quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Horário nobre: o novo ópio do povo

Férias! Enquanto lavava a louça do café, preparei o almoço. Já com a mesa posta, da cabeceira, acionei o controle e liguei a TV para ver os noticiários. Neste horário, as notícias costumam ser um pouco mais leves. Nos intervalos entre os jornais local, esportivo e o da tarde, as chamadas da programação anunciavam as novelas daquele canal.

Primeira chamada: da novela do horário das 18 horas. Duas cenas. A de um médico ameaçando a mãe de um paciente internado no hospital e a de um homem que, para forjar um roubo, plantava uma jóia na bolsa da mãe do próprio filho a fim de incriminá-la. Todas essas atrações para o horário da Ave Maria!

Franzi a testa horrorizada com o enredo tenebroso e as notícias do curto jornal local não ajudaram a desfazer as rugas. Absolutamente nenhuma boa notícia para a Cidade Maravilhosa. Não é possível que nada de bom esteja acontecendo por aqui. Na pior das hipóteses, temos o Arpoador, a Urca, o Jardim Botânico, bons filmes nacionais em cartaz, rodas gigantes, gente fazendo coisas boas por aí. Nenhum jornalista é capaz de apurar boas novas?

Entre o jornal local e o esportivo, novo bloco de reclames. Desta vez, uma das cenas que anunciava a “novela das 7” era a de uma personagem que, odiada na cidade, se fazia de boazinha para a filha, provavelmente com intenções eleitoreiras. Tentei prestar atenção nas cenas seguintes, mas a perplexidade com a baixa qualidade de parte do elenco me fez engasgar...

Minutos depois, o noticiário esportivo mostrou a decadência de um tradicional clube carioca que, não podendo bancar seus atletas olímpicos, decidiu manter apenas algumas modalidades esportivas. Coincidência ou não, a que é mais favorecida por “erros” de arbitragem (consequentemente, obtém mais títulos) e arrecada mais recursos para o tal clube será mantida.

Dei-me conta de que sustentava no rosto um sorrisinho sórdido, reflexo de uma vontade enorme de ver o tal clube, que querendo ou não é um patrimônio da cidade, de portas fechadas por conta menos da crise econômica do que de um histórico de ingerência.

O cinismo quase me impediu de ver que o maior prejudicado seria o esporte carioca, cada vez menos representado nas delegações olímpicas. Competitividade não é isso. Até estranhei meu comportamento.

Novo intervalo comercial e, desta vez, a chamada da novela do horário nobre presenteou a audiência com cenas da personagem que recebe a melhor amiga em casa e, provavelmente, perderá o marido para ela, apesar de ser uma esposa (e amiga) exemplar. Logo em seguida, as imagens de uma mulher rebolando como prostituta num reality show invadem a tela.

Notei agora que já não mastigava os alimentos como deveria. A atenção que precisava ser canalizada para a prática de uma alimentação saudável havia sido desviada para uma avalanche de más notícias e cenas desagradáveis que remetem à mentira, à traição, à vingança, à vulgarização da imagem da mulher (décadas de luta pela conquista de um espaço justo na sociedade jogadas fora).

Definitivamente, tv não faz bem para a digestão. Desliguei a máquina de fazer loucos e segui com meu pequeno banquete tentando resgatar a serenidade perdida.

Enquanto lavava a louça do almoço, tentava identificar que tipo de mensagem estaria tentando passar um veículo que se propõe a entreter e assola o público com pulgas que certamente se instalarão atrás de orelhas inocentes ou com padrões de comportamento que muito provavelmente serão adotados por ingênuos que tendem a repetir o que vêem seus artistas favoritos interpretando na telinha.

Obviamente, nem só de más notícias e maus exemplos são feitos telejornais e teledramaturgia, mas o fato é que essas são as iscas lançadas para fisgar pontos no ibope e contas publicitárias. E se as pessoas se deixam fisgar por más notícias e maus exemplos, esse pode ser um sintoma de uma febre endêmica que precisa ser investigada.

A vaidade que alimenta a indústria das celebridades pode ser a grande responsável pelas aberrações que vemos na TV todos os dias. Desde o rapaz com o orgulho ferido que decide manter a ex-namorada em cativeiro para o país todo ver, até artistas que expõem a própria vida em capas de revistas para jornalistas sensacionalistas, passando pelos meninos do tráfico que matam e morrem por um tênis Nike ou pelo estilo de vida dos traficantes disfarçados que conseguem seus minutos de fama nos programas de tv ou nos clipes da MTV.

Precisamos readquirir senso crítico, se é que já o tivemos algum dia. Precisamos separar o joio do trigo e voltar a dar voz a quem tem algo a dizer. Dar espaço a quem tem algo de útil para mostrar. Onde foi parar a responsabilidade do comunicador, se é que ela já existiu algum dia?

Não quero que nossas meninas cresçam e pensem que precisam roubar o marido da amiga para se sentirem realizadas. Não quero que nossos meninos cresçam achando que mulher boa é a que rebola como prostitutas para excitar seus machos. Quero ver na TV alguém que diga para o povo que nem tudo o que é comum é correto e saudável.

Passei o resto daquele dia e vários dias seguintes com a tv desligada. Aproveitei para ler vários livros. Com eles, aprendi muitas coisas novas, mas isso é assunto para um outro texto. O que eu quero aqui é pedir para que você que está lendo este texto – é você mesmo! – me avise, por favor, quando isso tudo que pedi no parágrafo anterior começar a acontecer. Porque até lá, minha tv só vai ser ligada em horários cada vez mais nobres.
Você pode me fazer esse favorzinho?