sexta-feira, 25 de março de 2011

Quanto custa essa vaga?

Gastou os últimos trocados com passagem. Distribuiu seu currículo em quase todas as agências que conhecia no centro da cidade. Enviou-o para todos os sites gratuitos de busca de emprego. Fez uma lista de todas as empresas que gostaria de trabalhar, procurou-as na rede, preencheu fichas, redigiu cartas de apresentação e se cadastrou para todas as vagas possíveis e disponíveis. Contactou amigos, conhecidos e desconhecidos e implorou por uma indicação. Subiu a escadaria da Penha, fez promessa, acendeu vela e rezou com fé. Fez tudo o que podia. Agora só restava esperar.
Um dia, o telefone tocou. Com um português ruim, uma secretária anunciou que seu currículo havia sido selecionado por uma empresa que jamais ouvira falar. Mas o coração disparou. –– Se quero marcar entrevista? Claro! Amanhã? Oito horas. Estarei aí. Espera, espera... Qual o endereço? Ok, muito obrigado, hein. Boa tarde.
Pegou o da passagem emprestado. Acordou cedo e foi. Foi sonhando no ônibus lotado com o emprego. Nem sabia para que tipo de emprego havia sido selecionado, mas estava feliz por ter sido escolhido. Ensaiou possíveis respostas. Imaginou a cara do entrevistador. Aproveitou sua imagem refletida no espelho do elevador para checar olhos, cabelos, nariz, botões, zíper. Tudo certo.
Faltavam dez minutos para oito horas quando entrou na sala e se anunciou à secretária do português ruim que anotou seu nome e indicou um dos poucos lugares vazios. Ao redor, homens e mulheres com a cara amassada de sono e o aspecto pouco saudável de quem está desempregado há meses. Um entra e sai frenético. Alta rotatividade nas microssalas divididas por placas de fórmica encardidas.
Faltavam dez para as dez quando ouviu seu nome ser gritado de dentro de uma sala. Finalmente. Entrou, sentou. À sua frente, uma mesa com uma pilha de currículos intimidadora. Por trás da mesa, um rapaz com um terno de tergal e uma gravata cafona se preparava para recomeçar seu discurso decorado. Enquanto falava, alternava entre rabiscar círculos, bonecos e números em um currículo que parecia não ter sido aproveitado. De vez em quando, sobrava algum olhar na direção do “entrevistado” que, como nos talk shows da tv, praticamente não abria a boca.
Depois de dez minutos ininterruptos de pregação, veio a proposta:
–– Seu primeiro salário mais dez parcelas de cem reais se, em dezoito meses, conseguirmos uma vaga de emprego para você. Mas esse é o pacote Standard. No pacote Master, podemos treiná-lo em dinâmicas de grupo durante três meses pelo valor simbólico de mais duzentos e cinquenta reais. O que me diz? –– finalizou o discurso empurrando um prospecto com os diferentes planos e pacotes.
Na fração de segundo que levou para pegar o folheto e raciocinar que lhe estava sendo vendida uma vaga, que durante os meses em que supostamente faria o treinamento em dinâmicas de grupo não seria chamado para qualquer entrevista que dependesse daquela firma, que pegara dinheiro emprestado para a passagem, acordara cedíssimo e enfrentara ônibus lotado...

“PARAMÉDICOS CHAMADOS PARA SOCORRER AGENTE DE RH ENGASGADO COM PROSPECTO DA FIRMA APÓS ENTREVISTAR DESEMPREGADO FURIOSO”

(Imagem retirada de https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhzhCaHXhDf9WbjNVitjTF9ighiDi0kjfpLYhOS2doiwkFIfKyCSOnNd-Mkn4O2qWmIVAaU3gxoe8mRVnnLPo_fhgNTxn8Gtpc8A-_mY9ghhyphenhyphenjZ7o1mfMGbAsXV7S-3pJmVlu59nYJAZzY/s320/assalto.jpg)

4 comentários:

TS disse...

Oi Sarinha, só hoje pude ver minha caixa.
Mais uma vez vc escreveu de forma direta, e engraçada, sobre um problema mto comum.
Acho q se deve enviar currículo p/ "lugares certos", e não a torto e à direita. Se estiver muuuito desesperada, arranje um bem simples como quebragalho até conseguir algo melhor.
Pela minha experiência, quase sp foi por indicação de A, B, C, incluindo amigos e parentes de A, B, C.
E vc? Não tinha feito concurso pra ir lecionar em Quixadá ou algo parecido? Aconselho a ir acompanhada, carregada de livros, ou c/ fácil acesso ao Rio, ou não aguentará a falta de opções nos fins de semana.
Abração!

sara disse...

Só conheço uma pessoa q tenha comprado um pacote maluco desses e tenha conseguido emprego. Mas ela não sabe se não teria conseguido mesmo sem comprar o tal plano.

sara disse...

Outra prática comum em entrevistas de emprego q testa a tolerância do entrevistado: vc senta lá na frente do entrevistador e ele começa a perguntar tudo o q está escrito no currículo. Dá vontade de perguntar: "Vc não leu o currículo antes de me chamar?" ou "Você sabe ler?"
TOLERÂNCIA ZERO!!!

sara disse...

p.s.: há anos não faço entrevista em agências. Será q ainda é assim?