para serem compartilhadas e não têm qualquer problema ou dificuldade em iluminar o outro com sua nobre presença. Nem é preciso dizer que a inveja pela glória alheia é colocada na mesa e revertida em desejo de que novas invejinhas venham, seja em forma de viagens, de conquistas, de histórias boas pra contar. Eu sou assim com eles, eles são assim comigo.
Num dia desses, precisava dormir mais cedo e achei que chamaria o sono assistindo a "Marley e eu", mesmo detestando filmes de bichinhos. Enquanto morria de rir com as travessuras bizarras do labrador protagonista, pensava por qual razão alguém manteria um cachorro enlouquecido como aquele. Obviamente, ao final do filme, depois que a ficha já havia caído e a ligação concluída, me perguntava quantos "amigos Marley" cada um de nós mantém. Ou, pior, quantos de nós somos amigos Marley?
Admito que eu mesma não sou das mais fáceis. Um dos meus melhores amigos mandou por sms versos de uma música que falava sobre vento forte que não quebra nem entorta, mesmo depois de ter aturado malcriações e crises de ciúmes brabíssimas despudoradamente assinadas por mim.
Viajei com minha-praticamente-irmã, por quase um mês, e minha heroína me aturava cantarolar uma música nova a cada palavra inglesa que lembrasse uma melodia. Ou seja, O TEMPO TODO! Só os chegados conseguem ter noção do quão terrível isso pode ser, porque, além de desafinada, eu reinvento as letras.
Desconfio que esses são os verdadeiros testes. É na hora do aperto que descobrimos de que matéria são feitas as pessoas que nos cercam. E nos últimos anos, os apertos peneiraram as pessoas que conheço. E poucas sobraram sobre a tela. Aquelas que correram para segurar minha mão quando o pior aconteceu. As que disseram "na hora que precisar, chama" e, quando eu chamei, realmente apareceram. As que não esperaram eu chamar. O amigo de infância que sofreu e chorou junto. A amiga que surpreende com flores e quitutes que acalmam o coração. Não é coincidência que essas mesmas pessoas apareçam abraçadas comigo em registros de momentos felizes também.
Pensando em todos esses momentos bons e ruins, concluo duas coisas. A primeira é que não sei, sinceramente, se estou à altura de pessoas como eles. Não sei, mesmo, se conseguirei um dia ser pra eles o que são pra mim. Essa gente que emerge do monte de coisas que têm pra fazer e cava um jeito de me pegar pela mão e me levar pra um mundo fora do meu próprio umbigo, mesmo que seja doloroso pra eles também.
 A segunda é que há uma boa diferença entre gostar de uma pessoa e ser amiga dela. Admiro e gosto de muita gente. Gente boa, divertida, inteligente, de todo jeito. E acho que há um bocado de gente que até simpatiza comigo apesar do meu temperamento. Mas, desse monte de flor que cultivei, reguei, colhi para embelezar meu jardim, as folhas que, mesmo depois das tempestades, permaneceram intactas, firmes, juntas aos meus galhos, essas vão virar marcador para as melhores páginas do meu livro da vida.
“E meus amigos, cadê? Minha alegria, meu cansaço...” (Adriana Calcanhotto)