quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Uma festa punk

"Armados das razões que a discussão sobre a razão sempre cria, os jovens, porque eram sobretudo eles quem realizava as acções mais espectaculares, teriam podido fundamentar com mais convicção o seu protesto, tanto na escola como na rua, e na família, não esqueçamos. Pode-se discutir se os jovens, munidos de razões, teriam dispensado a acção direta, caso em que se concluiria pelo efeito apaziguador da inteligência, ao contrário do que tem sido convicção desde o princípio dos séculos."
(José Saramago, em Jangada de Pedra)

Quase tropecei num "ex" dos tempos de faculdade na saída do filme Edukators. Ele nunca foi muuuito engajado, mas, vá lá, era bem bonitão. Empolgadíssima, tinha acabado de identificar meus heróis na telona. Muito mais do que em qualquer adaptação dos quadrinhos pela Sétima Arte, aqueles jovenzinhos da trama eram tudo o que eu queria ter sido quando era mais nova.

"E aí? Maneiro o filme, né?" Eis que o Bonitão resolve jogar água na fervura. "Hum... interessante." "Como???" "Pois é, meu pai sempre me dizia..." Foi então que veio a pérola: "Não ser idealista na juventude é alienação, ser idealista depois dos 30 é idiotice". CHOQUE! Não só pela frase. Por quem a disse. “Vou ali e já volto”, dei as costas e fui embora aos risos.

Admito que o sangue vem correndo cada vez mais devagar e menos quente pelas veias. Vários fios de prata já enfeitam a antes negra grinalda. A vista está cansando e o fôlego já não é mais aquele, olha a cara dele... Mas a desobediência permanece, contra o sistema, contra a política, contra a polícia, contra os bandidos e, se nada resolver, contra o síndico, que seja. Contra qualquer autoridade autoritária. Porque se nunca foi proibido proibir, ainda é rebelde quem se rebela e grita. O “quem sabe faz a hora”, de ontem, virou o “paz sem voz, não é paz é medo”, de hoje.

É verdade que o mal se prolifera mais rápido e com mais eficiência amparado na conivência omissa e silenciosa da maioria, que não abre a boca para reclamar do tanto de coisa ruim que vê por aí. Mas respiro aliviada quando vejo a minha geração “fazer comédia no cinema com as suas leis”. Somos burgueses sem religião. Gostamos de Adidas, crescemos nos reunindo nos Hollywood-Rocks da vida, nosso colesterol cheira a BigMac, bebemos Coca-cola, mas nosso Kennedy favorito se chama Jello, e não Bob ou John, e nossos filmes são pra lá de punks. Não necessariamente na estética, mas na alma (e no orçamento!). Espetamos sim, com poesia. Bicho de sete cabeças, O homem que copiava, Caramuru, Cidade de Deus são apenas alguns exemplos de uma malandragem que cresceu do jogo de cintura de quem não (sabia se) podia falar, tendo muito pra dizer. E, pelo andar da carruagem, vem muito mais por aí.

Não tomamos as ruas, não fazemos passeatas, não quebramos vitrines. Vamos para escola estudar cinema, design, moda, propaganda, marketing. Temos várias décadas pela frente ainda para usar o sistema a nosso favor e influenciar pessoas. Pode ter sido uma decepção, mas o candidato que foi da esquerda na nossa juventude é o presidente agora. Nosso nível de instrução é maior do que o dos adultos na faixa dos 30 e 40 anos das gerações anteriores. A mídia tem olhado mais para os jovens de hoje do que costumava olhar no passado. Abriram esse caminho colocando a gente na escola cada vez mais cedo. E, até hoje, não deixamos de lado os bancos universitários nem para trabalhar. As mulheres, em especial, conciliando sua educação, a dos filhos, o trabalho e a casa.

Estamos no meio do caminho entre os que não dispunham de muita informação e os que têm informação demais e não sabem usá-la ainda. Minha geração tem a faca e o queijo na mão e tem se servido muito bem. Quer um pedacinho?

A arte que melhora esta coluna é de Wilson Domingues. Thanx, Wilbor!

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