quinta-feira, 3 de maio de 2007

EcoNeura

"Oncinhas pintadas
Zebrinhas listradas
Coelhinhos peludos..."
("Bichos Escrotos", Titãs)

Para tudo no mundo há limite, até para as boas intenções. De repente, o mundo foi tomado por uma onda de histeria ecológica globalizada. Várias vezes, já me passou pela cabeça a idéia de que os que ajudam a propagar o tsunami de informações alarmistas sobre o aquecimento do planeta são os mesmos que, anos atrás, promoveram a overdose de pílulas de vitaminas e, depois, a neurose anoréxica da boa forma...

Porém, nem teorias malucas como essa seriam suficientes para justificar os excessos da nova moda ecológica. Um deles é o boicote ao consumo de carne bovina, movido pela notícia de que pecuaristas da região Norte vêm desmatando áreas da Amazônia para criação de gado. Seguindo esse raciocínio, deveríamos também abolir o consumo de óleo de soja, leite de soja, carne de soja, tudo de soja, pois agricultores da região centro-oeste do Brasil já teriam desmatado meio Mato Grosso para plantação do grão que é um dos nosso maiores produtos de exportação. Vamos logo radicalizar: paremos de beber café com açúcar e leite e de comer pão, vide a devastação causada pela plantação de café, cana de açúcar e trigo após tantos décadas de política do café-com-leite. Morramos à míngua, mas salvemos as terras para as formigas!!!

Pouco me importa que os politicamente ecológicos - ou seria "ecologicamente corretos"? - deixaram de presentear suas namoradas com Chanel nº5, que usa madeira da Amazônia brasileira, ou com os cosméticos das grandes marcas européias por usarem animais como cobaias. Deveríamos preservar a natureza, antes de qualquer outro motivo, para garantir nossa qualidade de vida AGORA e não daqui a 70 anos.

Não é possível que as pessoas não estejam notando o surgimento constante de novas mazelas diagnosticadas por uma classe de médicos ignorantes como "viroses", como se fossem uma doença só. Que vírus são esses que provocam sintomas tão diversos e estão cada vez mais resistentes a qualquer tipo de remédio? Onde eles estão? Na água que bebemos? No ar que respiramos? Nos alimentos que ingerimos? Essa, sim, deveria ser a prioridade de ecologistas e ambientalistas.

Onde estão o Greenpeace ou WWF que não se mobilizam numa campanha para conscientizar aqueles que preferem passear pelas ruas da cidade em um veículo 4x4 ou em milhares de carros que atravancam o ritmo da vida e poluem o ar para carregar apenas uma ou, no máximo, duas pessoas. Muito mais do que a vida em 2077, é mais importante preservar nossos nervos e pulmões já.

O que me preocupa de verdade é uma quantidade de pessoas equivalente à população do Rio de Janeiro contaminada com o vírus da AIDS na África, enquanto o mundo se mobiliza por um urso que foi rejeitado pela mãe num zoológico da Alemanha. O que me horroriza mesmo é ver pessoas "vivendo" em barracos de madeira sem luz, sem água, sem banheiro às margens da Baía da Guanabara e a poucos metros da Avenida Brasil, enquanto um grupo de biólogos investe recursos de sociedades de pesquisa na luta para combater a extinção do papagaio-de-cara-roxa no norte do Paraná.

Nada contra o urso branco alemão nem contra o papagaio paranaense, mas será que só eu desconfio que talvez a extinção de algumas espécies seja a confirmação da teoria da seleção natural em que os mais fortes garantem seu visto de permanência em detrimento dos mais fracos ou menos resistentes? Será que tais biólogos também não estão interferindo e afetando as leis da Natureza? Seria pedir demais que parte desses esforços despendidos com espécies selvagens - para as quais talvez tenha mesmo chegado a hora de dar por encerrada sua participação nesse planeta caótico - fosse revertida para uma raça que se recusa a extinguir-se, mas tem padecido com a crueldade de desgovernos, desamores e desatenção dos próprios semelhantes? Que raça é essa...

TROQUE SEU CACHORRO - AGORA - POR UMA CRIANÇA POBRE!!!!

