quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Paixão de pais para filhos


O filho do ilustre alvinegro João Saldanha disse uma vez que filho de botafoguense não escolhe time: nasce botafoguense e acabou. Deve haver exceções, mas eu faço parte dessa regra.
Ainda era pequena e deitava ao lado do meu pai com minha cabeça sobre o braço dele estendido, depois do almoço de domingo. Fazíamos a sesta juntos, ouvindo os jogos pelo rádio de pilha e os comentários espertos de João. Não sei se foi assim que me tornei botafoguense. Mas, certamente, a catequese começou cedo e funcionou muito bem.
Só vi meu time campeão aos 14 anos e não achava nada demais tanta demora. Já estava acostumada a ver a seleção brasileira perder várias copas do mundo. Pensava que se nem a seleção ganhava títulos, não havia problema nenhum com meu Fogão.
Mas, finalmente, a grande noite chegou. E, num piscar de olhos, a rua se encheu de gente pulando e batucando. Havia muitos botafoguenses acanhados saindo do armário futebolístico depois de 21 anos de espera, naquela quinta-feira, 22 de junho de 1989.
O bloco, na verdade, contava com torcedores alvinegros e antiflamenguistas, mas, pela quantidade de bandeiras e camisetas, ficou claro que éramos maioria. Era a final do campeonato carioca e a figura de que mais me lembro não era a de um jogador. Era um senhorzinho bacana que patrocinou a equipe em memória de seu filho morto – Emil Pinheiro.
Em 1995, quando meu time venceu o Santos na final do brasileiro, estava na praia acompanhando o jogo num telão e tive o prazer de ver os paulistas dos Titãs começarem um show saudando a torcida botafoguense.
No dia seguinte, me juntei a uma legião de jovens torcedores que exibiam suas camisas pelos corredores da UERJ. A minha camisa quem me deu foi meu velho pai. Gaúcho e esquentadinho, assim como, João Saldanha. E acho que seu filho estava certo: ser botafoguense é algo que está no sangue, passa no gene. Não dá pra explicar muito bem.
Este ano (2010), pressentindo a vitória na final da Taça Guanabara, eu e meus sobrinhos fomos à Confeitaria Colombo devidamente paramentados com nossas camisas alvinegras. Ao entrarmos, fomos recebidos com entusiasmo pelo gerente, pelo maitre e pelos garçons e ouvimos histórias deliciosas sobre botafoguenses ilustres que já haviam passado por lá. Tudo devidamente registrado em um livro preto que fica guardado na portaria para receber assinaturas de quantos botafoguenses por lá passarem. Pode ir lá e confirmar!
Outro dia, um conhecido rubro-negro me perguntou por que alguém escolhe ser botafoguense, mesmo sem ganhar tantos títulos quanto outros times. Sorri. Não adiantaria explicar que, para um alvinegro, vencer é bom, mas não é o mais importante. O amor ao time está acima dos resultados. Mas creio que a força do meu sorriso e o brilho nos meus olhos falaram mais alto do que qualquer palavra.
Esse texto é dedicado ao meu pai e companheiro de futebol (in memorian).

4 comentários:

Karlinha disse...

Querida Sara, este texto só vem demonstrar o quanto a paixão que vinha deles (nossos pais) nos contagiava... Era algo tão puro e tão sincero que nos convencia de corpo e alma... A tal ponto de nos fazer apenas ser, sentir ... E pra esse tipo de coisas não há explicação pois amor não se explica apenas se aceita. Essa é a verdadeira herança que eles nos deixaram. És uma privilegiada por ter recebido essa paixão de pai para filho. Eu também me sinto assim. beijos e parabéns pelo texto. Karla

Juva Batella disse...

Querida Sara,
Parabéns pelo teu texto.
O tempo vai aos poucos nos fazendo esta delicadeza, e transformando em memória as nossas saudades.
Um beijo,
Juva

Professor Renato disse...

Belo memorial. Amores são assim e as vivências com teu pai a fizeram a pessoa maravilhosa que você é. Entendo a tua paixão pelo bota, vai na mesma linha da minha pelo mengo, apesar de não ter pai ou mãe flamenguistas... Um beijo e na Literatura, a ausência muta em presença, libertando-nos.

Cerezone disse...

Querida Sarita,

Estimo ter sido o retorno do Nervo Óptico em grande estilo. Se possível, permaneça!

A vida passa rápido e as saudades invadem nossas memórias. Assim, ainda que de forma dolorosa,

solidificamos nossas identidades.

Sem juízo de valor, afinal já vi meu Mengão "massacrar" o Foguinho several times, gostaria de

parabenizá-la pelo texto enxuto e emocionante.

No mais, saudades dos amigos da E24H, dos plantões e, sobretudo, da happy hour das sextas.

Beijos, ainda da Namíbia, mas em vias de nova missão.

Paulo H.