domingo, 30 de agosto de 2009

Quem ama o Rio odeia o Rio

Neste ano, foram inúmeros os amigos hospedados em casa para quem acabei servindo de guia. Acho até que merecia uma recompensa (de preferência em espécie) da prefeitura pelos serviços prestados. Digo isso porque foi uma mão de obra fazer bonito e ainda ter que enfrentar o trânsito do Rio, driblar a falta de educação de seus moradores, conseguir mostrar o que a cidade tem de melhor, desviando a atenção do que ela tem de pior.

Definitivamente, ela é muito menos maravilhosa para os “pés rapados” que habitam sua zona norte. Talvez o fato de a estátua redentora estar de costas para essa região seja um fator preponderante para tão poucos investimentos sérios das autoridades oficiais. Refiro-me especificamente às oficiais, pois as não-oficiais já investem nesta zona (sem trocadilhos) há muito tempo sem qualquer interferência daquelas.

Contudo, há algo que não pode ser ignorado: o talento do carioca para a arte! Em outubro de 2005, na coluna “Nervo Óptico” que escrevia para o caderno Armazém Literário do JB on line, enalteci o trabalho dos grafiteiros cariocas pela arte que vinham espalhando pelos muros da cidade.

Hoje a situação é crítica. Qualquer um que se ache artista, sai borrando as poucas áreas limpas disponíveis, transformando o graffiti em um elemento a mais a contribuir para a poluição visual que assola o Rio.

Além disso, o hábito de tentar enxergar a beleza do conjunto arquitetônico da cidade por detrás das pichações é um treino para os olhos e para a sensibilidade, que virou, mais do que uma prática desafiadora, uma missão impossível. A cidade está tomada pela imundice.

O princípio é o mesmo que leva seus moradores a atirar latas de cerveja ou de refrigerante, embalagens de alimentos e cascas de frutas pelas janelas dos carros e ônibus. Não há no mundo sistema de coleta de lixo eficiente o bastante para suportar uma população como a do Rio. É triste constatar que de todos os lugares que já visitei – que não foram poucos –, não há ruas tão sujas quanto as nossas, seja no Brasil ou no exterior.

Todas as visitas que recebi vieram de grandes capitais brasileiras, porém uma delas (a mais recente) ficou horrorizada com a quantidade de gente que simultaneamente lotava as ruas, os ônibus, os trens e os metrôs. “De onde sai tanta gente”, perguntava o amigo perplexo. Só me restava rir.

Confesso que fui obrigada a ver o Rio, e minha localização dentro dele, com outros olhos. Até então, me contentava com o subúrbio por não precisar me deslocar com frequência para os distantes pontos turísticos da cidade. Hoje, admito: “moro mal”. Moro em um Rio que as novelas não mostram.

Obviamente, a sujeira, os buracos, o descuido sempre incomodaram, até mesmo em detalhes aparentemente de pouca importância. O suplício a que são submetidos os motoristas que têm seus amortecedores danificados nos buracos do asfalto não é exclusividade dos moradores motorizados.

Os pedestres também sofrem. Prova disso é que, muito antes de receber tais visitantes, já havia me atentado para o risco de usar salto alto se necessário fosse caminhar pelas calçadas esburacadas dos bairros suburbanos. Nota-se que o risco diminui, mas não desaparece mesmo em Ipanema ou no Leblon. É difícil ser elegante por aqui.

Mas não pensem vocês que andar de sandália rasteira é menos complicado por essas bandas. O Rio de Janeiro é um eterno “puxadinho”. As obras aqui nunca terminam. Seja entre os órgãos públicos ou os próprios moradores, a regra é “guardar” na calçada a areia, o cimento e o que mais for necessário para a empreitada.

Logo, na primeira chuva ou vento, todo o material se espalha e quem estiver passando terá inevitavelmente sua parcela de contribuição na propagação da imundice pelas ruas e, consequentemente, para dentro de casa. E o estado dos pés depois dessa jornada pelo manguezal urbano? Os salões daqui deveriam ter um incentivo fiscal. Manicuras, pedicuras e esteticistas deveriam ter um diploma adicional por tratarem de questão de saúde pública.

“Parece brincadeira, mas não é.” Está cada vez mais difícil morar no Rio e gostar dele. Os recursos naturais são só o que prestam. Porém, não é possível viver só de paisagem. Há, aqui, uma confusão generalizada entre o público e o privado. Cada um faz o que quer em público, quando justamente deveria se comportar decentemente por respeito ao espaço coletivo.

Quer berrar no telefone, quer falar palavrão alto, quer fazer xixi? Faça em casa, dentro de quatro paredes, no seu espaço particular. Quem precisa andar na rua é obrigado a aturar a falta de educação alheia. Os cariocas já não são mais aquele exemplo de simpatia.

A falta de educação e cordialidade abraça desde os comerciantes que se instalam em áreas residenciais e não respeitam os moradores do entorno até os funcionários e prestadores de serviço que atendem muito mal o público. E passa, especialmente, pelos “cariocas” que não nasceram no Rio.

A julgar pela situação atual, qualquer grande evento, como copa do mundo ou olimpíadas, exigirá um esforço hercúleo para transmitir uma imagem do povo local que esteja um pouco acima do tolerável, porém muito distante da simpatia normalmente atribuída aos nativos da cidade.

A capital fluminense que abrigava a fama de cosmopolita por ser a cidade de todos, acabou se tornando terra de ninguém, onde cada um faz o que quer desordenadamente. A população cresceu demais e a cidade não se preparou para isso.

