sexta-feira, 6 de janeiro de 2006

Leitores do amanhã

Sempre é interessante e empolgante ver o público que lota o Rio Centro nas Bienais do Livro. O cenário é promissor. Estudantes de escolas públicas e particulares, de diversas faixas etárias, se amontoam em frente às câmeras e alguns até dão depoimentos contando o quanto gostam de ler. Mas quem lida com estudantes no dia-a-dia sabe que no desligar das câmeras a empolgação desaparece.

Tirando os preços inacessíveis dos livros, um obstáculo óbvio e intransponível, há de se considerar um fator que muitos tentam jogar para baixo do tapete, mas que, mais cedo ou mais tarde, virá à tona: estamos realmente conseguindo formar jovens leitores? Ou os ônibus que despejam estudantes na tal feira é apenas um paliativo para aproximá-los mais do consumo do que da literatura propriamente dita?

Na condição de professora de um colégio estadual noturno e mal iluminado, que funciona em um prédio emprestado pela Prefeitura do Rio de Janeiro e que, portanto, não pode contar com o auditório, nem com a biblioteca, sequer com o banheiro dos quais usufruem os alunos do turno diurno, sinto que essa história de Bienal cheira a conto de fadas. Mas, nesse conto, o final não é feliz.

Aliás, tudo já começa muito mal. Logo na primeira série, alguns professores ainda se espantam quando percebem que a maioria dos alunos não consegue responder questões simples de História, Geografia ou Matemática simplesmente por não entenderem o enunciado. Um exemplo recente, foi o de uma menina que ao se deparar com a seguinte questão da prova final de História: “Defina o papel da Igreja Católica na Santa Inquisição”, levantou o dedo e indagou à professora: “– Prof, como assim ‘defina’?”

Alunos como ela não são exceção hoje em dia. A desestruturação da família, a desvalorização da busca pelo conhecimento em detrimento da obtenção de um diploma, a supervalorização do poder aquisitivo em contraponto à capacidade intelectual e cultural e a degradação da educação como conseqüência da política de aprovação automática, adotada por sucessivos governantes interessados muito mais em quantidade do que em qualidade nas últimas décadas, são as principais causas para tamanha falência do desempenho escolar.

Hoje o quantitativo de alunos aprovados não é mais motivo de orgulho. Não é mais uma meta a ser alcançada visando o desenvolvimento de um povo culto e educado. A aprovação em massa visa apenas a liberação de uma verba maior para a educação para esse ou aquele estado ou município. Professores, vendo a incapacidade de seus alunos de avançarem para a série seguinte, encontram-se acuados entre o compromisso moral com aquele aluno, que precisa de mais uma chance para aprender o conteúdo que não foi assimilado durante o ano, e o risco de perderem uma gratificação irrisória diante da tal verba oferecida pelo governo federal e terem seu salário ainda mais achatado. O que você faria no lugar deles?

Pois a verdade é que os professores nem sequer têm a chance de escolher suas posições. Ao primeiro sinal de um alto índice de reprovação, uma ordem superior decide por eles. E, parodiando o compositor Lenine, a verba vence o verbo. A ordem agora é uma educação que diminua a evasão e a exclusão. A palavra da hora é “socialização”. E, em breve, as escolas que sobrevivem, para não dizer agonizam, dos nossos impostos serão transformadas em um clube para onde os alunos irão para “fazer uma social”, e professores assumirão o papel de “entertainers” no lugar do de educadores. Um maravilhoso mundo novo. Só nos resta indagar: haverá vida inteligente na literatura brasileira no futuro? Ou pior, pelo rumo que nossos jovens estão tomando, que tipo de literatura será produzida quando o futuro chegar? Salve-se quem puder...



A ilustração que melhora esta coluna é de Wilson Domingues. Thanx, Wilbor!

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