sexta-feira, 16 de setembro de 2005

Banana d’água em rodízio de pizza

Ela bate a porta do carro. O tailleur cinza ainda está impecável às 22:45h da noite. Mesmo depois de um exaustivo dia na companhia. Muitas reuniões e decisões. Solta os longos cabelos loiros e tira os sapatos de saltos finíssimos que realçam ainda mais os 60 quilos distribuídos por seus quase 1,80m.


É assim que o mundo vende a imagem da mulher do século XXI. Impecável, alta, loira e em cima do salto. Executiva de uma multinacional.

Porém, não há multinacionais em número suficiente para a quantidade de mulheres no mercado de trabalho. Além disso, nossa raça de nanicos, só há poucos anos, têm conseguido vencer a subnutrição e exportar top models, em sua maioria, muito mais parecidas com as européias do que com o padrão do mulherio brasileiro.

Na vida real, a mulher (quando tem uma porta de carro para bater) entra em casa, depois de uma longa jornada, e se depara com os filhos muitas vezes já dormindo. Ela compra presentes para eles a fim de se sentir menos culpada por ter que abandoná-los todos os dias, mesmo sabendo que todo o esforço é por eles.

Já não consegue mais ser tão vaidosa. Sapato alto só para dia de festa. E, se consegue a proeza de medir mais de 1,75m, tendo apenas os 60 quilos citados acima, com certeza, fecha a porta do banheiro e enfia o dedo na goela para se livrar dos excessos cometidos no churrasco do final de semana. Porque ela tem que ser magra, alta, loira, como a moça da propaganda.

Em um mundo globalizado, em que não sabemos mais se devemos preservar nossas raízes ou misturar o que há de bom nas diversas culturas as quais passamos a ter acesso, não é de se admirar que não saibamos mais quem somos ou o que queremos ser.

“Um homem que não tem pensamentos individuais é um homem que não pensa.” - Oscar Wilde

Se ontem o “cabeça feita” era aquele que tinha e formava sua própria opinião, hoje surge a figura do criador de tendências como criador de identidades, expostas em verdadeiros supermercados de estilos e atitudes, prontos para o consumo.

A Mídia disfarçada de Moda é quem dita as regras não só para o que vestir, mas que máscara usar. Grifes, marcas e estilos fabricados chamam para si a (ir)responsabilidade de traduzir a identidade e a linguagem das pessoas. Nesse samba do crioulo doido, estilistas, modelos e celebridades passaram a ser cultuados e transformados em referências de comportamento e consumo e até o alternativo virou um estilo.

Assim, a roupa, que servia como uma ferramenta para as pessoas se cobrirem e protegerem do meio ambiente – e só para os mais estilosos, um veículo para exporem suas idéias e suas personalidades –, virou um crachá que identifica sua tribo, classe social, seu ídolo ou ideologia; ou peça de uma engrenagem que trabalha dia e noite para a banalização de conceitos, que nem se restringem mais aos padrões de beleza, mas também ao comportamento e, principalmente, à posição do indivíduo na sociedade. Afinal, segundo BERNARDO JABLONSKI (Doutor em Psicologia Social/ FGV): “Queremos ser iguais, mas com fama de diferentes. E queremos ser diferentes, mas com ar de que somos iguais (nem melhores, nem piores) a todos os outros.”

O lado mais triste da história vem à tona quando a mídia consegue vender uma imagem idealizada e impossível de ser alcançada. Exibir adolescentes divulgando coleções para mulheres adultas, além de cruel, tem gerado dois problemas de saúde pública em vários países: a obsessão pela magreza e, em contrapartida, a caracterização da obesidade como uma epidemia.

E como não se poderia deixar de lucrar com isso, nunca foi tão grande a oferta de produtos industrializados altamente calóricos, considerados “engordativos”, ao mesmo tempo em que se fortalece uma verdadeira indústria do emagrecimento.

“Emagrecer virou moda. Uma moda que se impôs com tal vigor que até as pessoas magras – sentindo-se por fora – estão tratando de engordar para poderem fazer também sua dietazinha.” – Carlos Eduardo Novaes

Na total inversão de valores que testemunhamos todos os dias, notamos que não é mais a roupa que serve o corpo e, sim, o corpo é que se adapta à roupa.

O escritor CARLOS EDUARDO NOVAES, presenciou o surgimento de uma verdadeira literatura especializada em emagrecimento e comenta com bom humor: “Coma e emagreça, Emagreça sem comer, Calorias não engordam, Proteínas não engordam, Dieta e bem estar, numa sucessão interminável de fórmulas mágicas que já nos permitem esperar para qualquer momento algum livro chamado Emagreça sem perder peso.”

Em sua crônica A fome no prato fundo, o próprio autor ensina a sua formulazinha de emagrecimento: “A maneira mais adequada de queimar calorias é botá-las no fogo. Pegue um bife de panela que tem 175 calorias (sem a panela, é claro), 50 gramas de mortadela (170 calorias), uma Coca-cola (140 calorias) e de sobremesa um abacate médio (185 calorias). Junte tudo e leve ao fogo. Você terá queimado exatamente 720 calorias.”

Mas, no vale tudo para perder os indesejados excessos, a melhor receita de todas (e que já virou uma lenda entre um seleto grupo de ex-alunos do Cefet!!!) é a dieta da banana d’água em rodízio de pizza. Reza a tal lenda que a melhor maneira de desgastar vários pedaços de pizza ingeridos (e mal digeridos) é mandar pra dentro uma banana d’água – se possível inteira. Dizem os já iniciados que é tiro e queda.

E, para evitar que até essa coluna acabe em pizza (depois de ter começado de maneira tão séria), dou a palavra a Gerald Thomas, que a exemplo de Fred 04 (líder da banda Mundo Livre S.A.), também tem tentado entender as mulheres:

“Homem é uma bomba d’água que quer gozar. Se você fizer um buraco numa árvore, ele mete o pau e pronto. Na cabeça do homem, a mulher tem que ter aquele salto alto, tem que ser linda. Isso criou uma anomalia no mundo e as mulheres aderiram a essa loucura. Por isso os salões de beleza, cabelo, sapatos, peles, corpos esculpidos. Pra que isso? Pra satisfazer o homem?”*


Trilha sonora sugerida:
• "Tentando entender as mulheres" – Mundo Livre S.A.
• "Woman is the nigger of the world" – John Lennon
• "End of a century" - Blur

Leitura sugerida:
• *Entrevista concedida à revista TPM de julho/ 2005
• Livro O caos nosso de cada dia, de Carlos Eduardo Novaes/ Editora Nórdica.
Livro de Aforismos de Oscar Wilde. Tradução de M. Fondelli/ Clássicos Econômicos Newton.
• Livro Diário de um magro, Mario Prata/ Editora Globo.

Agradecimentos: Leandro Costa e Du Carmo Vido

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