sábado, 17 de maio de 2014

Meus bons amigos



"Meus bons amigos onde estão", Frejat abre um dos seus hits com uma pergunta que muitos se fazem, mas poucos admitem. Eu tenho uns poucos, posso contar nos dedos das mãos. Amigos meeesmo. Aqueles que não vivem grudados comigo, pois, se assim fossem, provavelmente não me aguentariam - a distância é também parte do instinto de sobrevivência da amizade, sabiam? Mas sei que são amigos.
E como é que faz pra saber quem é e quem não?
Os meus, além de não estarem sempre perto, sabem a hora certa de aparecer. Intuem que conquistas são feitas para serem compartilhadas e não têm qualquer problema ou dificuldade em iluminar o outro com sua nobre presença. Nem é preciso dizer que a inveja pela glória alheia é colocada na mesa e revertida em desejo de que novas invejinhas venham, seja em forma de viagens, de conquistas, de histórias boas pra contar. Eu sou assim com eles, eles são assim comigo.
Num dia desses, precisava dormir mais cedo e achei que chamaria o sono assistindo a "Marley e eu", mesmo detestando filmes de bichinhos. Enquanto morria de rir com as travessuras bizarras do labrador protagonista, pensava por qual razão alguém manteria um cachorro enlouquecido como aquele. Obviamente, ao final do filme, depois que a ficha já havia caído e a ligação concluída, me perguntava quantos "amigos Marley" cada um de nós mantém. Ou, pior, quantos de nós somos amigos Marley?
Admito que eu mesma não sou das mais fáceis. Um dos meus melhores amigos mandou por sms versos de uma música que falava sobre vento forte que não quebra nem entorta, mesmo depois de ter aturado malcriações e crises de ciúmes brabíssimas despudoradamente assinadas por mim.
Viajei com minha-praticamente-irmã, por quase um mês, e minha heroína me aturava cantarolar uma música nova a cada palavra inglesa que lembrasse uma melodia. Ou seja, O TEMPO TODO! Só os chegados conseguem ter noção do quão terrível isso pode ser, porque, além de desafinada, eu reinvento as letras.
Desconfio que esses são os verdadeiros testes. É na hora do aperto que descobrimos de que matéria são feitas as pessoas que nos cercam. E nos últimos anos, os apertos peneiraram as pessoas que conheço. E poucas sobraram sobre a tela. Aquelas que correram para segurar minha mão quando o pior aconteceu. As que disseram "na hora que precisar, chama" e, quando eu chamei, realmente apareceram. As que não esperaram eu chamar. O amigo de infância que sofreu e chorou junto. A amiga que surpreende com flores e quitutes que acalmam o coração. Não é coincidência que essas mesmas pessoas apareçam abraçadas comigo em registros de momentos felizes também.
Pensando em todos esses momentos bons e ruins, concluo duas coisas. A primeira é que não sei, sinceramente, se estou à altura de pessoas como eles. Não sei, mesmo, se conseguirei um dia ser pra eles o que são pra mim. Essa gente que emerge do monte de coisas que têm pra fazer e cava um jeito de me pegar pela mão e me levar pra um mundo fora do meu próprio umbigo, mesmo que seja doloroso pra eles também.
 A segunda é que há uma boa diferença entre gostar de uma pessoa e ser amiga dela. Admiro e gosto de muita gente. Gente boa, divertida, inteligente, de todo jeito. E acho que há um bocado de gente que até simpatiza comigo apesar do meu temperamento. Mas, desse monte de flor que cultivei, reguei, colhi para embelezar meu jardim, as folhas que, mesmo depois das tempestades, permaneceram intactas, firmes, juntas aos meus galhos, essas vão virar marcador para as melhores páginas do meu livro da vida.
“E meus amigos, cadê? Minha alegria, meu cansaço...” (Adriana Calcanhotto)