quinta-feira, 16 de março de 2006

Coisa de criança

“Na história dos rios nunca acontecera um tal caso, estar passando a água em seu eterno passar e de repente não passa mais, como torneira que bruscamente tivesse sido fechada, por exemplo, alguém está a lavar as mãos numa bacia, retira a válvula do fundo, fechou a torneira, a água escoa-se, desce, desaparece, o que ainda ficou na concha esmaltada em pouco tempo se evaporará. Explicando por palavras mais próprias, a água do Irati retirou-se como onda que da praia reflui e se afasta, o leito do rio ficou à vista, pedras, lodo, limos, peixes que saltando boquejam e morrem, o súbito silêncio.”

("A jangada de pedra", José Saramago)


Desde pequena, sempre quis saber como seria o chão no fundo do mar. Sempre perguntei, mas ninguém nunca me deu uma explicação convincente. Precisava ver com meus próprios olhos. Então, um dia passeando resolvi mergulhar. Venci o medo do mar. Escolhi um lugar tranqüilo, de águas quentes e claras. Calcei pé de pato, coloquei o equipamento básico e fui.

Parecia um cinema!!! Tão lindos os peixes, a vegetação submarina, as conchas e estrelas do mar, os cavalos marinhos... que nem reparei o chão. Esqueci de olhar! De volta à selva de pedra é que me dei conta. Prometi que voltaria para matar essa curiosidade. Nunca mais voltei.

Nas últimas férias, soube de um lugar onde o mar descansa pela manhã. Tira as primeiras horas de folga. Deve ter estado a namorar a lua até mais tarde e sente muito sono de manhã... Simplesmente, se retira. Quando ouvi falar disso, pensei imediatamente: “– É a minha chance!”

Fui lá ver! Fiquei encantada. Olhando para o horizonte, por cima daquela ausência, os barcos distantes pareciam navegar sobre a areia que, sem a malha ora verde ora azul que cobre a maior parte do planeta, apresenta milhares de pegadas. Foi aí que descobri porque dizem que o mar anda. Ela anda mesmo e deixa a marca de seus muitos pés na superfície. Pra onde será que ele vai? Isso eu não sei, só sei que sempre volta. E naquele dia, ele voltou num piscar de olhos. Na subida da maré.

Quando somos crianças achamos que nossos pais podem explicar tudo. Tive sorte. Quando meus pais não podiam, sempre tinha os irmãos mais velhos para responder. Até hoje, quando me pego soltando suspiros para tentar colocar para fora as angústias e dúvidas que às vezes apertam meu peito e a boca do estômago, tenho vontade de ligar e fazer muitas perguntas. Mas as histórias são tão longas... Complicadas... A conta de telefone é tão cara... E a resposta pode ser tão diferente do que eu gostaria de ouvir... Quem sabe nas próximas férias eu não descubro o que ainda falta?

Trilha sonora sugerida:
• "Miragem do Porto", Lenine.

A foto que melhora esta coluna é minha mesmo, tirada durante o carnaval de 2006 em Mangue Seco, PE, e mostra o recuo do mar. Thanx, God!

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