quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Diário de bordo do Peru!

A chegada em Lima foi engraçada, os taxistas no aeroporto avançam sobre os turistas como urubus na carniça. Nunca vi coisa igual! Para chegar até o albergue, peguei o que chamam por aqui de urbanitos, que nada mais são do que vans caindo aos pedaços cheias de “gente marrom”... (Gente marrom, mas com cabelo liso... Ai, que inveja!)

A primeira impressão que dá de la ciudad é que passaram uma serra elétrica em torno do terceiro andar dos edifícios. Boa parte da cidade é baixa, com prédios que vão até o quinto andar, no máximo. Na avenida de acesso ao aeroporto, fui pensando: será que gastei grana para ver essa cidade empoeirada e feia? Aí, lembrei da Avenida Brasil e da Linha Vermelha e fiquei quieta... rs.

Chegando ao bairro do albergue, uhu!!! CHIQUÉRRIMOOOO!!!! Que alívio! Muitas flores e ruas limpas, criollos..., tipo zona sul carioca! Su nombre explica a empolgação: Miraflores. Eu não saí DA PENHA para ficar no subúrbio de Lima, não é?

Os peruanos (especialmente os mais humildes) abrem um largo sorriso quando descobrem que sou brasileira, perguntam logo sobre futebol. Andei por toda cidade durante dois dias, estive no mercado que pegou fogo na mesma noite da tragédia, mas saí bem antes. Tentei banhar-me nas águas congelantes do Pacífico em uma linda praia chamada Punta Hermosa, mas não houve condições.

O povo cultua o pollo (frango) por aqui. Come-se o pobre animal por toda parte! Por falar em comida, me deliciei com alguns pratos locais: cebiche (ou ceviche), broaster de pollo y papas fritas, bistek, ija de galina. Mas o grande lance aqui são as bebidas não-alcóolicas muito boas: chicha morada (suco feito de maíz, uma espécie de milho roxo dos Andes) e Inca Kola (um excelente refrigerante de abacaxi).

No dia 30, peguei um avião para Cuzco. A cidade é LINDA!!! Muitas flores, ruínas e prédios históricos. Sensacional! Há muitos cyber-cafés por aqui. Mas, em geral, os serviços de correio e telefonia são caros, por isso decidi não mandar cartão para ninguém, ok?

Fiquei animada para ver a passagem do ano. Andei pelas feiras livres e percebi que a cor predominante no réveillon da cidade será o amarelo. Então, comprei um saquinho de pétalas de flores dessa cor. Parece que a festa vai ser muito bonita!

Como não poderia deixar de ser, fui bater ponto no mercado municipal de Cuzco. E, além de chocolates em tamanhos e formatos surpreendentes (fálicos, inclusive) e lindas frutas, encontrei um brasileiro neto de japonês e uma inglesa que moram em Santa Tereza e estavam comprando ingredientes para uma feijoada que iriam fazer para uns franceses hospedados no mesmo hotel que eles... Coisas da globalização! Fiquei encantada também com as postas dos peixes vendidas por aqui, muito grandes e cheirosas, e com os pães gigantescos.

Os peruanos (principalmente os vendedores!) me chamam de amiga... Achei um hotel-monastério MARAVILHOSO que cobra 195 dólares a diária, e tem uma loja da H Stern dentro! Show de bola, mas “preferi” ficar num mais humilde!

O Rock and Roll rola direto por aqui (tô até pensando em ficar, para me livrar dos funks e dos pagodinhos...). Há dois canais de tvs exclusivos de videoclipes: a MTV e o M21. Na rua, Beatles, Cure, Garbage, entre outros, competem de igual para igual com a música dos Andes.

Minha cabeça está uma confusão só! Às vezes falo inglês, outras, português, em outras, me arrisco no espanhol e hoje me peguei dando bom dia para uma vendedora em italiano!!! (putz!)

Dos efeitos da pressão atmosférica, só sinto cansaço quando ando rápido ou ando e falo ao mesmo tempo, o que me faz andar muito devagar. Meu coração dispara com muita facilidade, mas, às vezes, não sei se é pelo cansaço ou pela beleza da cidade.

No dia 2 de janeiro, finalmente, saí de Cuzco rumo a Águas Calientes, estação mais próxima de Machu Picchu. A viagem custou cerca de 60 dólares. Como tinha ocorrido deslizamento de terra no dia anterior, havia dois ônibus conduzindo os turistas para o topo da montanha onde descansam as ruínas da cidade inca.

