terça-feira, 24 de novembro de 2015

Síria carioca

     Vivo numa cidade cercada de cariocas por todos os lados. Desertores. Para onde dirijo meu olhar e atenção, encontro gente que diz: "Não volto nunca mais para lá." Exilados. Refugiados nos lagos. Fugitivos da guerra em que se tornou a cidade grande e maravilhosa.
     Vejo as imagens de sobreviventes africanos chegando de seus naufrágios de terra e de mar em solo europeu. Lembro de um tempo em que também sonhei com terras distantes. E sorrio de minha tolice agora que descobri o sossego a 2h de distância.
     Não sei dos outros, mas eu também sou náufraga em busca de vida nova. Escrevendo novas páginas para o livro que espero um dia ter orgulho de reler. Fugindo da cidade natal submersa no caos, no calor, na violência e na falta de gentileza. O rio que afundou faz parte da memória. Cuspo no prato que comi.
     Vejo as cenas da chacina no clube francês e das pessoas deixando seus carros e se atirando no asfalto quente da via expressa carioca com o mesmo temor e distanciamento. Cenas de cidades grandes. Sonhos equivocados. Desilusões de um mundo "girando cada vez mais veloz", não se sabe se por causa ou consequência.
     Uma vez escrevi neste blog (http://sarasimoes.blogspot.com.br/2006/10/vamos-dar-um-tempo.html) que decidira desacelerar, desapegar e todo e qualquer outro "des" que me tirasse da ciranda louca em que se transformara a vida pós-moderna. Nove anos depois, descubro que, para mim e tantos outros, sair da zona de conforto é procurar mais conforto, ou paz, como quiserem chamar.
     A vida boa é mais com menos. Basta se organizar um pouco e não procurar sarna para se coçar. De resto, a vida se encarrega. E chego a um ponto em que o maior dos problemas é um ventilador de teto barulhento ou a água da chuva que o vento forte empurra pela fresta da porta. É! Parece que achei meu bote!