segunda-feira, 8 de agosto de 2005

“Devo estar diminuindo de novo”

Com a proximidade do Dia dos Pais, acho justo prestar uma homenagem àqueles que são presentes, que orientam e educam. Aos orgulhosos e aos zelosos. Acho justo também puxar a orelha dos que não são nada disso e que, muitas vezes, nem sabem o que a paternidade significa de verdade.

Para tanto, busco um texto marcante, provocante e, principalmente, edificante. Para Maria da Graça, é mais do que uma crônica, é um manual do desabrochar, um manual de sobrevivência na selva dos adultos. Um texto de pai para filha. Do pai que todos querem ter, para a filha que todos somos, homens ou mulheres, maduros ou imaturos. Mesmo sabendo que Paulo Mendes Campos, o autor, não tinha uma filha com esse nome, sinto-me adotada por ele toda vez que o leio.

O texto começa dizendo a que veio: apresentar a uma jovem, que chega aos seus quinze anos, o livro Alice no país das maravilhas. E cumpre sua função, utilizando as aventuras de Alice como metáforas para a vida de perigos e dores que se aproxima.

“Estou tão cansada de estar aqui sozinha!”

Quantas vezes durante a vida adulta repetimos as palavras de Alice no fundo do poço? Mesmo cercados de gente. Sobre essa sensação de abandono, o autor sentencia: “A sozinhez (esquece essa palavra que inventei agora sem querer) é inevitável.” Implacável e verdadeiro. Nascemos sós. Morremos sós. E a única mão amiga com a qual devemos contar é a que está no final de nosso próprio braço. Se outras aparecerem, é lucro! Mas há esperanças: Alice consegue sair, abrindo a porta do poço. E poço tem porta? “Só as criaturas humanas (nem mesmo os grandes macacos e os cães amestrados) conseguem abrir uma porta bem fechada ou vice-versa, isto é, fechar uma porta bem aberta.”

“Viver é falar de corda em casa de enforcado”

Na época em que foi publicado, 1979, a chegada aos quinze anos de idade para as meninas de classe média ainda era um ritual de passagem da infância para a vida adulta. E, a todo o tempo, o tom de conselho adotado pelo autor parece nos lembrar que se a cegueira, que faz da infância uma época feliz e irresponsável, nos toma de assalto várias vezes durante a vida adulta, é o amadurecimento que nos traz de volta a luz. É quando a ficha cai que nos damos conta de nossa inocência, não importa se temos 15, 30 ou 55 anos.

“Se tiveres de ir a algum lugar, não te preocupe a vaidade fatigante de ser a primeira a chegar. Se chegares sempre onde quiseres, ganhaste.”

O texto nos diz mais. Ensina que não se deve competir à toa porque mesmo ganhando, às vezes perdemos. Ensina que não precisamos tolerar pessoas intoleráveis; que camundongos devem ser vistos como camundongos, rinocerontes, como rinocerontes e hipopótamos, como hipopótamos, mas que a confusão entre eles, apesar de absurda, é mais comum do que se pensa. E, acima de tudo, ensina a rir, em doses pequenas, médias e grandes das nossas dores e das nossas vaidades, dos triunfos e dos fracassos. Primeiro, porque a própria dor deve ter a sua medida. Segundo, porque mesmo que estejamos diminuindo, sempre haverá um cogumelo que nos fará crescer novamente.
............................Aos meus pais.


O texto Para Maria da Graça, de Paulo Mendes Campos, foi publicado no livro de crônicas “Para gostar de ler”, vol. 4, página 73, da Editora Ática, em 1979. E está disponível no site: http://www.geocities.com/rcultural/cronicas/Campos/paramaria.html

Para saber mais sobre o autor, sugerimos o endereço: http://www.releituras.com/pmcampos_bio.asp

A ilustração que melhora esta coluna é de Fábio Reaper Quaresma.

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