quarta-feira, 21 de maio de 2008

Sem medo de enriquecer

“Acho contra a natureza que um homem se entenda melhor com seu cão do que com sua esposa, que o ensine a comer e a descomer na hora certa, a responder perguntas e a compartilhar suas penas.”
(Gabriel García Márquez, em “Memórias de minhas putas tristes”, p. 59)

Do banco do carona, ouvi sua boca vomitar barbaridades. Disse que desceria do carro e do alto de seu metro e oitenta para espancar o menino de rua que viesse sujar seu pára-brisa com aquela lavagem imunda. Um estado de choque calou minha boca. Uma covardia baixou minha face. Uma confusão tomou minha mente. Para meu deleite, os meninos passaram e nos ignoraram dentro de seu carro. Foi quando lembrou que só os carros bonitos atraem a atenção, mesmo de meninos de rua. O seu supõe falta de recursos, mesmo para meninos de rua. Uma humilhação o fez sentir preterido. Um despeito o fez cair na real. Não era digno sequer da lavagem imunda.

Do canto da sala, o vi invadir meu espaço. Vi falar, reclamar por muitos e muitos dias, nunca ouvir, exceto para criticar, ou debochar. Nada nunca parecia bom o suficiente. Uma piedade calava minha boca. Depois, um cansaço me ensurdecia. Por fim, uma irritação tomou meu senso. Quando se chega a um ponto insuportável, a mudança é inevitável. Muda-se. A força corre quente pela veia até a ponta da língua: o cuspe, a reação, o deleite. Pior do que a rejeição de meninos desconhecidos, é a da menina que se pensa conhecer.

O prazer de poder encher os pulmões de ar, esticar o corpo, ouvir sua música favorita, colocar a mochila nas costas e ir onde se quer, abrir e fechar os olhos, sem medo de atender o telefone, sem um diabo a quem carregar, sem um vampiro a chupar seu sangue, um espírito de porco a obsidiar a vida de quem só quer andar de leve por aí é a melhor sensação do mundo. Sem medo do fim de uma triste relação, seja de amizade ou qualquer outro tipo de disputa, casamento ou namoro. Qualquer coisa onde o amor não esteja presente lá e cá. Não há caminho sem ele, nem com muito boa vontade.

O bom de subir um muro e olhar sobre ele, é poder enxergar o que virá depois. O super herói não precisa terminar esfarrapado, caminhando solitário pela estrada deserta. Quando se é justo consigo mesmo, a paz é o doce alívio de um caminho de ilusões e decepções, mas repleto de sinais verdadeiros de admiração mútua e companheirismo que só as verdadeiras almas gêmeas conseguem demonstrar das maneiras mais diversas. Toda maneira de amar vale a pena, se for verdadeira.

No silêncio da madrugada, os poucos carros que passam fazem ainda mais barulho. Mas fecho os olhos hoje e durmo em paz.

Foto de Sara Simões

4 comentários:

sara disse...

antes só...

Robertobaz disse...

Gabriel García Márquez?? que felicidade!!!

TS disse...

Menina, espero q isso seja realm/t ficção.
Soube de um sujeito q "por amor" ensinava o filho pequeno a manusear arma p/ se defender; não foi à toa q a mãe do guri deu um pontapé na bunda deste pai boçal, autoritário, manipulador. O cara despeitado disse q era melhor ter um cão do que uma mulher que discordasse dele e educava o filho como se fosse uma flor (!!!).

É ruim ficar só, mas é muuuuito melhor ser "single" e não aturar esses tipos.
Beijins.
(notinha: eu já publiquei várias fts "daquele lugar" da crônica-fantástica (rs) no meu flog; o probl. é que não guardo as datas; qdo eu publicar mais uma, te convido p/ ver).

Flávia Guilherme disse...

Já passei por esse momento também...
Acho bom olhar de cima do muro.
Momentos ruins esquecidos...novos momentos vividos.