“Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia,No espelho essa cara não é minha
Os anos se passaram enquanto eu dormia
E quem eu queria bem me esquecia...”
No meio daquela multidão, distraidamente, lembrava dos primeiros momentos do dia, quando seus novos problemas começaram. Como acontecia todos os dias, levantou-se da cama e quase sem abrir os olhos, parou em frente ao espelho, pegou a escova, colocou nela a pasta de dente e começou a escovar. Ao encarar o espelho, deparou-se com a imagem de alguém estranho. De uma hora para outra, não se reconheceu mais. O que a imagem refletida no espelho tinha a ver com a pessoa que sentia sob a pele, por trás dos olhos, em cima dos pés? Quem disse que essa pessoa sou eu? – a pergunta não se calava, voltava a cada passo no meio da multidão enlouquecida pelas compras de natal.
Esta é uma época triste. Notou que sempre sentia uma ponta de depressão. Ela ia crescendo crescendo... até lembrar-se dos presentes. No princípio, a expectativa de receber os que havia pedido e o consolo com os que ganhava. Mais tarde, na idade adulta, a preocupação com os que teria de comprar para agradar os outros. A prática de presentear não era somente uma maneira de enriquecer comerciantes – como pensava desde a adolescência rebelde – e gastar mais do que era pago no décimo terceiro salário.
A troca de presentes servia para encobrir o aperto que sufocava o peito e deixava um nó na garganta. A preocupação com as compras distraía os pensamentos que insistiam em cutucar sobre o significado da data irracionalmente festiva. Acreditava que o nascimento e a história do personagem principal eram parte de uma lenda e que, como todas as outras, tinha a sua função didática.
Mas há 2000 anos, de geração em geração, ela vem sendo contada, recontada, repetida e pregada como verdade sem que realmente se aprenda algo com ela. Sem que se aproveite o seu sentido real. Sem que se use sua trama como um exemplo. Essa era sua principal preocupação até aquela manhã. “Mais essa agora! Mais um motivo para me tirar o sono.” Quem poderia explicar como voltaria a acreditar que a imagem que via refletida nos espelhos, nos vidros dos carros parados nas calçadas, copiando seus movimentos era realmente sua?
Não lembrava daquela pessoa, nem como chegara até ali – o peso, a altura, a cor, o corte de cabelo. Definitivamente, a imagem não correspondia ao que sentia. Não era como a maioria das pessoas, que não identificavam a imagem refletida com o que gostariam de parecer – o astro do cinema, a celebridade da vez, a top model na capa da revista. Apenas não conhecia a pessoa que via. Conhecia sim, um pouco, a voz que ecoava dentro de sua cabeça, a pessoa que sentia o coração acelerar diante da paixão da sua vida, as lágrimas descerem quentes pela pele do rosto quando se sentia rejeitada, a barriga roncar ao passar pela porta da padaria de manhã e perceber o cheiro do pão fresco entrando pelas narinas.
E aquela pessoa no espelho? Era preciso arranjar uma personalidade para ela ou era a personificação não-autorizada de todas aquelas sensações e da voz que ecoava dentro da cabeça? Ou seria ainda a maneira como os outros o viam? É certo que o que dizem ou pensam de você não é o que você é de verdade. Mas, então, quem diabos era a pessoa no espelho?
Meia-noite. Subir com todos aqueles pacotes não foi nada fácil. As crianças da família estão indóceis pela troca de presentes. Todos reclamaram do seu ar desligado este ano. Algum problema no trabalho? Por que ainda estava só? Não ia se casar? Queria tanto mais um netinho... Quer mais um pedaço de Chester? Passa a farofa, por favor.
Evitou experimentar as roupas que ganhara para não ter que encarar aquela figura estranha no espelho novamente. Enquanto pensava que mais um ano acabava e os tais ensinamentos da festa que acabara de acontecer passavam despercebidos, lhe ocorreu que não encontraria sua alma gêmea se não encontrasse sua própria alma vagando por aí, sem uma máscara que lhe coubesse. Depois disso, dormiu.

Há quem reclame (e muito!) da qualidade da programação da tv aberta, ou melhor, da falta dela. Obviamente, comparada aos canais de tv a cabo, a pobrezinha parece agonizar, padecendo com a ausência de criatividade e classe. Seriam seus últimos dias??? Não, claro que não.
No dia em que se conheceram, ele passou a tarde toda atirado no sofá pensando se ia ou não à festa. Pensando se atendia o telefone ou não. Pensando se marcava ou não com os amigos. Pensando se ou se não. Ela estava muito triste, mas sabia que não podia parar. Tentava se recuperar do final traumático de um namoro que não devia ter durado mais do que três dias, mas chegara a três anos. Encheu-se de coragem apenas para ir ao cinema do outro lado da cidade. O brilho eterno de uma mente sem lembranças foi o estopim para concluir o óbvio. Tudo que fizera naqueles três anos, teria feito melhor se estivesse sozinha. O filme a deixara ainda mais melancólica, por isso não ligou para ninguém. Resolveu ir à festa. Do outro lado da Baía, ele também.
José Datrino foi um paulista que chegou a ser dono de uma empresa de transportes de carga, mas andou ouvindo vozes e largou tudo para virar "profeta". Professava um pouco mais de gentileza entre as pessoas. Por isso, ficou conhecido como Profeta Gentileza. Sua missão profética durou 35 anos, morreu em 1996. Com 20 anos chegou ao Rio de Janeiro.
Quase tropecei num "ex" dos tempos de faculdade na saída do filme Edukators. Ele nunca foi muuuito engajado, mas, vá lá, era bem bonitão. Empolgadíssima, tinha acabado de identificar meus heróis na telona. Muito mais do que em qualquer adaptação dos quadrinhos pela Sétima Arte, aqueles jovenzinhos da trama eram tudo o que eu queria ter sido quando era mais nova.
Todo mundo deveria trabalhar só com o que gosta. Não é preciso fazer nenhuma pesquisa para comprovar o fato de que rende mais quem trabalha por prazer. Olhe em volta. Quantas pessoas você conhece que trabalham com o que gostam realmente e não por necessidade? Pouquíssimas? Nenhuma? Então, pense em uma escala maior. Pense em nosso país.



