Na minha terra, qualquer troca de ideias, mesmo numa mesa de
bar, que comece com “bota uma coisa na tua cabeça” não é uma troca de ideias. É
uma tentativa de imposição de uma ideia sobre a outra. Meu primeiro impulso é
tirar imediatamente o time de campo. Mas, por algum respeito à civilidade, faço
cara de paisagem e finjo que participo daquilo que deveria ser um diálogo e,
invariavelmente, descambará para um monólogo.
Meus pais tiveram cinco filhos. Organizavam muito bem as
guerras de ego e competitividade entre nós. O discurso era simples, curto e
grosso, para que não houvesse ruído na comunicação ou falhas na interpretação:
“Não se compare. Ele é ele. Você é você.” Isso servia para todas, eu disse
TODAS, as ocasiões. Porque eles não faziam cobranças a um filho com base na
experiência do outro. Não eram psicólogos, catedráticos, acadêmicos. Mas
compreendiam muito bem o sentido da palavra pluralidade. Afinal, tinham um
laboratório fervilhante em casa.
Trouxe esse discurso dos velhos pra minha vida. Observo as
experiências dos meus irmãos, dos amigos, dos colegas e até de gente que nem
conheço. Ouço tudo. Dou uma peneirada. O que me serve, aproveito. O que não,
descarto. Por incrível que pareça, consigo fazer isso sem pirar com
comparações. Quando começo a babar demais na trip de outra pessoa e querer
imitá-la, paro e penso, “peraí, essa vida é a dela, não a minha”. E volto pro
eixo.
Essa percepção começou quando entendi que havia uma
diferença entre quem eu sou e quem eu quero parecer que sou. E quando essa
diferença aumenta muito, ou seja, quando quero parecer algo que não sou, me
sinto ameaçada pela concorrência. A concorrência no trabalho, a concorrência no
esporte, nas redes sociais, nos relacionamentos e a concorrência de ideias.
A competitividade exagerada vai além do respeito pelo outro.
Esbarra no respeito por si mesmo. Vai além do hábito de subestimar o outro.
Tenta proteger a imagem criada para si mesmo, supostamente ameaçada por uma
ideia diferente. Gera uma agressividade proporcional à violência que a pessoa
se auto inflige quando tenta parecer o que não é. Faz as pessoas enxergarem
indiretas onde não há. Faz as pessoas invadirem as páginas e publicações
alheias para provocar e discutir por se sentirem atingidas por algo que sequer
lhe diz respeito. Enfim, dá margens aos maiores destemperos de que já tivemos
notícias.
E há os egos que não se satisfazem com pouco. Fazem questão
de dar a última palavra, especialmente nas conversas alheias. Muito antes da
internet, Tom Jobim e João Gilberto já descreviam muito bem esses ególatras na
letra de “Discussão”: “se você pretende sustentar opinião e discutir por
discutir só para ganhar a discussão...”. E sentenciam: “já percebi a confusão,
você quer ver prevalecer, a opinião sobre a razão. Não pode ser, não pode ser.
Pra que trocar o sim por não, se o resultado é solidão? Em vez de amor, uma saudade vai
dizer quem tem razão”.
No mundo presencial, tento fazer ouvidos moucos para ideias,
digamos, “esquisitas” que chegam à minha percepção. Afinal, dita a lei da boa
convivência, é preciso aprender a lidar com todos os tipos de pessoas, ou, no
mínimo, tolerá-las. Mas o mundo virtual é o meu clube privé. Fecho a porta e
passo o rodo sempre que possível em gente que insiste em me importunar com
sandices, preconceitos e extremismos. A mim, já bastam os absurdos a que somos
submetidos nas ruas e nos meios de comunicação de massa.
Exagero, meu? Destempero? Tirania? Pode ser. Mas eu preciso
proteger meu ego também. E fecho com Ferreira Gullar quando diz: “prefiro ser feliz
a ter razão”. E ter razão, além de insuflar o ego, dá muito trabalho...