Um ia até o ponto do deslizamento, todos desciam e pegavam o que estava preso do outro lado. Valentona, resolvi ir a pé, o que me custou duas horas de subida e, como para descer todo santo ajuda, trinta minutos de descida correndo para escapar da chuva que começava a cair.

Antes que me perguntem: “Não, não senti nenhuma energia diferente em Machu Picchu”. Até porque, depois daquela subida, eu mal conseguia sentir as pernas... Mas o lugar é realmente incrível! Os incas provavelmente não eram mesmo deste planeta!

No mais, tô me divertindo muito. Bem, galera, espero sinceramente que a passagem de ano de vocês tenha sido tão feliz quanto a minha! Um grande abraço e até domingo quando estarei de volta à terra brasilis! Bjs a todos! Sara

P.S.: Vou sentir saudade de Cássia Eller!


Diário de Bordo escrito entre 31 de dezembro de 2001 e 4 de janeiro de 2002, em um cybercafe em Cuzco, Peru.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

We’re still alive

Não! Apesar do título, não vou falar da violência do Rio. Os números das últimas eleições são claros, o povo daqui gosta da tensão. Então, vamos respeitar democraticamente a vontade da maioria. Apesar do respeito à maioria ter mais a ver com uma expressão de força do que com a democracia propriamente dita. Afinal “maioria” é uma questão de quantidade, e não necessariamente de qualidade. Mas isso é papo para mais de metro. E não é disso que vim falar este mês.

O motivo é bom! Uma saudade gostosa de sentir. Tenho certeza de que muitos leitores vão concordar comigo. Daqui a poucos dias, um dos melhores shows já vistos no Rio de Janeiro completará 5 anos.

A Praça da Apoteose estava lotada de uma gente animada e preparada para fazer festa. O vocalista subiu ao palco agarrado numa garrafa de vinho, no maior porre. Mas a adrenalina de ver milhares de pessoas pulando e cantando curou a bebedeira e o que se seguiu foi inesquecível.

Já assisti a centenas de shows e nunca vi uma interatividade tão grande entre artista e público. Quem estava no show do Pearl Jam nos primeiros dias de dezembro de 2005 sabe do que estou falando.

Naquela noite, a audiência roubou a cena inúmeras vezes. Poucas horas depois, as gravações dos shows já estavam disponíveis na rede. Ainda hoje, ao ouvi-las a pele arrepia em “Better Man”, quando o povo rouba a música de Eddie Vedder que deixa a galera levar no gogó.

Fecho os olhos e lembro dos detalhes, das feições dos meus amigos e de todos em volta, a realização de anos de espera estampada em forma de felicidade coletiva e versos cantados a plenos pulmões.

Lembro dos celulares erguidos durante a música “Black”, os isqueiros da nova geração. Lembro de Eddie Vedder sentar na beira do palco para ver o público se divertir. Lembro do amigo ao lado ligando pra dividir a música pelo celular. Lembro de encontrar com os colegas de trabalho no dia seguinte ainda empolgados com o que vimos na véspera.

Fico pensando como meros mortais conseguem através de acordes promover momentos de catarse coletiva como o daquela noite? Imagino que uma aura de boa energia estava envolvendo a Apoteose naquele momento porque um evento com 40 mil pessoas extasiadas daquele jeito não registrou uma briga!

Puxa vida! É de energia assim que nossa cidade precisa. É impossível não sentir uma certa melancolia ao lembrar daquela noite e ver no que o Rio está se transformando. Porém, ainda há tentativas heróicas de resgatar nossa vocação para o show. O movimento “Brasilidade: todos pela cultura para todos”, neste ano, escalou um elenco fabuloso (Lenine, Céu, Zeca Baleiro, Arnaldo Antutes, Adriana Calcanhoto, Wilson das Neves, entre outros) para se apresentar na Lapa de graça em homenagem ao antropólogo Darcy Ribeiro.

Vários desses espetáculos estão agendados para este final de semana. Seria uma boa oportunidade de reviver momentos como aqueles do show do Pearl Jam, mas por enquanto o Rio pega fogo... Que Deus nos ajude e a arte nos redima!

