sexta-feira, 2 de setembro de 2005

A Literatura discute a relação

Assombrada com a quantidade de publicações que se propõem a discutir o papel da mulher na sociedade contemporânea, seja em forma de revistas ou livros, que pipocam dia após dia nas livrarias e bancas, decidi dar uma espiada em algumas delas e investigar a razão para tanto tititi.

A maioria não consegue fugir do trivial: moda, dieta, beleza, relacionamento... e deixam escapar uma grande oportunidade de contribuir de maneira útil para a conscientização da mulher sobre o papel que deveria assumir na sociedade.


Algumas, contudo, surpreendem tanto por tratarem de assuntos diferentes quanto por falarem das mesmas coisas, oferecendo uma nova visão e refletindo sobre a relevância de tudo isso na vida de mulheres e homens modernos.

Fazendo um apanhado do que foi lido nos últimos meses e nas duas últimas décadas, apresento a vocês uma série de duas crônicas inspiradas em pessoas engraçadas e/ou conscientes – escritores, filósofos, artistas, jornalistas, psicólogos, nutricionistas – que, a partir de suas áreas, mostram como influenciamos e somos influenciados pelo meio em que vivemos.

A primeira crônica trata da tal necessidade de discutir o relacionamento homem-mulher (quando, na verdade, os atores dessa triste cena poderiam estar aproveitando o tempo de forma mais agradável) e as diferenças entre os dois sexos na literatura. A segunda discute a influência da mídia e da moda na personalidade do mulherio. Então, vamos à primeira parte!




A LITERATURA DISCUTE A RELAÇÃO

É difícil até dizer que existe conteúdo para mulher. Não somos um gueto, uma classe. Somos apenas mulheres, po@@a.” Letícia Muhana - Sra. GNT





Há controvérsia! Apesar de ser cada vez maior, o número de mulheres que se interessam – e discutem! – por política e futebol, muitas pessoas acreditam que lugar de mulher ainda é na cozinha. Outro dia, me surpreendi com uma dama que proferiu a pérola: “Deve ser mulher!”, referindo-se a um motorista que não pensou duas vezes antes de buzinar ao levar uma fechada. E ainda arrematou: “Mulher adora uma buzina...” Obviamente, o motorista irritado era homem (caso contrário, não faria sentido contar essa historinha aqui).

Atitudes como essa são apenas um reflexo de uma idéia milenar incutida em cabeças pouco pensantes que ainda insistem em dividir homens e mulheres como terráqueos e extraterrenos, respectivamente. Azul e verde são diferentes e nem por isso há qualquer preconceito contra esta ou aquela cor. O mesmo não acontece entre homens e mulheres. Estas ganham menos que aqueles apesar de, na maioria das vezes, exercerem papéis semelhantes e ainda terem dupla (ou tripla) jornada, mesmo sendo sexo fisiologicamente mais fraco. Elas até hoje não podem desfrutar de sexo livre sem culpa. Elas batalharam para provar que conseguem fazer o mesmo que eles, e até mais, com um número menor de neurônios. E, como recompensa, perderam o direito à gentileza e ao cavalheirismo masculino. Se vacilam, são chamadas de burras, viram piadas. E por aí vai...

Somente por parte dos escritores e poetas, com sua sensibilidade, viriam o tratamento e o carinho merecidos, apesar de às vezes acompanhados de uma incompreensãozinha masculina aqui e ali. Para OSCAR WILDE, do alto da sabedoria e do distanciamento, que só um escritor gay da era Vitoriana poderia ter, são as mulheres que “amam com os ouvidos, exatamente como os homens amam com os olhos (admitindo-se que realmente amem)”.
Portanto, não esperem que os homens as compreendam, pois o autor sintetiza o desespero masculino: “as mulheres foram feitas para serem amadas, e não para serem compreendidas”.
Segundo WILDE, “o mundo foi feito para os homens e não para as mulheres”.

O escritor CARLOS EDUARDO NOVAES, na crônica As mulheres em movimento, nos conta que o filósofo Aristóteles foi o primeiro porco chauvinista da História: “se dependesse dele, a Terra seria povoada só por homens. Costumava dizer entre um tratado de Lógica e outro de Metafísica que ‘quando a Natureza erra na fabricação de um homem nasce uma mulher’”.

Na mesma crônica, NOVAES dispara: “O Dr. Robert Alsofrom, famoso psicólogo da Flórida, afirma que os movimentos feministas estão criando uma sociedade de homens fracos, neuróticos e apavorados, que não toleram o desafio da mulher. Seu consultório está cheio de maridos desorientados que não sabem o que fazer. Alguns estão pensando em se separar das mulheres. E casar com outros maridos”.

Para o autor, em meados da década de 70, quando a crônica foi escrita, muitas mulheres já desistiam da idéia de abraçar um homem: “só pensam em abraçar uma carreira”.

Essa desistência pode ter vindo junto com a decretação de falência de uma instituição que era o sonho de (literalmente) consumo de 11 entre 10 mulheres das gerações anteriores à crônica de NOVAES: o casamento. E a dificuldade de diálogo entre os sexos pode ter sido o grande pivô desse unhappy end.

