domingo, 5 de novembro de 2006

"Ô cride", fala pra mãe...

“Acabo de comprar uma tv a cabo
Acabo de entrar na solidão a cabo…
Acabo de cair no 16 a cabo
Acabo me tornando usuário...
Do 12 pro 57 é um assalto
É um assalto...”
(Otto, “TV a Cabo”)

Há quem reclame (e muito!) da qualidade da programação da tv aberta, ou melhor, da falta dela. Obviamente, comparada aos canais de tv a cabo, a pobrezinha parece agonizar, padecendo com a ausência de criatividade e classe. Seriam seus últimos dias??? Não, claro que não.

Apesar de os assinantes dos canais fechados serem pretensos formadores de opinião e também a fatia privilegiada que dispõe de boa conexão de internet, o que os coloca de frente para uma sobrecarga doentia de informação, não podemos nos esquecer que a grande massa da população continua assistindo aos canais abertos. E ela está se lixando para a participação de Rodrigo Santoro na terceira temporada da série australiana “Lost”. Compra tiragens e mais tiragens de revistas de fofocas sobre artistas das novelas das seis, das sete e das oito. Ignora as celebridades enlatadas de “Desperate Housewives”. A massa manda. Alguém duvida?

Em 2006, a banda Rebelde lotou estádios pelo país; Floribella foi a loira da vez entre a molecada e vendeu pilhas de brinquedos e sandálias; a entrada de Sônia Braga na novela repercutiu muito mais na carreira da atriz do que sua participação na série americana “Sex and the City”; os últimos episódios do massacre de Roberto Justus deram mais o que falar do que os debates de candidatos a cargos públicos do poder executivo local; e parte do elenco da vênus platinada debandou para a TV Record, cujas novelas estão obrigando Manoel Carlos e equipe a esticar os capítulos de seus passeios pelo Leblon.

O mais impressionante é que hoje na maioria das favelas e conjuntos habitacionais há um sofisticado esquema de “net cat” que permite aos telespectadores pagarem entre 15 e 40 reais para receber em casa um mix de canais tanto da Net quanto da TVA. É a democratização da informação televisiva. Só que mesmo com essa facilidade, são os programas da tv aberta que continuam dando mais ibope.

Infelizmente, tanto os que fugiram para a TV a cabo quanto a massa de telespectadores da TV gratuita perdem o melhor de ambas por pura desatenção. Prova disso é o índice de audiência de bons programas como “Arte com Sergio Brito” e “Recorte Cultural”, da TVE, e os jornalísticos “Tudo a Ver” e “Domingo Espetacular”, da Rede Record.

Ultimamente, observando com mais atenção os noticiários dominicais de variedades – o único tipo de noticiário a que me permito assistir, tanto pela falta de tempo quanto pela falta de paciência –, descobri o “Domingo Espetacular” (Record) que traz excelentes quadros sobre assuntos diversificados e curiosos, com a vantagem de ter uma dupla de apresentadores bem mais elegantes e tão inteligentes quanto os do equivalente global, além de informações menos parciais...

Há poucas semanas, durante uma crise gástrica que me forçou a sossegar no sofá, reparei nesse programa. Enquanto rodava de um canal para outro, me deparei com o “Diário de Olivier”, quadro em que o charmoso padeiro francês, Olivier Anchier, mostrava seu passeio por vinícolas portuguesas e um inusitado mergulho num barril de vinho. Dei um descanso para o controle remoto e uma chance à emissora. Bendita hora!

No bloco seguinte, um biólogo pra lá de aventureiro e divertido mostrava as curiosidades do mundo animal em viagens pelo Brasil. Nunca pensei que a fauna brasileira pudesse ser tão divertida até assistir àquele episódio de “Selvagem ao Extremo”, de Richard Hasmussen.

Já nos momentos finais do programa, Arthur Veríssimo, o mesmo que volta e meia contempla os leitores da revista Trip com matérias bizarras sobre a Índia e outros lugares tão esquisitos quanto, deu as caras em “Planeta Estranho”, bloco que apresenta e faz jus ao nome.

Ainda deu tempo de assistir no "Fantástico" às boas séries brasileiras “Poeira das Estrelas” e “Ser ou não ser”, produzidas, respectivamente, pelo físico Marcelo Gleiser e pela filósofa Viviane Mosé. Além de instigantes, trazem aos espectadores do programa a oportunidade de adquirir mais bagagem intelectual e expõem temas mais profundos do que os habitualmente tratados no programa. A esperança agora é de que novos produtos de mentes brilhantes nacionais como esses continuem chegando às nossas telinhas.

E assim, descobri um novo recheio para minha curta agenda de horas vagas em casa, composto de coisas interessantes, inteligentes e muito divertidas para ver na tv que prova ter ainda raras opções de alimento saudável para a cabeça. E, se no meio de um mar de “junkie food”, nada mais agradar, sempre vale a máxima “desligue a TV e abra um livro”. Desse quase nunca há o que reclamar! (Mas isso fica para uma outra história...) E, por favor, Euclides, avisa pra mãe que tudo que nem tudo antena captar, meu coração captura.

A arte desta coluna foi feita por Anderson Ferraro. Thanx, sir!

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