Quem quiser reler a crônica fresquinha do show: http://sarasimoes.blogspot.com/2005/12/ainda-estamos-vivos.html

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Novo acordo de português

Agora que as modificações já nos foram introduzidas goela abaixo sem ao menos um molhozinho para lubrificar, só nos resta decorar e lamentar. Esse novo acordo da língua portuguesa é a pedra no sapato de revisores e concursandos. Não consigo enxergar ninguém, além dos envolvidos com o setor editorial, que tenha obtido qualquer vantagem com esse bendito acordo ortográfico. Simplesmente porque ele não faz o menor sentido! Analisemos algumas de suas inutilidades.

Todos já consideravam as letras K, W e Y como parte integrante do nosso alfabeto há tempos. Basta ver a quantidade de crianças registradas diariamente com nomes derivados das mentes criativas de pais perversos nos quais figuram essas letras – às vezes, as três no mesmo nome!

Desconheço mortal que tenha coragem de admitir apreço pelas regras de acentuação de nossa língua, mas, convenhamos, a queda do acento diferencial não facilita em nada a vida de quem lida com a forma escrita. Serve apenas para incentivar o já grande número de pegadinhas que não para de crescer nas provas e concursos de língua portuguesa. Chego a sentir os pelos arrepiarem com as questões escabrosas que encontraremos pelos vestibulares daqui pra frente.

Mas a grande piada de mau gosto foi reservada para o hífen! Senhoras e senhores, chegamos ao ponto máximo de inutilidade do tal acordo. Se antes já era difícil de memorizar todas as regras, agora teremos que desaprender o pouco que sabíamos. Vejam o grau de contradição com requintes de crueldade para os nossos cérebros cansados.

Antes da adoção dessas novas regras, usávamos hífen antes de sufixos iniciados em “r” e “s”, como em ultra-sonografia e auto-retrato. Agora não precisamos mais separá-los. Basta que se juntem as palavras, dobrando as letras em questão. A nova grafia passou a ser ultrassonografia e autorretrato.

Por analogia, também deveríamos tirar o hífen de palavras cujo prefixo termina em “r” e o sufixo começa com a mesma letra. Sendo assim, super-resistente, passará a ser superresistente, certo? Errado! Nesse caso, o hífen é mantido. Por quê? Sei lá.

Tudo bem, escorregaram nessa. Mas, pela lógica, então, palavras cujo prefixo termina com vogal e o sufixo começa com a mesma letra também devem ser separadas por hífen, como em micro-ônibus. Isso mesmo! Essas passam a ser separadas por hífen. Mas, se a vogal final do prefixo e a inicial do sufixo forem diferentes, o hífen desaparece, como em autoajuda. Ai, ai, ai! Por que não tiraram logo todos os hífens de uma vez?

Mas não para por aí! Alguém pode me explicar por que pára-quedas perde o hífen e guarda-chuva, não? Segundo o texto do acordo, o sinal cai “em compostos que, pelo uso, perdeu-se a noção de composição”. Em um mundo de gente sem noção como o nosso, alguém sabe explicar exatamente o que isso significa?

O acordo diz que guarda-chuva permanece com hífen, porque o composto “constitui uma unidade sintagmática e semântica”. Não seria isso a “noção de composição”? Então, pára-quedas não deveria permanecer separado também? Por favor, se alguém puder elucidar essas dúvidas que, acredito, não são só minhas, fique à vontade para utilizar esse humilde blog no que seria um serviço de utilidade pública.

Desde pequena, sempre fui contra o decoreba. Achava que tudo que era útil não precisava ser decorado, pois era automaticamente aprendido. Olhava o mapa do Rio Amazonas e seus afluentes como quem olha o Guia Rex em busca de uma rua num bairro distante. Consultaria o Atlas se um dia fosse à Amazônia. Caso contrário, não via a menor utilidade em decorar aqueles nomes todos. O decoreba era reservado ao que era irrelevante. (E olha que nem conhecia Paulo Freire naqueles tempos!)

Agora me vejo nesse mato sem cachorro, forçando a vista e a cabeça para internalizar regras que não fazem o menor sentido. Decoro-as por 5 minutos, quando preciso consultá-las e logo esqueço novamente. Será que a matéria prima (com ou sem hífen?) que utilizo para me expressar e, de certa forma, para existir virou conteúdo para ser decorado e não mais sentido? Tudo isso para vender mais livros... O acordo atinge 5% da língua e 100% da paciência de quem precisa usá-la corretamente. Dessa piada de português, ninguém achou a menor graça. Nem nós, nem eles!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Presa à liberdade

A liberdade exige escolhas muitas vezes difíceis. Quem está preso numa cela, num emprego, num relacionamento não tem ideia do que ela representa. É preciso ter coragem para ser livre. Há um preço a pagar pela oportunidade de estar solto sem qualquer obstáculo que tolha os movimentos, ainda que a própria liberdade o faça.