(Foto retirada do site pantec.wordpress.com)

Um dia de cada vez

"O Sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações"
("Juízo Final", Nelson Cavaquinho/Elcio Soares)




Num dia qualquer, L. acordou, olhou para o teto e não conseguia lembrar por que tinha que levantar da cama naquela manhã. Aparentemente, não havia nenhuma razão justa para tirá-la de casa. Foi então que percebeu ter perdido uma batalha. Havia se deixado dominar pelo desânimo. Com o passar do tempo, foi notando que nada no seu dia-a-dia parecia valer a pena, nada que a motivasse a seguir adiante. Mesmo assim, o senso de obrigação a empurrou para fora da cama, para a ducha, para o elevador, para o estacionamento. Abriu a porta do carro, sentou-se na frente do volante, mas não conseguiu girar a chave, muito menos chegar ao trabalho. Horas mais tarde, o médico diagnosticava: depressão. Sua irmã a levou de volta para casa.

A poucos metros dali, F. sentia o calor do sol em seus cabelos ruivos e minuciosamente escovados. Acabara de tirar a carteira, precisava ter coragem para deixar a garagem e enfrentar os vários quilômetros até a sede do comitê. Era um dia de estréia. Precisava desse novo desafio para compensar os vários anos gastos ao lado de alguém que nunca a entendeu. Ao chegar, sentiu-se vitoriosa. Suas longas pernas pisaram o chão com muito mais confiança ao sair do carro. Confiança de que estava no caminho certo, de que a vida continua, de que novos amores aparecem, de que sua auto-estima não precisa de mais ninguém, além dela mesma. Entrou no prédio de cabeça erguida, peito estufado, cabelos brilhosos e um largo sorriso no rosto.

Meses mais tarde, L. contava com a ajuda de ansiolíticos para poder dirigir até o trabalho e realizar as atividades diárias. Já conseguia evitar a espera por acontecimentos significativos e a decepção, todas as noites, ao abrir a porta de casa sem novidades para comemorar. Hoje, consegue simplesmente se desligar do que a aborrece, conectando sua atenção a alguma galáxia distante. Amigos e colegas de trabalho notaram a mudança, se tornaram mais afetuosos, respeitando, contudo, a distância que ela prefere manter de tudo e de todos. Em breve, sua fase de reaprender a viver com a ajuda de tranqüilizantes estará terminada. Se conseguirá manter o distanciamento, ninguém pode prever. Mas sabe que dando um passo após o outro, tem voltado à vida. Não à normal, mas a uma nova vida que está construindo. Ao contrário do que parece, ela tem sorte. Quantos têm a chance de apertar o "reset" e recomeçar com um mínimo de perda?

Dirigindo, F. se sentia mais dona de si e de seu destino, autoconfiante e cheia de coragem para novas empreitadas. Partiu para a conquista de um novo amor. Dona de um estilo que lhe confere um charme inegável, foi bem sucedida. Mas depois de alguns encontros, percebeu que se enganara, o novo amor não passara de uma "ilusão de ótica". Porém, consciente dos degraus que já tinha conseguido subir e da guinada que dera em sua vida, a moça sabia que uma ilusão como essa não seria suficiente para ofuscar o brilho da ótima fase. Sem dramas nem sofrimentos, decidiu que aquela pequena desilusão nada mais era do que uma situação passageira e não seu foco principal. Pisou fundo e acelerou a vida pelo caminho que vai traçando a cada troca de marcha.

Quando olha para si, L. percebe que apesar de ter de reconstruir a relação com o mundo, à sua volta, tudo ainda está em seu devido lugar. A reconstrução será feita de dentro para fora e diz respeito muito mais a si mesma do que a qualquer outra pessoa. Quando sua ponte com o mundo estiver reconstruída, estará pronta para enfrentar novos desafios, como F. e a grande maioria das pessoas fazem - matando um mamute a cada dia, escrevendo com as próprias mãos um novo capítulo da própria história. Boa sorte, meninas!

A arte que ilustra esta coluna é de Alexandre Coelho. Valeu, Alex!