Percebam nesta crônica um desabafo, um alerta, um pedido de socorro ou, quem sabe, uma despedida. A menos que o Rio acabe e outro seja construído em seu lugar, o crachá de carioca está se tornando um fardo pesado de carregar. Portanto, o último que sair, limpe o pé e apague a luz.


Em um trecho da calçada, carro, buracos e poça d'água. Por onde passar?

10 comentários:

Unknown disse...

No último sábado, eu, minha família e um querido amigo, contemplávamos a praia de Ipanema ao final da tarde. Uma visão e sensação de estar no paraíso. Para manter essa alma carioca, vou fechar os olhos e lembrar daquele momento. Mas sei que em alguma hora, vou ter que abrí-los. Valeu.

Anônimo disse...

Mas que crueldade falar assim da ZN, Sara! Nasci e fui criado lá, como vc, e sei que tem muita gente boa, digna e com muito boas condições socioeconomicas, tanto quato na ZS... Além disso, ter nascido e sido criado lá fez toda a diferença pra minha formação e para a forma cmo encaro a vida e esta cidade.

O Rio continua lindo sim! Bjs!

Flávia Guilherme disse...

Gênero, número e grau.
Deveria estar na página do caderno Zona Norte.
Muito bom e verdadeiro.

Alcivia disse...

Seur,

Teu último hóspede ficou impressionado com a quantidade de gente???? Uai, ele deveria saber que grande parte da população carioca é composta de imigrante da terra dele e da minha, que vieram para cá transformar esta paisagem no bom e no mal sentido, infelizmente.
Quanto aos exageros ao telefone, no vocabulário chulo, no depósito de excrementos humanos nas ruas, discordo de ti, acho que não deveriam acontecer nem entre 4 paredes, a final, mesmo dentro de casa é preciso respeitar o espaço alheio. A não ser que a criatura viva sozinha.
Como disse a Flávia, também acho que este texto deveria estar em evidência onde mais pessoas pudessem lê-lo, quem sabe alguém se tocasse e algum movimento em direção a um Rio melhor, começasse a acontecer.
Amo vc. Bjs

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Sabe uma coisa que eu odeio??? Aqueles carinhas que ficam no sinal correndo e pendurando balinhas no espelho retrovisor dos carros. Eles sempre distribuem mais balinhas do que conseguem pegar, e atrasam todo o trânsito , porque as pessoas ficam esperando eles chegarem para recolher as tralhas. É a porcaria da mentalidade paternalista, que acha que o cara pode sapatear porque teve menos oportunidades na vida. O mínimo que os caras tinham que fazer é recolher tudo antes do sinal abrir novamente. Eu confesso que sou má: aviso que não quero que coloque nada no retrovisor. Se o cara insistir e colocar mesmo assim (sempre acontece), eu não espero ele chegar dez minutos depois do sinal aberto para recolher as balinhas. Ele que se vire para pegar as balas de volta com o carro em movimento. Hoje vim trabalhar, e milagrosamente não tinha trânsito na Lagoa. sabe o que não tinha também?? Os caras das balinhas!! Cadê a prefeitura????

sara disse...

Caro Bobeda, achei q estava clara no texto minha intenção d despertar a ideia d q as autoridades devem investir os impostos pagos pelos moradores da ZN na ZN.
A falta d educação a q me referi abrange os cariocas em geral, nascidos ou não aqui; da ZN, ZO ou ZS.
Não sou hipócrita, nem tenho vergonha d morar ond moro, tanto é q ainda estou no subúrbio.
Mas há muito o q ser corrigido por aqui e o primeiro passo é admitir e reconhecer as falhas.
Há duas cidades diferentes dentro do Rio de Janeiro, uma q está ao Deus dará (ZN) e outra q está mal governada (ZS). E há a questão do povo q precisa ser reeducado para q a cidade receba melhor seus visitantes e os próprios habitantes.
Quem olha as fotos q ilustram o texto, quem precisa tampar o nariz ou os ouvidos para andar nas ruas provavelmente não acha mais o Rio tão lindo assim.
Seu comentário foi muito interessante, me fez procurar indícios d preconceito no texto, mas realmente não os encontrei.
D qquer maneira, uma opinião diferente sempre é válida.
Obrigada a vc e a todos pela participação!

Robertobaz disse...

Uma coisinha que me deixa irritado na cidade é a má distribuição das lixeiras da Comlurb. Não jogo lixo no chão! Meu carro é quase uma lixeira com o lixo que produzo dentro dele... se vc tem um lixo pra dispensar na ZS, encontrará uma lixeira a cada 10/20metros, já na ZN...
Mas, e o choque de ordem???hahahahaha

Anônimo disse...

Fala, Sarita!
Mas não falei de preconceito seu, so provoquei...rs
É que a gente acaba reproduzino coisas que nao sao exatamente a ZN (suburbio, uma palavra que odeio e acho pejorativa), por exemplo, ou a ZS (que felizmente tb tem gente comum e humana)... cada um tem seus defeitos e qualidades,seja em locais ou nas pessoas.
E eu tb nao tenho vergonha de ter saido da ZN, de onde morei, mas eu sempre quis mais, nunca achei que so pq nasci la nao poderia sair e acho que a vida é assim: a gente precisa evoluir.
Concordo que sao duas cidades sim, mas, de qq forma, continuo achando o Rio lindo, como sempre achei!

bjs

Unknown disse...

O Rio de Janeiro é lindo mas, realmente, está faltando maior atenção e comprometimento, com exceções, tanto das autoridades quanto da população, no sentido de cuidar de nossa cidade, de modo geral!