Há meses, a jornalista Gloria Maria concedeu entrevista em que a palavra “liberdade” foi repetida inúmeras vezes. Segundo ela, essa fixação remete a uma origem histórica por sentir-se pioneira entre um povo retirado à força de sua terra e subjugado em todas as partes do mundo para onde foi levado e até mesmo em seu próprio continente. Não há dúvidas de que se trata de uma mulher que, há décadas, vem mantendo com pulso forte e muita integridade uma carreira bem sucedida apesar de sua cor e de sua origem. Não há escândalos envolvendo seu nome. Não há qualquer fato que denigra sua imagem. Um excelente exemplo de mulher livre, mas só ela sabe os preços que pagou por suas escolhas.

Há quem prefira seguir ordens a ter que carregar sozinho o peso da responsabilidade por potenciais escolhas autônomas, ainda que a liberdade possa se manifestar justamente via omissão.

A atriz e cineasta francesa Fanny Ardant, em recente visita ao Brasil, espalhou as sementes da apologia da desordem, chamando atenção para os perigos trazidos por uma vida equilibrada em contraposição aos riscos da liberdade. Relatou emocionada a história de mulheres que durante o movimento feminista foram perseguidas por preferirem ficar em casa cuidando do marido e dos filhos a sair para trabalhar fora. Mas quem vê hoje o fruto de famílias desestruturadas pelas jornadas duplas e triplas das matriarcas modernas se questiona sobre o preço pago pela falta da liberdade de não ter que seguir correntes de comportamento.

Existe uma cobrança pelo pouco apego às conveniências e a tudo o que o mundo em que vivemos considera ideal. Poucos compreendem o esforço para equilibrar autonomia e livre-arbítrio diante dos padrões impostos pelo condicionamento do inconsciente coletivo.

Recentemente, precisei testar não só minha liberdade como minha convicção em mantê-la diante dos olhos alheios. Tive nas mãos oportunidades de emprego no setor público e privado que não me agradavam e que nem de longe compensariam a falta de grana que minhas horas livres me trazem. Declinei de todos. “Verdadeira loucura!”, disseram uns. “Nos dias de hoje...” “Aos trinta e cinco anos...” “O mercado de trabalho...”, refletiram outros. Especialmente, os que me consideravam uma felizarda pela aprovação em um concurso público que se mostrou mais tarde uma tremenda trapaça.

Nunca me senti tão responsável. Posso dizer que cheguei a um ponto da vida em que sei exatamente o valor do meu sacrifício. Nunca me senti tão coerente. Passaram os anos e continuo acreditando que o ritmo da maioria é que é insano, não o meu. O luxo essencial para alguns não vale mais o meu suor.

Ter um carro, por exemplo, seria primordial, se tudo o que precisasse não fosse apenas chegar em casa, ligar o som, acender um incenso e submergir na água de cheiro fresca da minha banheira no final de um dia de calor.

Viajar ao exterior é bom demais, mas, na falta disso, tenho tido a oportunidade de conhecer lugares vizinhos que estavam debaixo do meu nariz e me presenteiam com a cultura do meu povo, que agora trago registrada nas lentes de minha câmera e nos arquivos da minha memória. Para quem gosta de estrada, como eu, o que vale é a descoberta, não interessa o quão distante ela esteja de casa. A felicidade precisa ser exercitada com o que se tem à mão.

De que importa o conforto de um escritório e um salário maior, se teria que atravessar uma via crúcis para chegar nele, desgastando minha saúde e me privando de ver os alunos se desenvolverem e curtirem aquilo que tenho para lhes dizer? Não me parece possível ser feliz copiando uma história que não é a minha.

