domingo, 17 de dezembro de 2006

Bah, tchê que língua é essa?

Várias vezes flagrei minhas amiguinhas da escola me olhando com um ar desconfiado. Nunca entendi a razão daqueles olhares. Seguia falando. Achava que elas não acreditavam no que eu dizia. Fui crescendo e me tornando um produto do meio. A linguagem trazida de casa foi ficando para trás. Foi substituída pelo português padrão da tv que assistia, das escolas por onde passei, dos livros que li.

Foi então que, há poucos dias, distraída com a embalagem de um xampu que acabara de comprar, me deparei com as instruções do produto traduzidas para o espanhol. E, subitamente, a lembrança dos olhares desconfiados das amiguinhas de escola voltaram à tona. Um momento de “iluminação” para zen budista nenhum botar defeito.

Freud explicaria facilmente o ruído na comunicação dos meus primeiros anos de escola. A culpa era da minha mãe. Claro, as mães e os mordomos são sempre os culpados! Na embalagem do tal xampu, havia duas palavras pronunciadas freqüentemente por minha mãe no nosso dia-a-dia: “enredado” e “desenredar”. A partir delas, uma enxurrada de outros termos e expressões começaram a saltar do álbum de família – “arredar”, “capaz!”, “te mete!”, “rapariga”, “caminha”, “apura, guria!”, “a recém” e o hábito de substituir os pronomes possessivos pelos artigos definidos como em “O pai já saiu” ao invés de “Meu pai já saiu”.

Desavisada, reproduzia, na escola e com pessoas que não tinham a mesma sorte de convivência familiar, a linguagem que ouvia em casa, sem filtros. Nada mais natural, já que é a família o primeiro núcleo social a que somos expostos e são os costumes familiares nosso primeiro manual de etiqueta e de regras sociais.

Nesse contexto, minha casa era realmente um laboratório “sociolingüístico” e tanto. Os habitantes: minha mãe, uma gaúcha da fronteira com o Uruguai, meu pai um ex-boêmio gaúcho de quem não se ouve mais o sotaque há muito. Meus irmãos e irmãs – três gaúchos e um carioca roqueiro e antigo conhecedor das gírias da malandragem –, dedos completamente diferentes de duas mãos unidas há mais de 40 anos.

Acho que, até hoje, ainda cometo, fora do ambiente familiar, as misturas lingüísticas que marcaram minha infância, heranças familiares, talvez genéticas. Não noto mais o estranhamento dos amigos que me ouvem. Se a causa é o que falo ou como falo. Com o passar do tempo, aprendi a externar conteúdos estranhos com formas sutis e histórias simples com rococós que distraem e divertem. Fazer o quê? Como cantava a gaúcha Elis, “vivendo e aprendendo a jogar”.

A arte que melhora esta coluna é de Wagner Morão. Thanx, boy!

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