
O clima frio esvaziou as ruas naquela sexta-feira. Apenas boêmios, funkeiros e pagodeiros ocupavam os bares do subúrbio carioca. A expectativa era encontrar a minha geração novamente no Circo Voador. A casa, que já fora tão importante para a cultura carioca quanto o CBGB era para a nova-iorquina, agora mudou de cara, de público e de postura. Seus muros, antes abertos para a rua, agora estão vedados aos olhares curiosos. Seus portões, que antes acolhiam jovens assalariados recém-saídos do trabalho ou do colégio, agora estão abertos apenas para privilegiados que podem se dar ao luxo de pagar uma média de R$ 40, 00 por noite. O Circo agora recebe festas globais. Um ex-reduto agora patrocinado por uma multinacional.
Já estava no ônibus, a vinte minutos de casa, quando abri a bolsa e me dei conta de que havia esquecido o ingresso e a carteira de identidade. Ainda sem acreditar na minha falta de atenção, desci do ônibus, esperei a condução para me levar de volta e comecei tudo de novo. Mais trinta minutos me separavam daquele momento tão aguardado e davam um sabor ainda mais especial ao que estava por vir. Mal pus os pés do lado de dentro dos portões e vários olhares foram atraídos pela camiseta gringa. Olhares de reconhecimento. Olhares de admiração. Só mesmo numa noite como aquela, minha camiseta surtiria tal efeito.
Apesar de todas as restrições à casa, a noite merecia uma concessão. E as expectativas não foram frustradas. O público era o mesmo de dez anos atrás, com a postura de dez anos atrás, intolerante a atrasos e embromações, exatamente como há dez anos. Estávamos lá para ver o hard rock visceral e politizado do Living Colour. Já era uma da manhã e nada... A impaciência foi explicitamente demonstrada por meio de vaias e palavras de desordem. Até que finalmente foi feita a nossa vontade... A banda subiu ao palco e mostrou a que veio, melhor do que o esperado.
O talento, a criatividade, a energia e a inteligência do Living Colour vão muito bem, obrigada. O público cantou a plenos pulmões cada verso de cada música. Os músicos reconheceram a idolatria e estenderam o show em três retornos ao palco. Era o fim da turnê pela América do Sul. O público deixou o Circo de alma lavada. E eu mais feliz do que qualquer outro fã da banda. Motivo? Logo na segunda música, o vocalista Corey Glover resolveu tirar o casaco. E sabem o que apareceu? Uma camisa do CBGB... E sabem o que ele estava calçando? Um certo Adidas preto, velho e surrado que me é muuuuito familiar... Enfim, traje de gala numa noite de luxo.
A arte q melhora esta coluna é de Wilson Domingues. Thanx, Wilbor!
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