sábado, 1 de março de 2014

Era uma vez uma cidade

Era uma vez uma cidade feliz se recuperando de uma década de saques e pilhagens democraticamente consentidos. Seus habitantes voltavam a circular por ela. Seus trabalhadores lentamente voltavam a habitá-la e transitar por seus itinerários cotidianos sem transtornos.
Transportes marítimos agora ligavam as zonas norte, sul e oeste, por meio de cais espalhados por sua belíssima costa, dividindo com os coletivos rodo, ferro e metroviários a responsabilidade de levar e trazer de volta do trabalho, todos os dias, milhares de pessoas a preços justos.

A cidade estava mais segura com oficiais de segurança civil patrulhando e monitorando as ruas. A população esforçava-se agora para superar os traumas de uma guerra civil que dividiu em justiceiros e seguidores dos direitos humanos os habitantes da cidade que não se consideravam bandidos. Todos vítimas de consecutivas políticas de segurança voltadas à
opressão popular e ao favorecimento das elites do poder público e econômico.

Das periferias limítrofes do município, para onde haviam sido expulsas em nome de um padrão de embelezamento ariano internacional, vinham milhares de pessoas ainda ressentidas por terem sido excluídas de uma festa para qual, no final das contas, nem o próprio anfitrião foi convidado. Contudo, vinham para ajudar a refazer da cidade a maravilha outrora anunciada, não só com o suor do trabalho, mas com o som de suas vozes e o valor de suas opiniões.

De todos os cantos surgiam cidadãos unidos e imbuídos da vontade de reconstruir a tal cidade, conhecida como maravilhosa pela alegria de seu povo, pelo encontro do mar e da montanha. Todos tentando manter viva a lembrança de quando ela fora atacada por corsários que os convenceram de que seus planos mirabolantes a colocariam em posição de destaque no cenário mundial.

Os espertos piratas perceberam na desestruturada sociedade da época uma crescente perda de valores e uma forte tendência ao exibicionismo e à ostentação. Souberam se utilizar dessa brecha para iludir seu povo e, com isso, enriquecerem, privilegiando grandes empresários dos transportes, traficantes, juízes, empreiteiras e organismos internacionais.

O alegre povo havia esquecido que a cidade maravilhosa já gozava de local privilegiado no imaginário de sonhadores nos quatro cantos do mundo. Esqueceram também que, para uma cidade ser maravilhosa, bastava atender bem aqueles que a habitam. Mas aprenderam que lembranças vivas evitam erros repetidos.

Arte na subida do bondinho na Penha
Em um dia ensolarado de outono, um vento fresco sopra a luz que banha de azul todos os pontos da cidade. Ela se ergue novamente. Porque tudo passa. Porque a cidade permanece. Apesar da bagunça que se pode fazer e dos golpes que se pode sofrer. O tempo passa, uns homens morrem, outros nascem e a cidade fica.