terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Marx não imaginou isso


E mais essa agora... Na mesa de um bar, aquela moça que mal conhecia resolvera empurrar para cima de mim seus questionamentos emocionais. Pertinentes, vá lá! Mas logo eu? O que sei eu, tão cheia de dúvidas quanto ela. Contou-me com pormenores seus azares afetivos, sempre sob a luz da luta de classes. Falou de um ex-namorado pobretão a quem encontrou, poucos dias depois do rompimento, já acompanhado, vestido da cabeça aos pés com os presentes que recebera dela.

E da última desilusão – um belíssimo rapaz que a procurava para afastar o tédio, satisfazer suas necessidades físicas, alimentar o próprio ego, e ainda agia como se favor fizesse estando ao lado dela. Um homem de parcos recursos por quem ela inúmeras vezes havia se despido de suas convicções e preferências. E, ainda por cima, a maltratava repetidamente na intenção de induzi-la a terminar o romance para poder curtir outras mulheres sem culpa.

Quanto mais ouvia, menos acreditava nos meus ouvidos. Aquela mulher culta, estimada e admirada pelos amigos, bem empregada e independente não combinava com o que sua boca chorosa dizia. Eu não conseguia articular uma palavra. E nem tentava. Não tinha coragem. Não sabia se me indignava com ela ou com a burrice dos homens que passaram por sua vida sem reconhecer com quem estiveram. Até então, imaginava que homens pegavam senha para estar com ela, mas a história era outra.

Aquela mulher, do alto de suas convicções políticas, não sabia se, ao se valorizar, estaria se superestimando e menosprezando homens de condição inferior. Ou, se para assuntos de amor, deveria abandonar sua educação socialista e se relacionar apenas entre iguais, a elite intelectual de sua geração.

Ela dizia que pessoas são pessoas, não importando de que classe social vinham, que educação tivessem recebido ou em quantos cômodos viviam. Pensava mesmo que se sentia mais à vontade entre operários, empregados e subalternos. Talvez, um certo complexo de inferioridade a motivasse a estar sempre entre os menos favorecidos. Ou, quem sabe, algum fetiche com os homens da classe operária...

Contudo, depois de tantas desilusões, começava a mudar de idéia sobre os homens que encontrara. Se todos seriam motivo de aborrecimento e lágrimas, por que não desfrutar de um pouco de conforto das próximas vezes? Jantar e não ter que pagar a conta; não precisar dirigir; ser levada para casa (ou melhor ainda, para outra casa); ganhar presentes, em vez de dar; ouvir elogios, em vez de fazer; perguntar ao invés de responder. O mundo podia ser mais suave. Já olhava com simpatia para os vizinhos de bairro e os colegas de trabalho. E, à medida que a cerveja ia fazendo efeito, conseguia até flertar com os rapazes da mesa ao lado. Saí antes de ver o desfecho de tantas lamentações misturadas a tulipas de cerveja e considerações socioeconômicas. E até hoje, penso naquela mulher, sem entender em que momento Marx e amor se misturam.

A ilustração que melhora esta coluna é de Alexandre Antunes. Thanx, guy!