quarta-feira, 27 de julho de 2011

Politicamente Incorretos

Há coisa de um mês ou mais, um pequeno furdunço se instalou na mídia brasileira. Os comentários feitos pelo músico Ed Motta em sua página no Facebook deixaram alguns de cabelo em pé. Mas será que o músico, acusado de ser preconceituoso e machista, estava totalmente errado? Será que por ser uma celebridade ele não tem direito de ser politicamente incorreto da mesma maneira que qualquer outro mortal? E será que os tais comentários talvez não sejam apenas uma questão de observação e gosto? E gosto, sabemos, não se discute.
O músico alega ter feito apenas algumas brincadeiras com amigos na rede e pediu desculpas aos ofendidos. O fato é que suas declarações a respeito da necessidade de talento para mulheres feias e isenção desse atributo para as bonitas incomodou tanto quanto sua preferência pelo povo do sul em oposição a cariocas e nordestinos.
Tudo bem! Admitamos. Os comentários seriam totalmente dispensáveis na mídia aberta. Quando uma pesssoa pública, seja artista, cientista, político, ou seja lá o que for, entra em sua casa via tv, rádio ou jornal e dá declarações como essas, realmente, falta-lhe uma dose considerável de “semancol”. Porém, o músico em questão não foi à mídia fazer tais comentários, muito pelo contrário. Ele estava na página DELE, conversando com amigos DELE, e não invadiu a casa de ninguém. Alguém leu e resolveu jogar no ventilador.
O facebook, site de relacionamento onde se deu o bafafá, é um espaço público? Mais ou menos... Existe a possibilidade de você adicionar ou não as pessoas que farão parte da sua rede, mas não é totalmente controlável o acesso para quem vai ler suas conversas. Sendo assim, qualquer pessoa tem o direito de escrever o que bem entender em sua página e quem não se agradar que vá fuçar a vida de outro. Simples assim.
Por outro lado, vamos tentar olhar a situação sob a ótica do músico. Quantas vezes você se deparou com uma péssima atriz, ou cantora, porém linda de morrer, e pensou: “Ah, assim até eu...”? Ou os rapazes, quantas vezes torceram o nariz para o jogador, o cantor, ou o ator com pinta de galã, porém sem um pingo de talento, e não pensaram o mesmo? E nem sempre isso é despeito. Muitas vezes, é apenas uma constatação!
Com relação à questão geográfica. Outro dia, liguei o rádio para ouvir o programa “Rock Bola”, na FM do Rio. E ouvi comentários dos divertidos apresentadores sobre a alegria que sentem quando as câmeras de tv transmitem imagens das arquibancadas nos estádios do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Foram além, relataram o aborrecimento quando as câmeras focalizam as arquibancadas nordestinas. Obviamente, eles se referiam à presença feminina nos jogos de futebol. Ok, trata-se de um programa de humor, mas será que não existe uma preferência politicamente incorreta por trás desse humor? No entanto, o programa é líder de audiência e já alcança outras mídias, como jornal, teatro e tv.Ultimamente, eu mesma tenho pensado muito em deixar o Rio de Janeiro. O trânsito por diversos ambientes e as observações que faço em cada um deles têm me convencido que o Rio não é mais dos cariocas. E que os cariocas estão cada vez mais distantes da imagem simpática que é feita deles.
Aí vão alguns exemplos! Avenida Brasil, passarela do caracol, na entrada da Ilha do Governador. Uma mulher de aparência humilde andava sobre a passarela, falando alto ao telefone e gesticulando com a mão livre, tendo entre os dedos um cigarro aceso. Ao ultrapassá-la, ela solta o braço e a ponta do cigarro atinge minha perna, um pouco acima do joelho, furando a meia-calça preta que se rasgou inteira em frações de segundos.

