segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

Cucarachas no primeiro mundo

Ultimamente, a imprensa tem bombardeado leitores e telespectadores com notícias (leia-se propaganda) de jovens que partem para intercâmbios no exterior e pessoas “bem sucedidas” que deixaram o Brasil para “render” lá fora.

Há muito, a busca pelo aprimoramento intelectual vem perdendo a corrida para a busca pelo “canudo”, de olho em uma melhor colocação no mercado, que (sonha-se) levará a mais dinheiro e um poder aquisitivo maior.

Mas muitos jovens universitários impacientes ou desiludidos com seus cursos decidem abandonar tudo em troca de dinheiro rápido – o que não quer dizer, necessariamente, fácil – e embarcar rumo ao “mundo desenvolvido”.

Lá encontram notas verdes em abundância nunca vista em sua terra natal. Juntam rápido, às custas de muitos carros e pratos lavados, muitos jornais e pizzas entregues, muitas latrinas esfregadas.

Jovens universitários que poderiam estar contribuindo para a própria evolução e a do seu país, entretanto, se sujeitam a servir ao dito primeiro mundo, de maneira que jamais serviriam aos seus conterrâneos. Perpetuam uma condição histórica de subserviência e se orgulham da fluência adquirida na outra língua, das gorjetas acumuladas na condição de mão-de-obra universitária barata.

Deve ser um mundo de primeira mesmo, para se darem ao luxo de ter profissionais de nível superior, ainda que incompleto, como serviçais que passam por exames rigorosos e ainda pagam para exercer esse papel.

Isso significa que nunca deixaremos de ser SUB: desenvolvidos, nutridos, servientes e, futuramente, profissionais, porque o senso comum manda aqueles que poderiam estar crescendo para o meio do picadeiro passar o chapéu em troca de gorjetas. E, sem perceber, enfiam a cabeça na terra e deixam de fora os bolsos cheios de dinheiro que nem saberão gastar civilizadamente.

Enquanto isso, os poucos corajosos que acreditam no que fazem e continuam investindo em seu desenvolvimento intelectual por aqui precisam andar de cabeça erguida, porque mesmo que os bolsos não estejam tão cheios, saberão fazer melhor uso do que possuírem. Pois, à luz do conhecimento que obtiveram, perceberão que nos principais dicionários o verbo “ser” vem sempre antes do “ter”.

Leitura sugerida:
• "Diário de um Cucaracha", de Henfil. (Editora RecordTrilha sonora:
• "Melô do Marinheiro", dos Paralamas do Sucesso

A ilustração que melhora esta coluna é de Wagner Mourão. Thanx, boy!

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