Na noite de sua morte, só consegui sentir tristeza ao rever as cenas de Michael dançando e cantando ao lado dos irmãos no grupo Jackson 5. Até então, apenas a imagem excêntrica do artista me vinha à mente. Dois dias depois, senti um nó na garganta ao ver as pessoas cantando e dançando como ele nas ruas de Londres e Paris, uma forma de exorcizar a tristeza pela morte do cantor.
É impressionante a capacidade do ser humano em conseguir aproveitar o lado bom das pessoas. Só um artista com o talento de Michael poderia se dar ao luxo de mudar de cor, virar alvo de piadas e acusações de pedofilia, adotar um estilo de vida e atitudes absolutamente excêntricas e, ainda assim, ao morrer ser homenageado com tanta música e dança. No mundo todo, a lembrança que importa é a mesma: sua arte.
Na lista das músicas das quais fujo para não chorar, dois artistas com a mesma inicial figuram no topo: Michael e Milton Nascimento. Desde criança, eles são os campeões de músicas que me obrigam a arrumar alguma coisa pra fazer na cozinha ou mudar de estação. Michael foi a primeira pista que tive de que não é preciso entender a letra para saber o que uma boa música diz. Bastava ouvir “One day in your life”, “Ben”, “Music and me”, “Got to be there”, “I’ll be there” (…) e as lágrimas vinham. Com Milton veio a confirmação, pois desde muito antes de entender o que queria dizer já sentia a melancolia em sua voz.
Através da música tive a primeira experiência consciente de ter a sensibilidade tocada por alguém totalmente desconhecido. Um estímulo externo criado por uma pessoa capaz de causar comoção em quem jamais viu. E, ao ser executada por uma multidão a plenos pulmões, a catarse é inevitável. Só a arte, por meio da música, é capaz de atingir a sensibilidade de tantos estranhos de uma só vez.
Foi assim em 1998, quando o samba “Vai passar” foi lembrado na concentração do desfile da Mangueira no Sambódromo, em ocasião da homenagem da escola a Chico Buarque. Foi assim em 1985, na primeira edição do Rock in Rio, quando um mar de gente provocou uma onda de emoção em “Love of my life”, do Queen. Foi assim em 2005, quando 40 mil pessoas roubaram a música e a voz de Eddie Vedder em “Better man”, durante o show da banda Pearl Jam.
É assim quando a arte toca o público. Não importa a vida pessoal de quem cria e de quem ouve. Ela fica e é mais forte do que qualquer manchete de jornal. A comoção que provoca nas pessoas é a maior prova da sua autenticidade.
I'm asking him to change his ways
And no message could have been any clearer
If you wanna make the world a better place
Take a look at yourself and then make that change!”
(“Man in the mirror”, por Michael Jackson)
Descanse em paz, M.
(“Man in the mirror”, por Michael Jackson)
Descanse em paz, M.