A primeira reação da fumante foi rir. Ao ver minha feição pouco satisfeita, se desculpou. Ao ouvir minha voz proferir que até para fumar é preciso ter classe, ela calou e desceu apressada a rampa da passarela.
Avenida Rio Branco esquina com Rua Sete de Setembro, uma hora da tarde de uma segunda-feira qualquer. Uma mulher muito bem vestida caminha velozmente em um salto altíssimo pelas traiçoeiras pedras portuguesas. Para manter o equilíbrio, solta os braços com velocidade, ocupando uma considerável área em volta de si mesma, apesar do denso fluxo de pedestres naquela região e naquele horário. O inevitável acontece: ao passar por um homem parado em frente a uma banca de jornal, ela – que também portava um cigarro aceso – atinge a mão do homem, queimando-o. Não fiquei para ver o resultado.Em um ônibus de uma linha qualquer em um horário qualquer, homens em idade produtiva ocupam o assento destinado a idosos, grávidas e deficientes e fingem dormir quando um desses destinatários entra no veículo.Outros passageiros sentados, homens e mulheres, obstruem com seus pés o corredor do ônibus atrapalhando os infelizes que tentam caminhar e se equilibrar contra a inércia (uma lei da física que, por sinal, deveria ter sido estudada antes de colocarem o desembarque de passageiros no fundo dos ônibus).

Há também aqueles que ao passarem pelo corredor ou ao se levantarem de seus assentos, o fazem de forma tão atabalhoada que pisam, não nos pés, mas NAS PERNAS dos que estão próximos. Às vezes, pedem desculpa, outras, ignoram. Sem falar nas madames que, ao circularem pelo corredor, batem com suas enormes bolsas nos rostos dos felizardos que conseguem um lugar para sentar. Nem pense em reclamar, pois o errado é você que deveria ter pego um táxi!
Num dia desses, depois de comprar meu ingresso para o Rock in Rio, no Engenhão, me submeti a uma aventura nos trens da Supervia. Como me dirigia ao centro da cidade, optei pelo trem para fugir do trânsito na hora do rush.
Pouco antes de chegar à estação da Central do Brasil, onde deveria descer, a composição ficou parada e perguntei a um passageiro próximo qual era a estação seguinte. O gentil passageiro me deu a informação que precisava e, percebendo que não estava habituada a utilizar aquele transporte, me aconselhou a permanecer sentada quando chegasse à Central e só me levantar para sair quando todos os passageiros estivessem acomodados. Achei engraçado, mas agradeci e aguardei.
Quando chegamos à tal estação e as portas do vagão se abriram, o povo que esperava na plataforma, faminto de assento, invadiu o trem aos berros, aos solavancos, correndo ensandecido. Fui deslocada do lugar que estava coisa de meio metro, sem sequer me levantar. Os que sentavam gargalhavam como que possuídos por alguma entidade zombeteira. Um espetáculo sinistro que, peço a Deus, não precisar presenciar nunca mais. Consegui deixar o vagão. O passageiro que havia me dado informação reapareceu para perguntar se estava me sentindo mal. Neguei e, mais uma vez, agradeci. Fico imaginando como estava minha expressão naquele momento...
Diante desses pequenos e corriqueiros exemplos, ainda existe alguém que, vivendo no Rio de Janeiro – não exclusivamente no “Rio-Área Nobre”, mas no “Rio Povão”, o Rio que não aparece seriamente retratado nas novelas de tv –, tem a coragem de discordar de Ed Motta quando ele diz que mais para o sul do Brasil as pessoas são mais bonitas e se comportam melhor?
D U V I D O! ! !
Então, vamos deixar a máscara da hipocrisia de lado porque no fundo, por mais que doa, todos sabemos que existe alguma razão nas palavras do músico. O Rio de Janeiro não precisa de um banho de loja. O POVO do Rio de Janeiro é que precisa de mais elegância, de mais etiqueta, ou como diz minha mãe, “de um pingo de modos”.