Assumo que meu único compromisso é com meu bem estar e, na medida do possível, daqueles que amo. Sei que corro riscos a partir das escolhas que faço em prol da liberdade. Risco de o salário não chegar até o final do mês, risco de passar por alguma situação violenta dentro da favela onde trabalho à noite, de nunca aparecer uma outra oportunidade de emprego pela qual me apaixone, de morrer só, por não ter casado nem ter tido filhos, e tantos outros. Mas, convenhamos, quem mais nesse planeta não corre praticamente os mesmos riscos que eu?

sábado, 14 de agosto de 2010

Utilidade Pública em números

De pé na fila, com um sapato e um casaco na mão, finalmente chegara sua vez. O caixa oferece: “O valor de R$ 150,00 pode ser parcelado em até oito vezes”. Apesar da quantia disponível no banco, a oferta é aceita. Quando chega a primeira fatura, a surpresa: juros! “Aquela filha da pxtx no caixa não falou nada sobre juros!” No dia seguinte, nova fila. Ufa, conta paga. Os R$ 150,00 foram pagos integralmente. Nove meses depois, nova surpresa: “O quê? Estão me cobrando os juros?” “É, senhora, primeiro a senhora deve estar pagando, então a senhora pode estar reclamando...” Depois de muita discussão, o socorro veio pelo número 08002852121 e pelo e-mail defesadoconsumidor@camara.rj.gov.br. A Dra. Anísia foi a empenhada servidora da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro que lutou contra a C&A e resolveu a questão: suspensão das cobranças e devolução da quantia paga indevidamente.

Depois de doze anos de uso, a máquina de lavar morreu. Dois meses lavando roupa na mão até que finalmente todo o dinheiro necessário fosse economizado para a compra de uma nova Eletrolux. Uma semana depois de o dinheiro ter saído da conta, chega a máquina. Já nas primeiras lavagens, a decepção: mesmo limpando o filtro no final de cada utilização, as roupas saem cobertas de fiapos! Dez dias depois, a máquina devolve a roupa com pedaços de uma peça que se partira durante a lavagem. O serviço autorizado agenda a visita de acordo com a disponibilidade do técnico, claro, no melhor estilo “é pegar ou largar”. Desmarcam-se todos os compromissos, inclusive os profissionais, para aguardar a tão esperada visita. O carteiro bate. O síndico bate. A testemunha de Jeová bate. O dia acaba e nem sinal do técnico! Na autorizada: “Ué? Ligamos para seu telefone e não tinha ninguém em casa!” Depois de muitos marimbondos cuspidos via Embratel, foram feitos novos agendamentos. Um mês e várias reclamações no SAC da empresa depois, nada havia sido resolvido. Desta vez, o socorro veio pelo site http://oglobo.globo.com/servicos/defesa_consumidor/defesa_consumidor_1.asp da Defesa do Consumidor do Jornal O Globo. E sob a ameaça de publicação da carta zangada da consumidora no jornal de domingo, em dois dias o técnico substitui a peça em três minutos!

Em uma bela manhã de sol de julho de 2009, o telefone toca e uma funcionária de telemarketing do Banco Cruzeiro do Sul inunda o ar com seus gerundismos desnecessários para oferecer um cartão visa internacional sem anuidade. Para não desconfiar da esmola farta, a cada mês em que houvesse uso do cartão o valor de R$ 15,00 seria descontado em folha sob título de pagamento mínimo. Tudo andava bem até que exatamente um ano depois da proposta feita, os tais descontos em folha passaram a ser ignorados pelo banco e cobrados indevidamente na fatura. “Jesus, será possível que vai começar uma nova briga?” A funcionária gerundista insiste: “Em casos como esse, orientamos o cliente para que esteja enviando por fax ou carta a cópia do seu contracheque e nós estaremos analisando sua reclamação...” “Ah! Então há outros casos como esse! Um ano atrás, quando vocês ligaram implorando para que aceitasse o cartão, não disseram que eu deveria possuir um aparelho de fax! Então, vocês me roubam e eu é que tenho que provar que fui roubado?” Consciente de que no Brasil o cliente nunca tem razão, o consumidor escaldado procura novamente o site do jornal. Na mesma semana, em novo contato com a central de atendimento do cartão, o discurso é outro: “Desculpe, houve um engano, o pagamento deve ser feito com desconto do valor que já foi subtraído da sua folha de pagamento...” E, melhor, sem gerúndios!!!

É preciso brigar, e brigar muito ainda para ser respeitado no Brasil. A compra é uma opção, a reclamação é um direito, mas usar os órgãos de Defesa do Consumidor tornou-se uma obrigação. O consumidor brasileiro hoje é multifunções: pesquisa, escolhe, procura, paga, usa, briga e ainda tem a responsabilidade de educar aqueles que deveriam servi-lo. Os casos relatados referentes às empresas C&A, Eletrolux e Banco Cruzeiro do Sul são verídicos, assim como são verídicos o telefone, o e-mail e o site divulgados neste texto que estão à disposição de todos. Usem e abusem. A guerra está declarada. Vamos à luta que a briga é boa!

