terça-feira, 23 de maio de 2006

Amigo urso


Cresci com um “dilema ecológico-existencial”. Por que nos filmes dos estúdios Disney todo mundo tinha medo de ursos se o Zé Colméia também era urso e era tão legal? Mesmo sem conseguir resolver essa equação, ela serviu de modelo para algumas posições que tive que assumir posteriormente. Explico, se o Zé Colméia era legal, os índios americanos não deviam ser assim tão malvados como os filmes queriam nos fazer crer. E mais tarde, os russos durante a Guerra Fria, os Vietcongs, os muçulmanos, os iranianos, os narcoguerrilheiros, o capitão Marcos...
Como eu ia dizendo na coluna anterior, assino uma revista que traz sempre uma diversidade de informação e curiosidades para todos os gostos, a National Geographic. E uma reportagem que me veio à lembrança recentemente foi a publicada em julho de 2001, sobre os assustadores ursos grizzly que (sobre)vivem na América do Norte.

Como todos vocês sabem, esses ursos são enormes, peludos e muito perigosos. Sabem, não sabem? Pois é, eu não sabia. Nem nunca tinha ouvido falar neles. De repente, fiquei sabendo de pessoas que ficaram deformadas para o resto da vida depois de terem sido "abraçadas" por um urso desses. Acampamentos invadidos e assaltados pelos peludos anarquistas (esses, sim, devem ter sido do bando do Zé Colméia, aquele malandro!). Antes de ser capturado entre as coníferas do norte de Idaho, um urso de apenas 2 anos transformou em palitos algumas árvores e a área próxima em um furdunço para madeireira clandestina na Amazônia nenhuma botar defeito.

Isso sem contar que um urso de 70kg precisa comer 2,5 mil mariposas do tamanho de uma jujuba por hora (ou 40 mil por dia) para acumular a energia necessária para se manter por um ano. Não tem vergonha? Por que não vai procurar alguém do tamanho dele? Deve ser porque uma mariposa dessas guarda mais caloria por grama do que a carne de um cervo. Eles podem até ser maus, mas, admitamos, os danados são inteligentes.

Em 1996, um urso invadiu um alojamento de vaqueiros, roubou farinha e açúcar, bebeu o uísque dos meninos e deixou vazio o frasco de Aspirina. Tempos depois, o fanfarrão foi visto, arrancando cascas de salgueiros, que não fazem parte da dieta dos ursos. Estranho? Não, a casca dessa árvore é rica em ácido salicílico, também conhecido como... Aspirina. Coitadinho, devia estar procurando remédio para dor!

Inteligentes. Coitadinhos. Estão sentindo uma certa simpatia no ar? Sabem o que é, vou explicar. Quando eles andam, remodelam com as patas o terreno, lançam sementes e liberam nitrogênio das camadas inferiores do solo, deixando-o muito mais rico e fértil para algumas espécies de plantas. Quando comem, espalham sementes de cerca de 70 mil frutos silvestres por dia, reflorestando as áreas das árvores que eles mesmos destroem para palitar seus dentinhos.

Vistos sob esse ângulo, até que os ursinhos parecem melhores do que muitos humanos. Alguns de nós parecemos tão graciosos, mas temos um abraço mais letal e traumatizante do que o de qualquer grizzly. Por outro lado, outros parecem não valer muita coisa e acabam surpreendendo, mostrando um terreno bem fecundo e garras, que pareciam tão ameaçadoras e inconseqüentes, capazes de carinhos e gestos os mais singelos.

Será que o lado bom que temos guardado é nosso urso escondido? Ou será que o lado mau de cada urso é o pouco de humano que eles têm guardados neles?

(Esse texto é dedicado ao “amigo urso” W. Mangelo.)
A ilustração que melhora esta coluna é de Anderson Ferraro. Thanx, Sir.
Filme sugerido: “O homem urso” ou “Grizzly Man”

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