Fonte das imagens por ordem de aparecimento: "Des-bocado" (wwwvireta.blogia.com); "Boas maneiras" (www.smartkids.com.br/especiais/boas-maneiras.html); "100% mal educado" (enguiafresca.blogspot.com); "Desculpe" (educaja.com.br); "Lixo" (tialety.blogspot.com)

9 comentários:

Cerezone disse...

Querida Sarita Mackenzie,

Antes de mais nada, saudades dos nossos animados plantões de sexta-feira em nossa escola virtual.

Encontro-me, atualmente, do outro lado do Atlântico, cumprindo missão em nosso vizinho mais a Leste, a Namíbia.

Acompanho seu Nervo Óptico que, brilhantemente, resgata a memória do Brasil e, mais particularmente, do cenário carioca.

Malheuresement, a falta de educação é uma "nódoa", usando a linguagem do finado Jânio Quadros. Aqui em Windhoek, considerada a cidade mais limpa da África, dificilmente se vê papeis atirados ao chão ou outras ações de incivilidade tão caras ao carioca.

Ainda assim, sinto uma falta danada das ruas de Copa, da camaradagem dos botecos, das ondas na praia. Menos mal que em dezembro próximo estaremos no Rio, para mais algum show do Bonde do Mengão sem freio.

Sorry pelo tamanho do post.

Beijos,
Paulo H. Vianna

Alcivia disse...

Sara,
Impossível não concordar com as colocações de Ed Motta e as tuas, infelizmente, há aqueles que se dizem "politicamente corretos", mas que invadem a privacidade alheia para comentá-la como no caso citado por você. Será que isso também não poderia ser considerado "politicamente incorreto"?
Enfim...
bjks

Anônimo disse...

há muito hipocrisia, né? quem está na mídia, tenho a impressão, tem que estudar uma cartilha de bom-mocismo. é mais ou menos todo mundo parecido com o picolé de chuchu samuel rosa. falta só não soltar flatos nem fazer o número 2.
todo mundo tem suas sombras e seus preconceitos, né?
eu mesmo achei que o ed motta foi muito burro neste episódio do facebook. mas frente a sua análise, sara, podemos até pinçar alguns pontos bem coerentes, como esses que você assinala da educação carioca. também fico estarrecido com certas cenas, e chego a achar que nem é mais falta de educação mas algo bem mais profundo como tendências para psicopatia.
noto também uma coisa meio esquizofrênica em meu íntimo, porque penso que isso é só uma faceta nossa e caio no clichê de achar que somos um povo hospitaleiro e quente, mas que joga qualquer tipo de lixo na rua e f***-se o resto.
se abrimos as discussões para que o ed motta falou temos que aventar a coerência no que escreveu anders breivik, ultranacionalista norueguês e assassino, a respeito do brasil e sua miscigenação?
há uma tímida luta dentro de mim cogitando algum tipo de explicação para assuntos como sérgio cabral, milícias cariocas, desvio de verbas nos ministérios, garotinho, josé sarney, a ação dos secretários dos municípios de teresópolis, petrópolis, friburgo e adjacências.
minha mente detecta essa nódoa moral profunda, como diz o paulo h. vianna citando jânio quadros e nega que, de maneira alguma, isso tenha origem no processo de formação do nosso povo.
mas quem é que fala isso?
um bom moço?
um hipócrita?
uma pessoa articulada?
um idiota preconceituoso?

Newton disse...

hahahahahahhahaa... furdunçu.... hahahahahhaa.... não consigo mais ler... hahahaha.... furdunçu...

sara disse...

Eita! Qnta gente boa comentando!

PH, vc é brilhante! Tenho a mais absoluta confiança de q nosso país está muitíssimo bem representado por vc. Mete bronca! E use o espaço q quiser. Tamanho não é problema por aqui. A "casa" é sua. Entre e fiq à vontade.

Soeur, lembra daquela piadinha que sempre contamos em família sobre o bom senso? Pois é, "cada um tem o seu", né? E os outros q se lixem!