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Perebentos

“Os caras que gostam de futebol são violentos
eu não gosto tanto porque sempre quando jogo me xingam de perebento...”
(Djangos, “O Futebol”)

Hoje o Brasil foi eliminado da Copa do Mundo. Se alguns lamentam a saída da competição por terem que voltar à labuta em horário integral, outros respiram aliviados por não terem sido eliminados pela Argentina. Há, ainda, os que riem da arrogância e da ignorância de Dunga. Eu me incluo em todas as opções acima, apesar de não ter sido tão beneficiada pelas dispensas do trabalho.

É curioso como o esporte bretão consegue envolver culturas tão diferentes e se tornar uma espécie de inconsciente coletivo mundial. Durante os jogos da copa, os canais de tv mostravam torcedores ao redor do mundo largando seus serviços para torcer. Nessas horas, vemos que ingleses, franceses, argelinos, italianos, japoneses e brasileiros são todos farinha do mesmo saco. Capazes de sorrir e de chorar por vinte e dois marmanjos correndo atrás de uma bola. Povos que, de quatro em quatro anos, colocam seus corações e suas mentes na ponta das chuteiras de seus guerreiros jogadores.

Entretanto, dois povos podem ser considerados exceções. Curiosamente, duas nações diametralmente opostas. Uma é o símbolo máximo da prepotência capitalista, os EUA. A outra, a pior representante possível dos poucos sobreviventes do bloco comunista, a Coreia do Norte.

Dos norte-coreanos pouco se sabe, porém, divulgou-se que o regime ditatorial que governa o país privaria a população de assistir aos jogos de sua equipe. Sendo assim, dos países participantes desta Copa, a Coreia do Norte não pode ser incluída entre aqueles cuja população se entrega à histeria coletiva provocada pelo futebol.

"Futebol é um jogo de pobre." (Dan Gainor, analista do Media Research Center)

Já os americanos, ninguém sabe muito bem o que estavam fazendo na competição misturados “ao resto do mundo”. O futebol não é um esporte muito popular por aquelas bandas e, ao que tudo indica, vem sendo contundentemente rechaçado por jornalistas de direita. As citações destacadas neste artigo são exemplos dessas demonstrações públicas de desprezo ao esporte.

"A esquerda está impondo o ensino de futebol nas escolas americanas, porque a América está se 'amarronzando'."

O radicalismo do chefe de Estado norte-coreano em nada fica a dever aos exaltados republicanos norte-americanos que chegam à loucura de associar as políticas de Obama e o crescente entusiasmo de seus colegas jornalistas pelo futebol a uma suposta simpatia pelo socialismo. Para piorar a grossura desse pirão, associa-se essa prática esportiva à presença cada vez maior de imigrantes latinos no país. A associação torna-se incontestável diante da qualidade das equipes hermanas no mundial.

"Não importa quantas celebridades o apoiam, quantos bares abrem mais cedo, quantos comerciais de cerveja eles veiculam, nós não queremos a Copa do Mundo, nós não gostamos da Copa do Mundo, não gostamos do futebol e não queremos ter nada a ver com isso." (Glenn Beck, comentarista conservador da Fox News)

Mas, politicamente falando, é ótimo poder participar de um evento mundial em que os americanos (literalmente) não apitam nada. E ninguém liga para o que eles pensam, ou dizem. E ninguém está nem aí se eles não aparecerem para gastar seus dólares. Com o tempo, todos já estão se acostumando com o empobrecimento americano e ninguém parece lamentar muito isso. E mesmo que eles ajam como meninos mimados (e perebentos) que não querem brincar porque sabem que não vão vencer, pelo menos no futebol eles não incomodam ninguém. Porque pelo menos no futebol pobres e ricos têm a mesma chance.

As atuações das equipes em campo têm mostrado que as diferenças entre clubes riquíssimos ou campinhos de várzea não fazem com que a Inglaterra tenha muito mais sucesso do que o Brasil ou Gana. E comprovando a teoria em questão no artigo de hoje, mesmo as diferenças políticas são reduzidas a pó quando a bola rola. Guerras civis são interrompidas durantes os noventa minutos de jogo, e nações historicamente rivais confraternizam no final de cada partida dentro de campo e nas arquibancadas.