Um dos manuais de auto-ajuda mais vendidos da história, Homens são de Marte, mulheres são de Vênus, não poupou linhas para convencer os leitores de que homens e mulheres são mesmo diferentes (como se precisasse!). Resumindo a ópera pra lá de repetitiva (talvez, por razões didáticas), o maior segredo para um casamento bem sucedido está nas mãos DAS MULHERES: há tarefas para homens e tarefas para mulheres, deixem que os homens façam as deles e vocês façam as suas – aposentem o blá blá blá e falem objetivamente.

Mas, então, é só isso? Será que Mr. WILDE tinha razão todo o tempo? Quer dizer que para agradar ao sexo oposto, as mulheres, além de se anularem, devem também ser mais sucintas, menos prolixas? E quem disse que ainda queremos agradá-los? Hoje, muitas mulheres já pensam diferente. Não precisamos mais mudar para agradar os rapazes. Aliás, não devemos. Já os alcançamos em praticamente tudo o que é importante para nós. Nem mesmo para reproduzir são fundamentais. Algumas já os vêem como mero entretenimento.

Prova dessa independência é o sucesso de He’s just not that into you – The no-excuses truthes to understanding guys, livro de nome pra lá de sugestivo, escrito por Greg Behrendt, um dos roteiristas da cultuada série Sex and the city. Ele simplifica as coisas para as moçoilas ainda casadoiras e para as mulheres cujos parceiros não demonstram o empenho que elas acham que merecem: “ele simplesmente não está a fim”. E completa: dispense o bofe e bote a fila pra andar!!! O livro ensina que as mulheres devem acreditar que merecem sempre o melhor e que se isso não acontece, a culpa é deles.

Um ótimo exemplo disso está na matéria de Daniela Venerando, para a revista Elle de agosto, que expõe a ótica masculina e a feminina sobre as queixas mais comuns das mulheres quanto ao comportamento dos homens. Em determinado ponto da matéria, as mulheres reclamam de homens ruins de cama e um espécime tenta se defender alegando que “teve um desempenho fraco com uma menina, porque estava preocupado demais com a possibilidade de que ela fosse pegar no meu pé depois do sexo”. Mais infeliz na argumentação, impossível.

Mas, muitas vezes, um gesto de reconhecimento pode vir de onde menos se espera. Mesmo já tendo sido acusado e preso por bater em mulher, Mr. JAMES BROWN, que não era bobo nem nada, tentou se redimir fazendo jus ao ditado “por trás de todo homem há uma grande mulher”, e deu ao mundo “It’s a man’s, man’s, man’s world”, talvez num rompante de arrependimento. Será???

GERALD THOMAS, em entrevista concedida à revista TPM, deve ter conquistado muitos corações ao declarar: “A mulher é um ser humano muito mais sofisticado. O homem é bestial. Burro, exibicionista. Homem dá para generalizar, mulher não. (...) O homem não enxerga o ser humano que tem dentro da mulher. Mas a mulher enxerga o ser humano que tem dentro do homem.”

O fato é que, desde que o mundo é mundo, viver é matar um mamute por dia. E viver a dois é tarefa ainda mais árdua. Em tempos de competitividade acirrada e individualismo a toda prova, defender-se parece ser mais importante do que entregar-se, talvez por isso tanta dificuldade em ceder ao instinto que, afinal de contas, é a razão para estarmos todos aqui. Mas há quem acredite na teoria de defender-se primeiro para entregar-se depois.

Para os que concordam com ela, sugiro o Almanaque para garotas calientes, do trio 02 NEURÔNIO. Com ele, qualquer mulher cansada de dar cabeçadas por aí ganha novos ares. É um verdadeiro banho de loja na alma feminina. NINA, JÔ e RAQ dão a sua contribuição à raça humana, ensinando as mulheres a se transformarem em seres “superiores”, que se orgulham de ter barriguinha, sim, e que sabem se defender de meninos maus; mas que, se de vez em quando caem em tentação, tudo bem, perdoar-se é preciso. Os meninos que quiserem aproveitar essa dica terão uma grande oportunidade de descobrir segredos da alma feminina da qual nem eles e nem nós suspeitávamos. As três mocinhas escritoras estão dispensadas de plantar uma árvore e de fazer filhos, se quiserem. Já marcaram vários pontos por colocarem uma pedra sobre muitas nóias femininas, ajudando a libertar e unir pessoas e plantando muitas árvores frutíferas por aí.

Trilha sonora sugerida:
• "Tentando entender as mulheres" – Mundo Livre S.A.
• "O filho preferido de Rajneesh" – Pato Fu
• "Woman is the nigger of the world" – John Lennon
• "It’s a man’s, man’s, man’s world" – James Brown
• "The dancer" – P.J. Harvey

Leitura sugerida:
• Revista TPM/ julho
• Revista TPM/ agosto
• Livro O caos nosso de cada dia, de Carlos Eduardo Novaes, publicado por Editora Nórdica.
• Livro Almanaque para garotas calientes, 02 NEURÔNIO, publicado por Conrad Livros.
• Livro He’s just not that into you – The no-excuses truthes to understanding guys, de Greg Behrendt e Liz Tuccillo, publicado por SSE. Já traduzido para o português, com o título “Ele simplesmente não está a fim de você”, publicado pela editora Rocco.
Livro de Aforismos de Oscar Wilde. Tradução de Mario Fondelli, publicado por Clássicos Econômicos Newton.


A ilustração que melhorou esta coluna é de Wilson Domingues. Thanx, Wilbor! ;-)

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