segunda-feira, 3 de outubro de 2005

Negolindo, menino rei em todo lugar

Para os negolindos: Luquinhas, Millinha, Joãozinho e Pedrinho

Quando, seu moço, nasceu o rebento, não era o momento dele rebentar. Já foi nascendo com cara de fome e a mãe não tinha nem nome pra lhe dar. Como foram levando, não sei explicar, ela o foi levando e ele a lhe levar. E na sua meninice, ele um dia disse que chegava lá...



Esse moleque, Negolindo, não é mole, não. Perambula por aí. Brincando com o que pode e sendo feliz ao seu jeito. Porque criança pobre não precisa de brinquedo caro para ser feliz. Bate bola ossuda. Bate um prego aqui, prende umas ripas ali e está pronto o rolimã para descer as inúmeras ladeiras que ligam o asfalto à sua casa.

Vai pra escola, mas só o que prestam lá são a merenda e o papo desenrolado com o Cumpadi, o Brother e o Mané, seus melhores amigos. Não entende do que as Donas falam lá na frente. Ficam falando do que passou na tv ontem à noite. E ele lá vê tv? Não tem tempo, não. Aproveita que a mãe não vem pra casa pra ficar na rua até mais tarde. Até o sono bater. Mãe só no final de semana e se a Patroa deixar. A Patroa deve ser a vó que nunca viu, porque faz com a mãe o que a mãe faz com ele, não o deixa sair.

Ele tem teto, mas vê a cara de medo das Donas no volante quando os quatro se aproximam para atravessar a rua. Vêem os vidros subirem devagar. Se quisessem, podiam fazer uns ganhos por aí, mas para eles, os meninos do sinal com garrafa quebrada na mão são que nem os meninos do colégio de padre que batem nos outros. São crianças também, mas quando crescem brigam no baile e na boate. Uns com dinheiro, outros sem. Uns sem atenção, outros também.

Mas Negolindo tem seus dias de rei. Quando a mãe vai pra casa, ah, Neguinho sonha demais. Menino sonha com coisas que a gente cresce e não vê jamais. Menino pensando só no reino do amanhã, no que vai ser quando crescer. Vai querer ser pai. O que nunca teve. Não sabe quem vai ser a mãe. As meninas nem olham pros pequenos como ele. Elas não jogam futebol. Cheiram bem, mas são chatinhas. Só uma não é.

Deixa a bola de lado e vai esperá-la chegar. Sobe com ela e as novidades da semana pra contar. Sufoca. Aumenta. Mistura as histórias. Ela reza toda noite, entrega para Deus a sorte do menino. É tudo o que pode fazer.

Você conhece o Negolindo? Ele é daqui. Também é daí. É de todo lugar. E na sua meninice, acho que tá lindo, de papo pro ar. Acho que vai chegar lá.

Escreva pra ele. Mande uma carta dos reizinhos que você tem em casa. Faça amizade com os Negolindos que estão perto de você. As mensagens mais legais estarão no ar, nas próximas edições do Nervo Óptico. Em uma sessão especialmente criada para receber os seus recados. Até lá!

Citações:
• “Meu guri” - Chico Buarque
• “Todo Menino É Um Rei” - Nelson Rufino & Zé Luiz

Agradecimento:
Felipe Motta, o “pai” do Negolindo que melhorou essa coluna com sua ilustre ilustração. Thanx, boy!

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