Provocações à parte, só mesmo o futebol para colocar no mesmo balaio Estados Unidos e Coreia do Norte, para fazer brasileiros pararem na frente da tv em uma manhã de sábado para torcer para a Alemanha, para ver franceses perderem a pose, para ver loiras serem expulsas de estádios, ou para promover um acerto amigável de contas entre colonizadores e colonizados, como nos últimos jogos entre Portugal e Brasil, Espanha e Chile. Mas, só por via das dúvidas, na próxima copa do mundo, Deus permita que tenhamos um técnico, pelo menos, educado e que Mr. Mick Jagger resolva torcer para a Argentina!

terça-feira, 1 de junho de 2010

Formação de quadrilha

João era um cara bonito de doer. Ele sabia que era irresistível e podia ter quem quisesse. Exceto a mulher que amava, justamente porque Teresa não o queria. Enquanto isso, ia se virando como podia: pegava todas que se permitissem. E muitas se permitiam. Nesse ritmo, machucava muita gente porque era apaixonante, mas não era apaixonável. João se entediava com a facilidade, não dava valor, talvez por isso sofresse por Teresa.

João tinha um vizinho chamado Raimundo, um cara batalhador, cumpridor de suas obrigações, pagava as contas em dia. Também no amor, cumpria bem suas funções, era um homem respeitador, sério. Homem para casar. Namorava Maria, mas ainda tinha esperança de voltar a se apaixonar um dia. Enquanto isso, ia levando a vida interpretando seu papel, agindo de acordo. Um dia de cada vez, até que a vida acabasse.

Num bairro próximo dali, Joaquim agonizava. Sua vida acabara há muito tempo, só que ele havia notado. Já não saía de casa. Não falava com os amigos mais chegados. Tentava cavar espaço em ambientes desconhecidos, mas sempre alguém tentava se aproximar. Nem a solidão lhe era permitida. Joaquim se considerava a imagem do fracasso. E tudo isso começou quando Lili desistiu de seu pessimismo e o pediu para partir. Ele teve que voltar para a velha casa, a velha mãe, o velho bairro, a velha vida nova.

No afã de pagar suas contas, Raimundo não notava os suspiros de Teresa. Ela admirava a retidão de caráter, a disciplina, o caminhar austero de Raimundo. Até perdoava a insensibilidade para seus olhares e sorrisos. Sabia que isso vinha no pacote. Acreditava que se um dia tivesse alguma chance, possíveis rivais também padeceriam com olhares não correspondidos. Essa segurança era seu sonho de consumo. Enquanto isso, ia esperando algum sinal. Um sorriso inesperado, um bom dia mais demorado, alguma amostra de que Maria pudesse ser substituída. Esperava já há 3 anos.

Apesar de se esforçar para se manter só, Joaquim acabava chamando atenção de mulheres transbordando de carinho e carentes de atenção. Uma delas era Maria, desconfiada do amor burocrático de Raimundo, não conseguia não notar a solidão de Joaquim. Só não a sabia voluntária. Tinha pena, queria ajudar, mais do que isso até. Mas ele não deixava, se esquivava. E Maria se sentia cada vez mais só. Seu carinho acumulado doía no peito como leite empedrado de mãe.

Lili tinha consciência da dor de Joaquim, mas entre a dor dela e a dele, ela preferiu a dele. Assim que ele partiu, ela fez as malas e foi ser feliz. Viajou, conheceu novas culturas, novos lugares e novos homens, se cansou de todos e percebeu que ninguém a satisfaria. Decidiu construir um mundo em que ela se bastasse, fechou a porta e foi viver lá dentro. A vida era divertida. De vez em quando, abria uma janela e deixava alguém mais entrar. Mas logo a porta reabria e Lili tinha todo o espaço só para si novamente.

Um dia, Lili foi designada para um projeto no mesmo escritório de Raimundo. A liberdade dela o enebriava. Perto dela, Raimundo se pegava pensando em possibilidades nunca antes imaginadas. Ao perceber o novo caminhar daquele homem antes tão rígido, Teresa se deu conta de que não era a causa daquela mudança. Desesperada, se despediu de todos e entrou para um convento. João bem que tentou dissuadi-la, mas ao ver que não conseguiria, arranjou uma transferência no emprego e foi tentar a vida em outro país.