Newtin, pare de rir, mininu!!!

Django-Bro, comentário super relevante, pra variar! "picolé de chuchu"??? Coitado do Samuel Rosa. rsrsrsrs

Não concordo com tudo o q o E. Motta falou: como vc sabe, adoro Lenine. Mas achei q a burrice dele foi pedir desculpas. Nem precisava!

Essa nódoa moral q vcs mencionam me faz lembrar o verso "da lama ao caos, do caos à lama" pq, numa visão bem pessimista, parece que não há nada entre um e outro, entre a falta de educação do povo e os péssimos exemplos q temos do nossos governantes e autoridades.

Não sei o q o maluco norueguês falou do Brasil, nem o q ele sabe do nosso país. O q sei é q é preciso muito boa vontade pra enxergar uma luz no fim do túnel.

Se o problema vem da formação do povo ou de algum extravio no meio do caminho até aqui, não sei. Mas esse texto é um pedido de socorro, um s.o.s. pra saber se há mais alguém perdendo a coragem de viver por aqui e também sem coragem de sair...

Por coincidência (ou não), acabou de aparecer na tv o Fred Zero4 dizendo que só havia 2 opções para Recife pré-Mangue Beat: "mudar de cidade ou mudar a cidade".

Tomara que muita gente se dê conta da decadência que estamos vivendo. Obviamente, ela se dá por toda parte, não só no Rio, mas isso não pode ser desculpa para não ser interrompida.

Valeu, gente! Obrigada pela companhia!

Professor Renato disse...

Uma amiga acaba de retornar de Pomerode e relata que lá está uma babel transracial! As louras com seus namorados negros, os nordestinos chegando e ocupando postos de empregos... Mas o que eu realmente queria dizer é: Discordo!O Sul não é mais educado ou bonito que o resto do país.Aliás qual o padrão de beleza que se representa? o da clássica democracia racial das loiras com suas ascendências européias- ah o atirador da Noruega era educadamente caucasiano- prefiro olhar para o Rio, Salvador, Maranhão, sem ser ex-ótico. Mamãe me ensinou a fazer minha parte: guardo meu lixo na minha mochila e depois ponho na lixeira, sou sempre polido com os outros, mesmo com os que não o são.Problema deles, não o meu. Gosto bastante do Ed Motta, o que não faz com que concorde com tudo que ele fala/faz. Há de se tomar cuidado, sim, com o que se posta na rede. Lembremos que as palavras o vento leva, mas quando escritas, voltam-se com ou contra quem as escreveu.Pedir desculpas era o mínimo que ele deveria fazer.Beijos e saudades.

sara disse...

Oi, Professor Renato.

Uma pena vc ter preferido comentar esta crônica e não a anterior específica sobre a situação da educação escolar no nosso estado!!!

Mas qnto ao cantor Ed Motta, continuo achando q, na página dele, brincando com os amigos dele, ele tem direito de ter a opinião dele, doa a quem doer. Azar de quem fuçou o site dele e não gostou do q leu.

Acho q o "padrão" de beleza é relativo, mas a falta de educação, não! E das experiências q tive no sul, no nordeste e, principalmente, no sudeste, o Sul ganha em cordialidade e civilidade em disparada!!!

bj + bom fim de férias

TS disse...

Malgré tout... esse "politicamente incorreto" já se olhou no espelho??? Parece aquela estória de "é proibido falar ao celular dentro do banco" - alguns acham corretíssimo, outros uma gde bobagem.

Ando tão longe do Rio e de suas fofocas q mais não posso delongar.
Sarinha, abs pra ti.
(obs: o que é "furdunçu"? alg. tipo de furúnculo? - credo!)

sara disse...

Hehehe
Pelo que vejo a palavra "furdunço" causou um furdunço nos colegas de blog, ou seja, um alvoroço, bagunça, desordem.
bjs, TS.