domingo, 2 de dezembro de 2007

Sous le même ciel

“Rio de baixadas com seus vales
Vale a pena
Sua pobreza é quase um mito
Quando fito seus contornos
Lá do alto de algum dos seus mirantes
Que são tantos
E quem te disse que há miséria só aqui
Quem foi que disse que a miséria não sorri
Quem tá falando que não se chora miséria no Japão
Quem foi que disse não existem tesouros na favela
Então...
Tudo vale a pena
Sua alma não é pequena”
(“Tudo vale a pena”,
Pedro Luís e Fernanda Abreu)

À minha frente, a tela branca parecia instigar ainda mais a expectativa pelo começo da sessão. A exemplo do comercial daquele conhecido canal de filmes antigos da tv a cabo, é quando o filme começa que deixamos de viver as nossas vidas e passamos a viver a vida das personagens que vemos nele. E quando as luzes se apagaram, Paris, Je t’aime deu o ar da graça da bela cidade dos amantes e de personagens como eu e como você em situações que milhares de pessoas, como nós, passam todos os dias nas mais diversas partes do mundo, mas sem a sorte de estar lá.

O frio dentro da sala do cinema tornava-se mais intenso e a cidade luz, mais distante à medida que novos casais se formavam nas diferentes versões de cada diretor. Entre os vários pares representados no filme, o do segmento “Faubourg Saint-Denis”, do diretor Tom Tykwer, formado por uma atriz americana em começo de carreira (Natalie Portman) e por um rapaz francês cego (Melchior Beslon), foi o que mais tempo povoou meus pensamentos. Obviamente, o cinema não deixaria de mostrar que o rapaz cego era o que melhor enxergava naquele relacionamento. No entanto, mesmo sem surpresas, a história soa como aqueles conselhos que quanto mais ouvimos mais precisam ser repetidos.

E na volta para casa, lembrei de um casal de amigos que queriam ser mais do que isso e não conseguiam. Porque, no mundo real, ele era a metade cega da laranja e ela já não tinha mais paciência para lapidar, polir e esperar. Para piorar, os dois amedrontados por fantasmas do passado mal conseguiam caminhar na mesma direção e davam voltas em torno de suas próprias órbitas imaginárias; às vezes, colidindo, às vezes, se afastando, em sistemas solares mal desenhados.

Na ficção, o lirismo teve espaço garantido pela graciosa interpretação de um casal de mímicos e do único falante deste trecho do filme, o filhinho engraçado desse casal. Um desfile de pares de várias gerações e diferentes origens passa pela grande tela. Entretanto, nem mesmo em Paris e nem mesmo no cinema todos os finais são felizes. E até em Paris, Je t’aime, algumas pessoas solitárias aprendem a celebrar a vida do jeito mesmo como ela é – um sorteio: alguns tiram o grande prêmio; outros, prêmios menores; e há aqueles que saem sem nada, mas nem por isso ficaram de fora da brincadeira. Pela janela do ônibus, vi meu nome pichado nos muros, subúrbio adentro. O frio diminuía. Paris est ici.