Ao despedir-se do amigo, João diz a Raimundo para aproveitar a vida antes que ela passasse. Raimundo sorriu e concordou. Correu de volta para o escritório, decidido a declarar-se a Lili. Em um cruzamento, a pressa o fez ultrapassar o sinal sem ver o carro que vinha na direção contrária. A história acabava ali para Raimundo, sem que a esperança de um novo amor chegasse a se concretizar.

Num bairro próximo dali, agonizando, Joaquim é levado para o hospital, mas a dose de remédio havia sido forte demais e seu corpo já tão debilitado por meses de sofrimento diário não resistiria. Maria, que já amargava a indiferença de Joaquim, perderia Raimundo de qualquer maneira, além da habilidade de dosar o carinho oferecido aos homens que viessem a se aproximar. Assustava-os.

Fernandes, o dono do escritório, ficou impressionado com os resultados do projeto, quis conhecer sua executora e se encantou com Lili. Casaram-se. Viajaram o mundo inteiro e esbarraram com João em Nova Iorque. Lili o reconheceu de uma foto de amigos que vira na mesa do falecido Raimundo. João ficou triste ao saber do amigo morto, mas a vida continuava.

O poeta descreveu o rolo todo assim:

"João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história."

(Poema “Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade)

terça-feira, 11 de maio de 2010

Quero ver se você tem atitude, se vai encarar*

...Wait just one minute here

I can see that she's trying to read me

She's going to change the world

but she can't change me

(Chris Cornell - “Can't change me”)

Há umas mulherezinhas insuportáveis. Insuportáveis no sentido de intragáveis. Intragáveis no sentido de difíceis de engolir. Em pouco tempo, a presença delas se faz notar em qualquer ambiente. Conversam sobre qualquer assunto. Fazem amizade com todo tipo de gente e se saem bem em qualquer situação. Não se intimidam mesmo diante dos mais rebeldes. Self made women. Que raiva tenho delas.

Elas se arrependem de ter feito coisas que muita gente lamentaria não ter vivido. Os canalhas e os babacas que cruzaram seus caminhos saem de suas vidas mais miseráveis do que os babacas das outras. A vida parece ser menos dura para elas. E até as pequenas sabotagens diárias são charmosas no cotidiano delas. Que inveja sinto delas.

Elas viajam para lugares que eu gostaria de ir. Elas contam histórias que eu gostaria de poder contar. Elas ouvem músicas que eu gostaria de entender. Elas atraem suspiros que eu gostaria de provocar. Elas soltam risadas que eu gostaria de ouvir. Que horror eu sinto de não ser como elas, mesmo sendo do sexo oposto.

Elas podiam se satisfazer em saber mais apenas sobre cozinha. Elas podiam se restringir em entender de moda. Elas podiam se limitar em falar da tinta do esmalte. Elas podiam se contentar com as novelas. Mas, não! Elas se metem em tudo o que não lhes diz respeito. Política, música, cinema, independência, futebol. Que ódio eu tenho delas.

Um dia uma delas me olhou e riu. Debochou do meu time campeão. Tive vontade de ir embora, mas comi pra mostrar quem é que manda. Na verdade, quase não consegui. Mas até esse sucesso ela teve. Eu detesto todas elas.

Quero mesmo é que trabalhem em lugares perigosos. Que arrisquem a vida e morram. Que parem de nos afrontar. Que parem de se meter. Que parem de nos superar e de fazer o que eu gostaria de fazer. Que parem de conseguir o que eu queria para mim. Que parem de querer nos ajudar.

Eu quero odiá-las. Quero mandá-las calar a boca quando tiverem razão. Mas não posso. Não tenho coragem. Então, as como enquanto olho para suas colegas de trabalho ou canto suas conhecidas, na esperança de que elas descubram. Mas elas dão as costas e vão embora.

Elas sabem quem são. Elas sabem o que podem. Elas sabem o que fazem, exceto quando me amam. Eu não sei. Apenas me vingo dessa espécie rara que eu não respeito, que é só um objeto pra usar e jogar fora depois de ter prazer.

Então, tá combinado é quase nada, é tudo somente sexo e amizade, porque isso é tudo o que aguento receber delas. E também não há nada melhor que eu tenha para oferecer em troca. Elas podem mudar o mundo, mas não a mim.

(O título desta coluna foi retirado da música de Ana Carolina, “Cabide”. As músicas “A Dança”, da Legião Urbana, e “Tá combinado”, de Caetano Veloso, também foram citadas nesta crônica.)